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3. ANÁLISE DOS DADOS

3.2. Benchmarking com os EUA

3.2.2. Controle e regulação setorial

A posição de liderança dos EUA requer estruturas governamentais eficazes e integradas, as quais têm suas atividades regidas por programas de fomento industrial e por políticas de supervisão setorial. Fundamentalmente, o controle de artigos militares recebe atenção especial do governo daquele país com três objetivos bem definidos:

• assegurar que, prioritariamente, recursos escassos sejam destinados à indústria doméstica,

• que a produção de tais artigos seja complementar à política externa; e

• restringir o acesso a novas tecnologias e artigos, bem como aos meios para o desenvolvimento destes.

O Export Control Act (ECA)44 era uma legislação de controle sobre os artigos com

potencial aplicação militar. Após muitas reedições e algumas alterações, foi completamente substituída pelo Export Administration Act (EAA), de 1979. Este dispositivo legal foi integralmente regulado pelo Export Administration Regulations (EAR), que compreende a

Commerce Control List (CCL), com cerca de 2.400 itens classificados como de aplicação dual e restrição a ser observada (CSR, 2008).

O Arms Export Control Act (AECA), que substituiu o Battle Act, de 1954, é a legislação norte-americana mais importante para o controle específico da exportação de artigos militares, tendo sido regulamentado pelo International Trade in Arms Regulations (ITAR), que contém a United States Munitions List (USML), com a relação dos itens a serem controlados. O comércio internacional de produtos de uso militar é supervisionado pelo Departamento de Estado (DOS) e os artigos com aplicação dual, pelo Departamento de Comércio (DoC). O Departamento de Defesa tem responsabilidade consultiva sobre os itens que figuram nas duas listas e poder de decisão na concessão de licenças (REPPY, 1999, p. 271).

Nos EUA, o Buy American Act também contribui sobremaneira para o fortalecimento industrial por privilegiar a aquisição de produtos manufaturados e produzidos no país. Essa legislação é regulamentada pela Federal Acquisition Regulation (FAR), que favorece, em geral, os artigos classificados como produto final americano45 nas aquisições efetuadas por organizações públicas. Em seu artigo 25.105, são definidos os percentuais que devam incidir sobre os produtos estrangeiros para efeito de cálculo do preço razoável de aquisição e comparação com as propostas de empresas norte-americanas. Basicamente, são adicionados, pelo menos, 6% de sobretaxa à menor proposta estrangeiras para efeito de comparação com a melhor proposta nacional (GSA; DOD; NASA, 2009).

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Legislação americana que norteia a exportação de artigos de uso dual. O Coordinating Commitee for

Multilateral Export Controls (CoCom), criado em 1949, ampliou esse conceito para a esfera global, controlando a exportação de produtos com potencial aplicação militar entre os países aliados da OTAN (CRS, 2008, p. 6; REPPY, 1999, p. 272). Com o fim da Guerra Fria, sem um inimigo bem definido, países europeus perderam o interesse pelo controle de itens de aplicação dual. Em abril de 1994, o CoCom foi dissolvido, sem outra organização que o imediatamente substituísse. Somente em 1997, foi estabelecido o Wassenaar Arrangement para regular o comércio internacional de produtos militares, contudo, sem capacidade de bloqueio transacional pelos signatários ou definição de países com os quais o comércio seria proibitivo (CRS, 2008, p. 5).

45O produto final americano é definido por dois parâmetros. De acordo com o Buy American Act, o item deve

ser manufaturado nos EUA e o custo dos componentes domésticos tem que ser superior a 50% de todos os componentes. Para os acordos de comércio internacional dos quais os EUA são signatários, são observados outros parâmetros (EUA, 2005b).

[...] o Presidente Roosevelt lançou a ideia do Buy American Act em 1932. A lei é de 1933. Ele lançou e disse que não pode ser dada a autorização para o governo trocar dólar do contribuinte norte-americano por moeda estrangeira para gerar emprego fora dos Estados Unidos. Ele estava dizendo claramente o seguinte, que o poder de compra governamental tem que ser utilizado para criar propostas e soluções para o desenvolvimento nacional, o desenvolvimento econômico nacional. Veja hoje, a situação em que nós estamos. Eu não sei se você sabe, mas o maior importador de nosso país é o governo, saúde, educação, transporte, Forças Armadas, tudo isso. Quer dizer, usando de uma forma que o presidente Roosevelt colocou sob uma ótica crítica e que foi consagrado pelo Buy American Act. (SILVA, 2009)

As aquisições de produtos de defesa são regulamentadas pelo Defense Federal

Acquisition Regulation (DFAR). Ele estabelece um percentual ainda mais restritivo que o definido pelo FAR: em geral, 50% de acréscimo às propostas estrangeiras para artigos com aplicação militar (DOD, 2008a). Os parâmetros definidos pelo DFAR aplicam-se também ao programa Foreign Military Sales (FMS). Portanto, recursos de países que utilizam esse programa são também canalizados para promoção e manutenção da indústria norte-americana.

