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Cooperativismo e o Cooperativismo Popular: releituras para um novo cooperativismo

2. Cooperativismo: filosofia e práxis

2.5 Cooperativismo e o Cooperativismo Popular: releituras para um novo cooperativismo

as ações da Economia Solidária como forma de resgatar os indivíduos da marginalidade e da exclusão do mercado de trabalho e de consumo.

2.5 Cooperativismo e o Cooperativismo Popular: releituras para um novo cooperativismo

Passadas as Revoluções Industriais e Tecnológicas, o debate sobre a organização coletiva do trabalho no mundo hodierno ganha novos rumos no final do século XX e início do século XXI. Como já analisado nos itens Fenômeno arraigado como Questão Social e Owen e

os Pioneiros de Rochdale: as origens do cooperativismo, o primado da organização coletiva

do trabalho está na alternativa de reação dos trabalhadores a sua exploração desenfreada no processo abrupto de consolidação do capitalismo industrial, sendo o cooperativismo o seu principal expoente. Pela perspectiva teórica e prática na época do surgimento da organização coletiva do trabalho, pode-se dizer que o debate se travava entre revolucionários e reformistas. Pelo lado revolucionário, alguns precursores e algumas experiências defendiam a organização coletiva do trabalho como meio real para revolução socialista. O que colocaria, definitivamente, um fim na organização do capital (MARX, 1985). Já os reformistas observavam na organização coletiva do trabalho nova forma de inserção no capitalismo, que adere ao capital, porém o faz de maneira e lógica reformadas, excluindo-se a segregação proprietário versus trabalhadores, colocando o trabalho e o indivíduo como foco.

Do novo rumo que o debate contemporâneo da organização coletiva do trabalho trilhou, observam-se dois importantes desdobramentos do primado do debate entre revolucionários e reformistas para reflexão contemporânea. O primeiro: não importa qual a vertente (revolucionária ou reformista), a organização coletiva do trabalho, por meio das cooperativas, tornou-se um movimento de relativo peso, sendo incorporado pela Economia Social, num primeiro momento, e, posteriormente, pela Economia Solidária, como se constatou na história e análise do item Economia Solidária no Brasil. O segundo se encontra no fato de que, fracassado o modelo soviético e dado o fim de algumas experiências de peso, como a iugoslava, a vertente predominantemente adotada para fundamentar o pressuposto do movimento contemporâneo é a reformista.

Como se observa no discurso da Economia Social, a ação para organização coletiva do trabalho por meio de cooperativas, antes de uma tomada de consciência para a revolução socialista, trata-se, fundamentalmente, de uma alternativa prática para crise da sociedade salarial. O movimento, atualmente, adquire ação política de inclusão no mundo do trabalho, em nova fase de desenvolvimento do capitalismo. Nesse sentido, as cooperativas são resposta prática e eficaz para equilibrar o cenário de desemprego, perda de diretos sociais e enfraquecimento do movimento sindical.

Entretanto, a Economia Social nem sempre atinge com eficiência e eficácia seus fins de promoção da inserção no mercado de trabalho por meio de cooperativas democráticas. Apesar de ser uma proposta relativamente sólida de base teórica e legal, o que se analisa é que o devir histórico do capitalismo se mostrou com grande força motriz de re-significação da prática cooperativista. Observa-se na atualidade, e não de modo residual, grande deturpação do modelo cooperativista. Mais do que nunca, como destacou Lima (2004), constata-se, empiricamente, a “tese da degenerescência das cooperativas” de Webb e Webb (1914). Nessa tese, os Webb argumentaram que o sucesso econômico das cooperativas dar-se-ia pela

eliminação da democracia autogestionária e sua transformação em empresas capitalistas comuns, ou seja, as cooperativas terminariam por sucumbir às necessidades empresariais, transformando-se em associações capitalistas para incorporação de lucro e contratação de mão-de-obra assalariada. Como corroboram vários autores (FRANÇA FILHO, 2002; LIMA, 2004), com o passar do tempo, o cooperativismo começou a ser lentamente absorvido pela economia de mercado, deixando de reformar para assumir sua respectiva lógica, destituindo- se com isso de seus principais fins. Tornam-se apenas empresas comuns, ou ainda, como argumenta Lima (2004, p.46), dadas “a reestruturação produtiva e a formação das redes empresariais, as cooperativas, embora não necessariamente se transformem em empresas comuns, podem terminar integrando redes como parceiras terceirizadas numa relação assimétrica, oferecendo força de trabalho a baixo custo e apenas quando necessário”.

