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4. Apresentação dos Resultados: um olhar descritivo

4.1 Da concepção à constituição da Cooperlírios

4.1.1 A questão da salubridade: a organização do galpão

Pela primeira vez, Prefeitura e catadores encontraram-se para debates acerca das atividades dos últimos no bairro. A percepção manifestada era a de que tanto a Prefeitura quanto os catadores não tinham ao certo o que pretendiam de início. Havia, apenas, a intenção clara de “equacionamento da questão” pela Prefeitura e certo receio dos catadores com a real política a ser implementada para eles a partir dali.

Nessas primeiras assembléias, a média de participantes foi de cerca de 50 indivíduos, a maioria de catadores. O número, até que expressivo para atividades políticas e comunitárias dessa natureza, deveu-se, em grande parte, ao trabalho da Prefeitura de convocação porta a porta dos catadores. Um trabalho que permitiu ao poder público não apenas cadastrá-los, mas também incentivar sua participação.

As primeiras assembléias foram caracterizadas pelo estreitamento do diálogo entre as partes. A intenção principal da Prefeitura era a de trocar experiências e conhecer quem eram

esses catadores e qual a dinâmica de suas atividades, ou seja, informar-se para propor uma saída viável para sua organização.

Dadas as poucas iniciativas e experiências desse tipo de diálogo do setor público brasileiro com sua comunidade mais próxima, somado, ainda, à inércia da baixa participação política dos brasileiros nesse tipo de processo, as primeiras reuniões realizadas não obtiveram a atenção e a consideração política inicial pelos catadores. Conforme relato de uma catadora, essas primeiras reuniões foram boas para eles, pois “tinha lanche e eles davam almoço”. A fala sincera, em referência direta à relevância das assembléias ocorrer, primeiramente, ao lanche e não ao objetivo político, apresenta dois pontos importantes de análise. O primeiro, da corroboração de que a população que sobrevive da coleta de materiais recicláveis e reutilizáveis está em situação social de risco, abaixo da linha da pobreza na maioria das vezes (BNDES, 2006). A existência de um lanche gratuito fornecido pelo Estado, seja em qual âmbito for (federal, estadual ou municipal), acabou por tornar-se atrativo para aqueles que não possuíam condições de ter todas suas refeições no dia. Já o segundo ponto trata da questão do estranhamento no início do diálogo entre a Prefeitura e os catadores. Tendo em vista que a convocação dos catadores partiu da Prefeitura, os primeiros diálogos foram caracterizados como distantes, pouco entrosados. Como em todo “assembleísmo”, há um tempo para maturar a interação e as discussões serem mais participativas e, principalmente, propositivas.

Após as primeiras assembléias, o estreitamento de laços entre a Prefeitura e os catadores começou a se desenvolver. Foi possível, por exemplo, discutir com maior propriedade a dinâmica dos catadores no cotidiano da atividade de coleta de materiais reciclável e reutilizável nos lixos das casas da cidade. O primeiro resultado prático desse alinhamento ocorreu pela instrução elaborada pela Prefeitura para aperfeiçoamento dos trabalhos dos catadores na rua. Instrutores da GAMA – Guarda Armada Municipal de Americana proferiram palestras, apresentando os cuidados que os catadores deveriam tomar

quando do exercício de seus trabalhos pela cidade – questões de trânsito e segurança, diplomando ao final do curso todos os participantes.

A primeira maturação desse processo de discussão comunitária do trabalho de coleta de materiais recicláveis e reutilizados ocorreu quando se começou a discutir, pela primeira vez, intervenção e projeto mais concreto. A Prefeitura começou a desenvolver e a esboçar uma ação integrada para equacionar a problemática, a qual, por questões de renda, visava manter as atividades dos catadores, ao mesmo tempo em que fosse possível retirar a armazenagem dos materiais coletados de suas casas, tendo em vista a questão da salubridade do bairro. Durante as discussões de concepção desse projeto, surgiram as seguintes indagações e idéias, conforme relata o vereador Kim:

(...) na época nós estávamos lá, construindo um barracão que seria para abrigar uma fábrica de tijolos que a gente já fez em outros bairros, que é uma fabriquinha comunitária, pra que o pessoal pudesse fabricar o tijolo para ampliar sua moradia. Enfim... Só que essa questão da reciclagem passou a despontar como uma prioridade naquele momento, porque a sobrevivência, o trabalho e a renda são fundamentais. Não dá pra você pensar em moradia se a pessoa não tiver condições de ter rendimentos pra pagar sequer a prestação da sua casa ou a conta de água ou de luz, enfim, o trabalho e renda são fundamentais pra questão social, né? Aliás, essas pessoas só estão em condições precárias de moradia porque elas não tiveram a oportunidade de ter um rendimento suficiente pra ter algo melhor, e então nós começamos a aprofundar essa discussão e chegamos a uma saída, que seria uma central de triagem, né? Agora, como ter essa central de triagem que todo mundo que já trabalhasse com aquilo poderia utilizar do espaço pra fazer o seu ganha pão, né?! Sem ter a necessidade de ter que fazer isso dentro da sua casa, né?

De acordo com o relato do vereador, a primeira idéia que norteou uma ação concreta foi a de utilização do espaço da olaria comunitária construída para fornecer tijolos aos mutirões das casas populares como um galpão de reciclagem que abrigasse esses catadores. Essa ação visava garantir a manutenção da atividade econômica no local, permitindo que ela fosse executada de modo mais organizado. Os catadores exerceriam suas coletas normalmente pela cidade e teriam, à disposição, um galpão para armazenagem e seleção de seus materiais.

Num primeiro momento, a utilização do espaço da olaria como galpão foi muito bem aceita pelos catadores.

A gente catava na rua e guardava aqui [galpão]. Cada um pesava seu material e guardava. Então passava o caminhão e levava o seu material (Turim).

Com a instalação e a dinâmica de utilização do galpão, observou-se, inclusive, certa migração de atividades. A existência de espaço público para exploração de atividades privadas pelos indivíduos que exerciam a coleta de materiais recicláveis e reutilizáveis, deslocou a grande maioria dos catadores locais para esse espaço, incentivando o surgimento de “novos” catadores – indivíduos desempregados que vislumbraram, nesse momento, relativa oportunidade de trabalho para geração de renda. Como relatou Turim, “todo mundo queria participar desse projeto que o Kim fez”.

Aos poucos, a dinâmica de uso do galpão gerou um ponto de conflito organizacional, principalmente, com relação aos pagamentos.

Como ia sê a forma de pagamento? Porque tinha pessoas que queria o dinheiro todos os dia. Veio aqui, catô na rua, que nem geralmente é agora, que as pessoas faiz. Cata na rua e já pega, já vende, já recebe, já passa no mercado, já compra... (Turim).

Esse processo de conflito organizacional sobre como ocorreria a forma de pagamento da venda dos materiais selecionados e armazenados pelos catadores no galpão implicou a retomada de algumas assembléias. Pautados pelas experiências visitadas em outras cidades da região, a Prefeitura optou como sugestão de superação desse problema, bem como para organizar todas as atividades dos catadores, colocar em pauta a possibilidade de transformação do galpão em organização cooperativa.