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CAPÍTULO III – O ABISMO: A PRECARIZAÇÃO E O SOFRIMENTO

3.2 A PSICODINÂMICA DO TRABALHO E A PSICOLOGIA NO CONTEXTO DE

A Psicodinâmica do Trabalho surgiu a partir dos anos 1990 com os estudos de Cristhophe Dejours, na França, sobre a disciplina Psicopatologia do Trabalho (criada por Le Guillant) e após a publicação do livro Travail, usure mentale: Essai de psychopathologie du travail, em 198024. De acordo com Merlo (2002), a utilização do conceito de Psicodinâmica do Trabalho, em substituição ao termo Psicopatologia do Trabalho, deu-se a partir da expansão do estudo da normalidade sobre o da patologia, tendo como princípio a compreensão acerca de como os trabalhadores alcançam manter o equilíbrio psíquico quando estes estão submetidos a condições de trabalho desestruturantes.

24 O livro foi traduzido no Brasil pela primeira vez em 1987. Hoje está em sua 5ª edição:

DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo psicopatologia do trabalho. 5. ed. São Paulo: Editora Cortez, 1992.

Como idealizador da Psicodinâmica do Trabalho, Dejours (1994) a conceitua como sendo o estudo das relações dinâmicas entre a organização do trabalho e os processos de subjetivação. O autor utiliza conceitos psicanalíticos como instrumento para analisar o sofrimento gerado no trabalho e afirma que as condições ocupacionais prejudicam a saúde do corpo do trabalhador, enquanto a organização do trabalho atua no nível do funcionamento psíquico. O trabalho como parte do mundo externo ao sujeito e do seu próprio corpo e relações sociais representa uma fonte de prazer ou de sofrimento, desde que as condições externas oferecidas atendam ou não à satisfação dos desejos inconscientes.

A princípio, a Psicodinâmica do Trabalho parecia dedicada à superação e ao tratamento das doenças mentais; entretanto, de acordo com Flach et al. (2009), a Psicodinâmica do Trabalho abre caminho para perspectivas mais amplas, atrelando ao estudo do sofrimento o estudo do prazer no trabalho. Para Merlo (2002), a Psicodinâmica do Trabalho visa o coletivo de trabalhadores e não os indivíduos isoladamente. Sobre esse estudo, o autor acrescenta que, “Após diagnosticar o sofrimento psíquico em situações de trabalho, ela não busca atos terapêuticos individuais, mas intervenções voltadas para a organização do trabalho à qual os indivíduos estejam submetidos.” (MERLO, 2002, p. 131).

A Psicodinâmica do Trabalho, com o aprimoramento dos seus estudos, não abandona os conceitos essenciais psicanalíticos, como a sublimação e os mecanismos de defesa que são utilizados pelos trabalhadores diante do sofrimento no trabalho. Porém, ela constrói uma nova abordagem com base em conceitos da Sociologia do Trabalho e da Ergonomia. Ao abordar com base nos conceitos da Sociologia do Trabalho, a Psicodinâmica analisa, de forma minuciosa e sistemática, as organizações das formas de gestão do trabalho, principalmente a partir das influências tayloristas, fordistas e toyotistas, bem como a análise das relações de poder estabelecidas no contexto do trabalho; já na abordagem pelos conceitos da Ergonomia, ela identifica o espaço existente entre trabalho real e trabalho prescrito, possibilitando a percepção da sublimação e a construção da identidade no trabalho. (MERLO, 2002).

Faz-se necessário ressaltar que o trabalho também pode levar a pessoa a uma vivência de prazer quando ele representa a possibilidade de o trabalhador definir-se como sujeito do trabalho e construir novas formas de ser. A Psicodinâmica do Trabalho, utilizando a interação multidisciplinar com outros profissionais relacionados à Saúde do Trabalhador (médicos do trabalho, psicólogos, fisioterapeutas, engenheiros de segurança, dentre outros), tem ampliado

suas abordagens a partir de estudos e pesquisas com foco nas realidades concretas de trabalho. Desta maneira, é possível preencher lacunas epistemológicas existentes quanto ao conhecimento da relação entre saúde, doença e trabalho, permitindo, a partir daí, a ampliação das possibilidades de intervenção e discussão sobre a temática acerca das relações entre saúde mental e trabalho. Tais discussões possibilitam maior entendimento desses processos de intervenção, com vistas à prevenção e possíveis estratégias de enfrentamento dos males físicos e psíquicos gerados no trabalho ou por causa dele.

Por sua vez, a Psicologia, principalmente a voltada para a Saúde do Trabalhador, canaliza os conhecimentos da Psicologia Social da Saúde e da Psicologia Social do Trabalho, além da atuação da Psicologia Clínica e Organizacional, para enriquecer as práticas voltadas para o atendimento aos trabalhadores que sofrem as mazelas influenciadas ou adquiridas na execução do trabalho. Tais áreas da Psicologia aportam contribuições ao mesmo tempo específicas e múltiplas. A Psicologia tem teorizado, pesquisado e discutido sobre os processos de sofrimento relacionados ao trabalho em busca de explicações e de sentidos sobre o processo saúde-doença e trabalho, saúde mental e trabalho, toxicologia comportamental, causalidade de acidentes de trabalho, modelos de gestão e de organização do processo de trabalho, subjetividade e saúde mental, dentre outros. (CREPOP, 2008).

A identificação de casos de sofrimento e adoecimento psíquico influenciados ou adquiridos na execução do trabalho é uma atividade importante do psicólogo na assistência aos trabalhadores que, de alguma forma, já tiveram sua saúde afetada pelas atividades ocupacionais. Entretanto, é importante lembrar que a identificação de tais situações durante a atividade clínica do psicólogo deve ser vista também como um alerta para o desencadeamento de ações preventivas no sentido de evitar que outros trabalhadores permaneçam expostos às mesmas condições. (CREPOP, 2008).

Em relação às questões da realidade da educação brasileira, o psicólogo tem encontrado espaço limitado de atuação. As redes de ensino privadas ou as escolas que investem na contratação desse profissional, na maioria das vezes, têm apenas o objetivo de cumprir as exigências regimentais das instituições de ensino ou mesmo o de atender às demandas das famílias que investem financeiramente na educação dos seus filhos e cobram a presença desse profissional na equipe escolar. Porém, o psicólogo tem atuação limitada dentro desses espaços, muitas vezes priorizando o atendimento individualizado a partir das demandas apresentadas no contexto

escolar, não tendo um olhar treinado e direcionado para a análise e intervenção relativas ao sofrimento do corpo docente e técnico administrativo que é provocado pelas condições de trabalho, uma vez que ele também é vítima dos mesmos processos que causam estresse e sofrimento no trabalho.