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Renda Mínima como proposta para combater a pobreza no Brasil

No início da década de 1990, verificou-se que o número de pessoas pobres cresceu substancialmente. Em 1980, cerca de 29,5 milhões de pessoas se encontravam em situação de extrema pobreza passando para 39,2 milhões nos anos 1990. Nesse período, ocorreu uma redução da participação da renda nacional dos 50% mais pobres, 14,5% em 1981 para 12% em 1990. Enquanto a renda dos mais pobres diminuiu, a renda da pequena parcela da população mais rica, isto é, 1% da população, aumentou sua participação na renda, passando de 12,1% em 1981 para 13,9% em 1990 (SUPLICY e CURY, 1994, p. 102).

Dentre os instrumentos para resolver o problema da pobreza, havia um que estava em pauta no debate no início dos anos 1990, o Programa Garantia de Renda Mínima (PGRM), elaborado pelo senador Eduardo Suplicy. A proposta foi apresentada ao senado em abril de 1991 como projeto de lei e aprovado em dezembro do mesmo ano.

O PGRM visava atender aproximadamente 38 milhões de brasileiros, com 25 anos de idade ou mais, residentes no país, dos quais muitos não possuíam nenhum tipo de rendimentos, sendo que os beneficiários receberiam, em média, US$ 29 mensais, não ultrapassando o teto máximo de US$ 42. Isto é, uma renda pré-fixada, considerada o mínimo para a subsistência. Desse modo, garantiria às pessoas beneficiárias direito a um imposto de renda negativo, em torno de 30% da diferença entre o valor da renda pré-fixada e a renda do beneficiário. Estimava-se um custo

anual do programa de cerca de 3,5% do PIB brasileiro (SUPLICY e CURY, 1994, p. 104).

Ao propor esse tipo de renda, Suplicy parte do pressuposto de que a riqueza da nação deve ser partilhada por todos, com garantias mínimas de renda para que uma pessoa possa viver com dignidade, uma vez que as oportunidades são bastante desiguais. O programa foi inspirado nas ideias defendidas por vários economistas de diversas correntes de pensamento, como, a modalidade de imposto de renda negativo4.

Assim, para Suplicy (2002), o PGRM se configura como um direito à cidadania para todos os membros de uma sociedade, pois o benefício monetário deve garantir o direito básico do ser humano, que é o direito à vida, com liberdade de escolher como satisfazer suas necessidades, enfim, com justa participação da riqueza socialmente produzida. Nesse sentido, a transferência monetária se constitui um direito universal e não uma caridade.

Segundo Marques (1997), a proposta de renda mínima no Brasil tem abordagem diferente de programas de renda mínima de outros países, principalmente dos países europeus. Enquanto nesses países a renda mínima provém da proteção social e do mercado de trabalho, no Brasil, tem natureza assistencial, garantindo uma renda mínima aos indivíduos que não conseguem auferir uma renda mínima adequada para a sobrevivência. Desse modo, aqueles que não atingissem essa renda, passariam a receber uma renda complementar do Estado.

A partir de 1995, projetos semelhantes ganharam fôlego tanto a nível estadual quanto municipal. Segundo Suplicy (2006), em meados de 1996, projetos semelhantes foram aprovados ou estavam em curso para serem aprovados em 68 municípios e 13 estados do país. Campinas, no início de 1995, foi o município pioneiro a implantar o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima (PGRFM). Para receber o benefício, o indivíduo deveria residir há pelo menos dois anos no

4O imposto de renda negativo foi

proposto por Milton Friedman em seu livro “Capitalismo e Liberdade” (1962), como mecanismo de combate a pobreza. E a ideia de que todos os indivíduos têm direito de usufruir de um bem estar básico e de aproveitar as oportunidades para ter um mínimo de qualidade de vida, defendidos por John Kenneth Galbraith em sua obra “Sociedade Justa”, bem como o papel do Estado como provedor de uma distribuição mais justa de renda. Esses fundamentos estão presentes na proposta de Renda Mínima de Suplicy.

município e seus filhos menores de 14 anos deveriam frequentar a escola e participar de ações de saúde. Para receber tal benefício, o responsável deveria assinar junto à prefeitura um termo de responsabilidade e compromisso, se comprometendo a participar de programas de saúde e manter a frequência escolar dos filhos. De acordo com Marques (1997), houve um afastamento da proposta original de Suplicy. Embora, as ações sejam focalizadas para as famílias com crianças e adolescentes, com objetivo de melhorar a qualidade de vida, PGRM não previa tempo máximo de concessão, bem diferente do programa adotado por Campinas.

Apesar de projetos semelhantes terem sido implementados em diversos municípios brasileiros, o programa sofreu diversas críticas e vários argumentos contrários foram levantados. As principais críticas eram: à falta de transparência na obtenção dos recursos; na dificuldade de se conseguir uma fiscalização mais adequada para verificar o cumprimento das exigências; abandono do trabalho por parte do beneficiário, pois alguns defendiam que o fornecimento de renda para os indivíduos que não trabalhavam acabava por desestimular sua procura por trabalho. Ainda segundo Marques (1997), embora se discuta os problemas da desigualdade de renda, o projeto de renda mínima não se diferencia das políticas tradicionais de proteção social. Assim, no campo assistencial se configura como uma política compensatória, sem modificar o cenário socioeconômico do país. No entanto, isso não afeta o caráter da proposta, pois garante um mínimo de renda para que o indivíduo viva com dignidade.

Vale salientar que esse trabalho aborda o Programa de Garantia de Renda Mínima por se tratar da primeira iniciativa de transferência de renda no Brasil, considerado como modelo para a elaboração do Programa Bolsa Família5.