• Nenhum resultado encontrado

A questão da dimensão atual da indústria de defesa nacional

1.1. Contextualização da indústria de defesa brasileira (IDB)

1.1.4. A questão da dimensão atual da indústria de defesa nacional

Atualmente, o Brasil ocupa o oitavo lugar na exportação de produtos de defesa. No entanto, esse percentual é relativamente pequeno quando comparado com o dos EUA, que detêm quase 50% do mercado mundial. O Brasil destaca-se, também, em termos de importações, posicionando-se entre os 15 maiores compradores de material de defesa. França, Inglaterra e EUA são seus principais fornecedores, sobretudo, de sistemas tecnologicamente avançados (BMI, 2008).

A indústria de defesa, quando comparada a outros setores, apresenta elevados índices de tecnologia incorporada aos bens produzidos e serviços ofertados. Ela supera segmentos reconhecidamente importantes econômica e socialmente, como o automotivo, que apresenta uma cadeia produtiva extensa com grande capacidade de absorção de mão de obra qualificada.

VALOR AGREGADO

Segmento US$/kg

Mineração (ferro) 0.02

Agrícola 0.30

Aço, celulose etc. 0.30 – 0.80

Automotivo 10.00

Eletrônico (áudio, vídeo) 100.00

Defesa (foguetes) 200.00

Aeronáutico (aviões) 1,000.00

Defesa (mísseis)/tel. celulares 2,000.00

Aeronáutica (aviões militares) 2,000.00 – 8,000.00

Espaço (satélites) 50,000.00

Tabela 1 − Valor agregado ao produto por segmento industrial

Fonte: Tecnologia & Defesa (2008).

Nota: dados da Associação das Indústrias Aeroespaciais Brasileiras (AIAB).

Dois processos estão intimamente relacionados à indústria de materiais e serviços de defesa. Eles aproximam este setor do universo da indústria civil e dão maior legitimidade ao

investimento governamental. O primeiro refere-se ao desenvolvimento de artigos duais,14 cuja conotação é a de um item com aplicação tanto militar quanto civil. O segundo, entretanto, compreende a transferência de tecnologia de bens desenvolvidos especificamente para fins militares para emprego no meio civil, processo conhecido como spin-off.15

Os artigos duais passaram a ser o foco de políticas governamentais para o desenvolvimento do setor, onde países como EUA, Inglaterra e Rússia priorizavam esse tipo de tecnologia como forma de reduzir os custos e redundâncias na rede produtiva, principalmente, após o término da Guerra Fria. O Brasil, formalmente, prioriza o emprego de tecnologias duais, como amplamente estabelecido em sua Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2008).

O próprio trabalho da EMBRAER, que eu conheço melhor no caso da Força Aérea, nós temos exemplos de alguns produtos desenvolvidos para

aplicação puramente civil e que passaram para o lado militar, quer dizer,

houve uma inversão de processo. E produtos militares que passaram para o setor civil – reconhecimento de todos os envolvidos e criados a partir de contratos firmados pelas Forças Armadas. O grande exemplo disso hoje no mundo é os Estados Unidos, que têm isso em escala absolutamente diferenciada em relação a diferentes países. (SILVA, 2009, grifo nosso)

Um exemplo dessa aproximação entre a produção civil e a militar é a aeronave EMB- AEW&C, desenvolvida a partir da plataforma comercial do ERJ-145. Destaca-se que, naturalmente, os ganhos são enormes em termos de economia de escala e de conhecimento técnico. Existem mais de 900 ERJs entregues a diversas companhias aéreas, resultando em considerável economia no custo das peças e serviços para manutenção (EMBRAER, 2010).

Figura 1 − ERJ-145 (comercial) e EMB-AEW&C (militar)

Fonte: EMBRAER (2010).

14 O termo dual surgiu em 1948, quando a demarcação da Guerra Fria estava se tornando mais rigorosa. Os

EUA negociavam com seus aliados da Europa e o Japão formas de controlar a exportação de artigos com potencial aplicação militar. A formalização de acordos para armamentos não representava problema; contudo, a negociação de produtos duais resultava em divergências constantes (REPPY, 1999, p. 269).

15São inúmeros os exemplos de tecnologias militares que passaram a fazer parte do cotidiano civil. A internet

(CASTELLS, 2005. p. 26), projeto da Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA), órgão do Departamento de Defesa (DoD) dos EUA, é uma evolução de sua versão militar. Processo semelhante ocorreu com o Global Positioning Satellite (GPS), que tem emprego militar e civil (SILVA, 2009), e com a tecnologia de identificação por rádio-frequência (RFID), que evoluiu a partir do Identification Friend and Foe (IFF), criado pelos ingleses para distinguir as aeronaves amigas das inimigas durante a II Guerra Mundial.

A real dimensão da indústria de defesa nacional ainda não parece estar bem definida. O próprio desempenho dessa indústria tem sido objeto de controvérsias. Há estimativas conflitantes em termos de produção e de exportações, de absorção de mão de obra e de investimento em pesquisa e desenvolvimento. Conca (1997, p. 259) explica que devido ao sigilo em suas atividades, informações públicas acabaram severamente comprometidas.

