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A Queda da desigualdade de renda brasileira nos anos 2000

1.1 Retrospectiva do debate inicial acerca da distribuição de renda na literatura

1.1.3 A Queda da desigualdade de renda brasileira nos anos 2000

Estudos recentes3 apontam que o grau de desigualdade na distribuição de renda no Brasil, medido pelo coeficiente de Gini, vem numa trajetória de queda desde 2001. A partir desse momento, a literatura nacional tem se dedicado a investigar as causas dessa contínua queda da concentração pessoal de renda. Em 2006, o IPEA publicou uma coletânea de trabalhos organizados em dois volumes por Barros, Foguel e Ulyssea. Os diversos trabalhos analisam o período entre 2001 e 2005. Os pesquisadores buscaram documentar a recente queda da desigualdade, avaliar sua magnitude e importância e identificar seus principais determinantes.

Nesses trabalhos são abordadas as contribuições da escolaridade, da produtividade do trabalho e da segmentação regional para o declínio da desigualdade desse período, além da contribuição das transferências públicas. Em linhas gerais, os resultados apontam que a escolaridade, a produtividade do trabalho e a segmentação regional contribuem com 16%, 18% e 11%, respectivamente. Já as aposentadorias e pensões, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Família (PBF) juntos contribuem com 30% da redução total. Dessa maneira, os resultados sugerem a efetividade das políticas públicas de proteção social na redução da desigualdade de renda.

Barros (2006) elabora um estudo cujo objetivo é comparar a efetividade do Salário Mínimo (SM) com a do Programa Bolsa Família (PBF) no combate a pobreza e a desigualdade. Os resultados demonstram menor efetividade do SM em relação ao PBF tanto no combate a pobreza quanto no combate a desigualdade. Nas palavras de Barros (2006):

A baixa efetividade do SM não é nada surpreendente. Considerando- se que, entre as famílias pobres, apenas 18% têm ao menos um empregado formal ou informal com remuneração cujo valor seja próximo ao do SM, e que apenas 9% têm um idoso (...). Apenas 15% dos empregados com remuneração próxima ao SM vivem em famílias extremamente pobres, e 40% em famílias pobres. Apenas 24% desses empregados são chefes de uma família pobre. Ora, se a maioria dos empregados e dos aposentados que recebem tal remuneração não vive em famílias pobres, e se a maioria das famílias pobres não tem nem idosos nem empregados com

3 Como estudos recentes, podem ser mencionados: Hoffmann (2006); Soares (2006); IPEA (2006); Soares, Veras, Medeiros e Osório (2006).

remuneração cujo valor seja próximo ao do SM, como poderiam aumentos no SM ser efetivos no combate à pobreza e à desigualdade? O fator determinante do sucesso do PBF é o foco nas crianças. Como 81% das famílias extremamente pobres têm crianças, todo programa de transferência centrado nas crianças terá, naturalmente, um alto grau de efetividade no combate à pobreza e à desigualdade (BARROS, 2006, p.544).

Conforme pode ser observado, a alta efetividade do Programa Bolsa Família se justifica, pois as famílias pobres possuem mais crianças que idosos. Assim, as transferências de renda terão maior efeito no combate à pobreza e à desigualdade de renda do que aumentos no Salário Mínimo.

Para Barros, Franco e Mendonça (2006), os progressos significativos na educação, desde os anos de 1990, possibilitaram uma acentuada queda na desigualdade da remuneração do trabalho. Tais mudanças são decorrentes de melhoras no capital humano dos trabalhadores e de reduções nos diferenciais de remuneração por nível educacional. Os resultados revelam que pelo menos metade da redução na desigualdade de renda é explicada por essas mudanças. Além dessa abordagem, os autores também investigam a contribuição dos graus de discriminação e segmentação no mercado de trabalho em relação ao recente declínio do grau de desigualdade, concluindo que, em conjunto, esses fatores explicam 35% da redução na desigualdade em rendimentos, sendo que a discriminação contribuiu com cerca de 10% e a segmentação com 25%.

Nos trabalhos de Barros et al (2006) e Neri (2006), fica evidente que a distribuição de renda brasileira nos últimos anos tem se tornado menos desigual. Os autores chamam a atenção, que apesar da contínua tendência de queda da desigualdade da renda no Brasil, o quadro ainda é preocupante.

Vale salientar, que no relatório do IPEA (2006), muitos estudos apresentaram resultados semelhantes sobre a queda do grau da desigualdade de renda. Barros et al (2006); Hoffmann (2006) e Soares (2006), entre outros, atribuem parte desse declínio às mudanças na distribuição da renda não derivada do trabalho. A renda não derivada do trabalho é constituída em sua maior parte pelas transferências públicas, as quais são responsáveis em grande parte pelas mudanças ocorridas na renda familiar dos mais pobres entre 2001 e 2005.