Apesar do Buy American Act ser um dispositivo muito antigo, existe proposta legislativa para reforçar seus princípios e até ampliar sua abrangência (FEINGOLD, 2003). O

Buy American Improvement Act, de fevereiro de 2005, aumenta as restrições para quando o mercado interno não forneça determinado item: inicialmente, deverá ser verificada a capacidade de se produzir item semelhante ou compatível, antes de prosseguir a contratação. Produtos duais passariam então a receber atenção especial, em relação aos quais os órgãos norte-americanos seriam totalmente privados de participarem de contratações que pudessem facilitar a produção por entidades estrangeiras de itens sensíveis relacionados na Commerce

Control List (EUA, 2005a).

A estrutura e a legislação brasileiras apresentam algumas semelhanças com o que ocorre nos EUA. O país conta com dispositivos próprios para controle do comércio de artigos com potencial aplicação militar e órgãos designados para exercer essa supervisão. Silva (2009) aponta a Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar (PNEMEM) como um desses dispositivos, que atuava no sentido de definir o que podia ou não ser exportado. Ele ressalta que os EUA fazem uso desse tipo de dispositivo legal exemplarmente, considerando seus artigos sujeitos a controle específico como material classificado.

Então, o governo dos Estados Unidos, legalmente, obriga as companhias a se subordinarem a essa política. Evidentemente, há contrapartida para a empresa que é impedida de vender seu produto para quem quiser postular do governo que cubra o prejuízo que isso possa causar em sua capacidade de sobrevivência. Se nós tivermos uma indústria de defesa avançada, nós

teremos que nos subordinar a isso. Recentemente, por exemplo, Hugo Chaves queria comprar o Super Tucano. Quem vetou a venda foi os Estados Unidos, porque o nosso avião tem equipamentos militares americanos. Então, o Departamento de Estado Norte-Americano vetou, de modo que isso é considerado lícito nos países, de um modo geral, que têm as suas políticas (SILVA, 2009).

O PNEMEM esteve em vigor de 1974 a 1991, quando a indústria de defesa brasileira estava para consolidar-se como uma das 10 maiores em nível global (AVILA, 2009). Nesse sentido, o ex-ministro de Estado das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia (1995), ressalta que a exportação de material de emprego tem uma dimensão fundamental do ponto de vista da política externa e das relações com os parceiros do Brasil. Segundo ele, os controles da PNEMEM foram concebidos, entre outros objetivos, para:

9 garantir suprimentos prioritários às Forças Armadas brasileiras;

9 favorecer o desenvolvimento tecnológico e a redução dos custos da produção interna de material de emprego militar (MEM), com o aumento da escala de produção das empresas brasileiras fornecedoras;

9 obter vantagens comerciais e industriais intrínsecas às vendas externas de MEM; 9 assegurar o cumprimento dos embargos de vendas de material militar com os quais o Brasil tenha se comprometido perante organismos internacionais ou que tenha decidido aplicar unilateralmente; e

9 evitar vendas a países envolvidos em conflitos externos ou internos, que não observassem o princípio de não intervenção ou que fossem responsáveis por um desequilíbrio militar em sua região.

Portanto, havia relativa similaridade com os controles do PNEMEM. Legislação que era dirigida em conjunto pelo Itamaraty e pela secretaria-geral do Conselho de Segurança Nacional (AVILA, 2009). A Lei no 9.112, de 10 de outubro de 1995 − outro exemplo de ativo controle sobre o setor − dispõe sobre a exportação de bens sensíveis e serviços diretamente vinculados. Ela é parcialmente regulamentada pelo Decreto no 1.861, de 12 de abril de 1996, que normatiza a exportação de bens sensíveis e serviços vinculados de natureza nuclear, e pelo Decreto no 4.214, de 30 de abril de 2002, que define a competência da Comissão Interministerial de Controle de Exportação de Bens Sensíveis.

A Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército Brasileiro é o órgão responsável pela fiscalização das atividades de fabricação, utilização, exportação, despacho alfandegário, tráfego, comércio e concessão das licenças para importação e

exportação de produtos com aplicação militar, em sua esfera de competência. (BRASIL, 2000).

A diferença mais importante, sem dúvida, são as imposições do Buy American Act, que inviabilizam a competição entre empresas domésticas e competidores internacionais. Se nos EUA as ofertas de empresas estrangeiras são sobretaxadas para efeito de análise e comparação de suas propostas com as demais ofertas − criando uma situação de competição desigual, favorável à indústria norte-americana −, no Brasil, enquanto as aquisições efetuadas pelas Forças Armadas são isentas de impostos de importação, as empresas nacionais são obrigados a cumprir com seus compromissos tributários.

Essa carga tributária excessiva representa mais uma das enormes dificuldades enfrentadas pela indústria nacional e merece ser revista, com a criação de uma política especial para a indústria nacional de material de defesa, tão importante para a soberania e autodeterminação do Brasil. Buscar-se-ia, com isso, a equiparação da incidência tributária com aquela praticada pelo mercado externo, uma vez que um produto adquirido no exterior custa às Forças Armadas aproximadamente 42% (quarenta e dois por cento) menos que o mesmo material produzido pelas indústrias nacionais. (CÂNDIDO, 2005, p. 60)

Há, portanto, uma situação mais favorável às empresas estrangeiras, cujos produtos apresentam preços bastante competitivos. O equilibro da equação requer não apenas que a indústria nacional de defesa seja isenta de tributação, mas também que sejam aplicados dispositivos legais semelhantes ao Buy American Act, para que haja igualdade em relação ao praticado nos EUA.

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