As informações a seguir refletem os dados apresentados por Conca (1997) sobre o setor. A partir de projeções de diferentes autores, ele apresenta uma estimativa mais consistente com os dados apresentados, por exemplo, por Carlos A. P. Gambôa16 (2009b) e pelo BMI (2008) em termos de composição do setor e absorção de mão-de-obra qualificada.

¾ Pesquisa e Desenvolvimento (P&D):

9 15%-20% recursos destinados a P&D – US$ 300 milhões/US$ 400 milhões; 9 17.500 engenheiros e técnicos (1.500 da Marinha, 6.000-6.500 da Aeronáutica e 10.000 do Exército).

¾ Número de firmas no setor:

9 Conca (1997) afirma que, de um modo geral, consta que o setor seja composto por cerca de 300 a 350 firmas. No entanto, outras estimativas17 apontam para um

número entre 100 e 150 firmas, das quais somente 50 estariam voltadas exclusivamente à defesa.

¾ Emprego:

9 nesse parâmetro, Conca (1997) demonstra a dificuldade de dimensionar o segmento com exatidão. Ele apresenta estimativas que vão de 30.000 (principais firmas somente) a 200.000 empregos. Conclui sua estimativa apresentando um estudo de Saraiva (1989) que quantifica o setor como responsável por 50.000 empregos (empresas de primeiro e segundo níveis).

De acordo com a ABIMDE (2008), o setor industrial brasileiro é composto por cerca de 300 empresas, das quais apenas 25 são exportadoras. Elas responderiam por cerca de 5.000

16 Vice-presidente executivo da ABIMDE – Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e

Segurança.

empregos diretos e 30.000 indiretos. O Business Monitor International (2008), não obstante, estima que a indústria de defesa seja um pouco maior, envolvendo cerca de 350 empresas.18

A dificuldade em dimensionar precisamente a base industrial de defesa decorre das diferentes conotações que o termo pode assumir, variando muito a gama de produtos abarcados pelo conceito. A abrangência do termo varia consideravelmente em termos da complexidade dos artigos produzidos, compreendendo desde avançados sistema de armas de grande porte, cujos custos de produção são extremamente elevados, até armas pequenas e de baixo custo. Há, inclusive, uma série de outras commodities também consumidas pelos militares (DUNNE, 1995, p. 402).

QUANTIDADE DE EMPRESAS NACIONAIS CONTRATADAS

2006 2007 2008

Força Aérea Brasileira 1.443 1.980 2.073

Exército Brasileiro 2.932 3.673 4.065

Marinha do Brasil 3.366 4.751 4.887

Total 7.741 10.404 11.025

Tabela 2 − Contratações efetuadas pelas Forças Armadas (2006-2008)

Fonte: Departamento da indústria de defesa (COMDEFESA) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP-COMDEFESA, 2009).

Nota: dados da Secretaria de Logística e Mobilização do Ministério da Defesa apresentados em palestra da FIESP sobre a indústria de defesa nacional.

Se os dados não forem criticados, podem ser confundidas empresas estratégicas com organizações que produzem materiais de uso regular, como de higiene, limpeza, papelaria, construção; também adquiridos pelas Forças Armadas. Os dados apresentados na tabela 2 demonstram que as Forças Armadas interagem com um universo bem mais amplo de empresas para aquisição de materiais e serviços. Nem todas as empresas contratadas são produtoras de armamentos ou de sistemas de armas, comprovando que os relacionamentos transcendem a base produtiva de materiais de uso exclusivo em defesa.19

Entre as empresas estratégicas, o segmento aéreo brasileiro permanece como o de maior projeção, onde a EMBRAER desponta como a terceira maior exportadora nacional (SECEX, 2010) e uma das maiores fabricantes globais de aeronaves. Um desempenho similar

18 De acordo com Schwan-Baird (1997, p. 1), em 1980, existiam cerca de 350 empresas envolvidas na produção

de armamentos.

19 Produtos estratégicos de defesa são bens e serviços que pelas peculiaridades de obtenção, produção,

distribuição, armazenagem, manutenção ou emprego possam comprometer, direta ou indiretamente, o alcance de objetivos relacionados à segurança ou à defesa do país (BRASIL, 2005a).

não é observado pela indústria naval, onde a tecnologia é, em sua maior parte, importada (BMI, 2008).

Já existem algumas iniciativas para melhor compreender o setor. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), por exemplo, lançou um edital com esse propósito. No corrente ano, foi publicado o convite 01/2010, cujo título é Indústria de Defesa, pelo qual se pretende conseguir um diagnóstico da base instalada de empresas do complexo industrial de defesa brasileiro (ABDI, 2010). As associações e federações industriais são fontes indispensáveis de informação, devido ao contato frequente com suas associadas, e podem contribuir para que se disponha de mais dados sobre o setor.

No que se refere a este estudo, as informações apresentadas sobre a indústria de defesa são ampliadas pela análise dos dados coletadas na pesquisa de campo. São explorados, também, os aspectos estruturais e os recursos mais importantes para a base industrial de defesa. Da comparação com os EUA emergem insights surpreendentes que, sem dúvida, levantam questionamentos quanto à necessidade de maior atenção ao setor por todos os agentes envolvidos, principalmente, pelo Governo20.

Documentos relacionados