Salm (2006) faz uma leitura crítica a respeito do estudo do IPEA (2006). Para o autor, alguns determinantes, como as taxas de inflação, as variações no valor do salário mínimo e na estrutura tributária ou a volatilidade das taxas de crescimento deveriam ser analisadas em conjunto com a educação, os programas de transferências de renda, entre outros. Porém, esses fatores foram omitidos. Assim há uma limitação da base de dados que pode distorcer a distribuição total da renda.

Outro ponto de crítica de Salm (2006) é que os trabalhos não esclarecem o peso de cada determinante na diferença de renda, apenas diz que no período de 2001 a 2004, a renda dos mais pobres aumentou bem mais que a dos ricos. Segundo o autor, os objetivos são limitados, compreendendo um período bastante curto de análise. Nesse caso, teria sido mais substancial investigar a causa da exagerada concentração de renda nos anos 1980, que perdurou um quarto de século, em vez de investigar o fato do coeficiente de Gini ter reduzido apenas 4% no período de três anos.

Ainda segundo Salm (2006), o texto do IPEA (2006) traz a ideia implícita de que, para reduzir pobreza, basta distribuir renda, ignorando o fato de o país crescer ou não, de formar novos postos de trabalhos e de surgir mudanças estruturais que favorecem mais as pessoas pobres que as ricas. Para Salm, essa questão é equivocada, uma vez que a redução da pobreza está associada ao desenvolvimento, incluindo a elevação da produtividade, ao contrário do que diz o estudo. Diante disso, o autor sugere que o crescimento deveria estar no centro da análise da distribuição de renda, uma vez que, a falta de crescimento afeta diretamente os diplomas educacionais, num país tão carente de mão de obra qualificada, em vez de ser simplesmente ignorado.

Assim como Salm, Dedecca (2006) reconhece que o texto do IPEA (2006) apresenta limitações, apesar de considerar sua relevância. Dedecca (2006) considera que a queda da desigualdade de renda e sua continuidade dependerão da retomada do crescimento econômico de maneira a ampliar a produtividade, aumentando as oportunidades, a renda no mercado de trabalho, bem como os recursos que possam fortalecer as políticas públicas essenciais para esse processo.

Além da coletânea do IPEA, destacam-se outros trabalhos que utilizam metodologia semelhante, como a técnica de decomposição para analisar os

principais fatores que levaram a redução da concentração de renda brasileira após 2001. Dentre esses estudos, podem ser mencionados: Soares (2006); Veras, Soares, Medeiros e Osório (2006); Hoffmann e Ney (2008) e Cacciamali e Camillo (2009).

Soares (2006) analisou as causas da redução da desigualdade de renda através da decomposição do Gini, concluindo que o principal fator advém do mercado de trabalho. Apesar disso, destaca que os programas de transferência de renda governamentais representam 25% dessa redução.

Veras, Soares, Medeiros e Osório (2006) analisam a contribuição de determinados programas de transferências de renda para a redução do grau de desigualdade da distribuição de renda no período entre 1995 a 2004. Os autores concluem após a decomposição da desigualdade, que o BPC é responsável por 7% da queda da desigualdade de renda, enquanto o PBF e as aposentadorias e pensões no piso, contribuem com 21% e 32%, respectivamente. Assim, fica evidente que os programas de transferências têm um papel importante na redução da concentração de renda.

Hoffmann e Ney (2008) analisam as principais restrições dos dados da PNAD, Censo Demográfico e do Sistema de Contas Nacionais (SCN) para estudar o quanto eles podem influenciar no diagnóstico da redução da recente queda da desigualdade de renda no Brasil. Os autores destacam as seguintes restrições: o montante intitulado “renda do trabalho” que nas pesquisas domiciliares, além de compreender o pagamento da força de trabalho dos indivíduos mais pobres, também inclui os rendimentos na forma de salários de altos executivos, lucros e juros. Os pesquisadores utilizam a mesma técnica de decomposição de Soares. No período de 1995 a 2006, verificaram que há uma tendência de redução da concentração de renda, com destaque para o período pós-2001, concluindo que a renda do trabalho é o principal componente envolvido com a queda da desigualdade. No entanto, as transferências públicas, como o Programa Bolsa Família também tem sua relevância, contribuindo com cerca de 2% da renda total em 2006, equivalentes a ¼ da redução da desigualdade de renda brasileira.

Cacciamali e Camillo (2009) usaram a mesma metodologia de Soares e Hoffmann e Ney ao analisarem a diminuição do grau de desigualdade de renda entre

2001 e 2006. Conforme o estudo, entre 2001 e 2004, o índice de Gini reduz-se de 0,59 para 0,57. Para essa queda, verificaram que a renda do trabalho foi o fator mais relevante, contribuindo com 74%. Os autores também destacam as transferências públicas como fator coadjuvante ao comportamento do mercado de trabalho.

Embora, o programa Bolsa Família seja considerado arrojado no combate a pobreza, chama-se a atenção para os programas existentes anteriormente, como o Programa Renda Mínima proposta do então, Senador Eduardo Suplicy.