Nesse cenário, a máxima popular marxiana de que “tudo que é sólido se desmancha no ar” corre o risco de ser empregada com propriedade ao cooperativismo. Deve-se, portanto, separar do movimento as cooperativas que se tornaram linha auxiliar do capital, conhecidas como cooperfraudes ou coopergatos, daquelas que assumem seus princípios de caráter democrático, autogestionário e solidário.

Lima (2004) apresenta duas definições interessantes para mapear esse contexto na realidade brasileira. A primeira são as cooperativas pragmáticas. Nessa categoria, estão incluídas as cooperfraudes/coopergatos, ou seja, as cooperativas terceirizadas de empresas e que, em geral, foram organizadas por empresas, somando-se a elas também as cooperativas que integram programas estatais de geração de renda, porém, desvinculadas dos princípios do movimento cooperativista. A segunda são as cooperativas defensivas que incluem as cooperativas formadas por trabalhadores para assumir massa falida de empresas em situação falimentar ou as formadas por programas governamentais de geração de renda para populações pobres. Lima (2004) destaca que ambas as categorias, pragmática e defensiva, são

dependentes de certa maneira. Para sua respectiva sobrevivência, apóiam-se em redes empresariais e órgãos públicos (pragmáticas) e em órgãos públicos de fomento e instituições da sociedade civil (defensivas).

As categorias pragmática e defensiva apresentadas por Lima (2004) também podem ser idealmente encontradas em outros autores do cooperativismo. Singer (2003), por exemplo, analisa o mesmo contexto, destacando dois tipos de cooperativas: as capitalistas e as autênticas. De acordo com o autor, as capitalistas são as cooperativas de visão essencialmente empresarial, na qual só a dimensão econômica está presente. Sendo as autênticas as cooperativas que seguem os princípios doutrinários do movimento: da igualdade, solidariedade e democracia.

Fica claro que a Economia Social passa, na contemporaneidade brasileira e mundial, por profunda re-significação, senão crise, de seus pressupostos. A dicotomia pragmática/defensiva ou capitalista/autêntica é a evidência de um processo no qual o movimento já fora, em certa medida, absorvido pelo sistema capitalista, como bem apontara os Webb (1914). Entretanto, a essência do movimento ainda existe e está concentrada na categoria defensiva (LIMA, 2004) e autêntica (SINGER, 2003). Essa preservação do pressuposto e ideal da Economia Social, expressa por meio do cooperativismo, pode ser encontrada na releitura dessa categoria na realidade socioeconômica brasileira, que ocorre por meio da construção do discurso da Economia Solidária.

A Economia Solidária, como analisado nos respectivos itens do Por uma arqueologia

genealógica da Economia Solidária, funda novo cooperativismo. Suas ações são pautadas nos

empreendimentos solidários, os quais, como apontou Gaiger (1996; 2003), possuem como principais características: autogestão; democracia; participação; igualitarismo; cooperação; auto-sustentação; desenvolvimento humano e responsabilidade social. Nesse sentido, o empreendimento solidário, em essência, manifesta-se por meio de cooperativas enquanto

forma, respeitando seus pressupostos, porém enquanto prática adquire um novo papel. No “novo cooperativismo” expressado pela Economia Solidária, as iniciativas, agora, são locais, de utilidade pública e voltadas, principalmente, para o estabelecimento de liame social, com vistas à inclusão promotora do desenvolvimento socioeconômico (FRANÇA FILHO, 2002; NASCIMENTO, 2004). Essa nova direção do cooperativismo, conceitualmente, adquiriu o

status de popular. O cooperativismo popular, como expressão da Economia Solidária, busca

resgate dos pressupostos do movimento cooperativista clássico com objetivo de promover desenvolvimento local para a inclusão de camada de baixa renda.

O termo popular, ao ser vinculado ao cooperativismo, denota, imediatamente, a utilização do cooperativismo como forma utilizada para melhoria de uma “classe excluída”, “menos favorecida”, em suma, mais “pobre”. Tratam-se, portanto, de empreendimentos que, como analisou Singer (2003), nascem de iniciativas governamentais ou da sociedade civil (igrejas, universidades etc.) e possuem fortemente destacadas as dimensões econômicas, sociais e políticas.