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1. Por uma arqueologia genealógica da Economia Solidária

1.3 Economia Solidária no Brasil

Lechat (2002) destaca que os empreendimentos de Economia Social (cooperativas, mutualidade e associações) surgem geralmente em cachos, tomados pelo impulso de

dinâmicas socioeconômicas fruto de grande crise econômica. Considerando que as crises não são idênticas e os atores e promotores também não o são, pode-se observar que há diversas ondas de Economia Social com personalidades diversas (LECHAT, 2002).

Na Europa, berço do movimento que deu origem à Economia Social (WAUTIER, 2004), Lechat (2002) identifica três momentos de explosão reativa de iniciativas de organização coletiva do trabalho a crises: a primeira, nos anos 1830 e 1840 do século XIX, quando o trabalho corporativo passou a ser concorrencial, promovendo o nascimento de sociedades de socorro mútuo, cooperativas de produção e balcões alimentícios; a segunda, nos anos 1873-1895, que, pela modernização e investimentos na agricultura e recursos naturais, relegaram aos pequenos produtores as cooperativas agrícolas e de crédito como meios de sobrevivência; e, a terceira, nos anos 1929-1932, a qual provocou uma crise da regulação concorrencial e capitalista, levando à necessidade de intervenção estatal nas políticas econômicas e sociais.

No Brasil, pode-se dizer que os empreendimentos de Economia Social, principalmente do sistema cooperativista, obtiveram sua primeira onda na terceira onda européia, nos anos 1929-1932. Entretanto, as duas maiores ondas brasileiras podem ser determinadas nos anos 1970-1980 e, destacadamente, nos anos 1990-2000. Na segunda onda, anos 1970-1980, nova crise do capitalismo, decorrente pelas duas crises do petróleo, realinhamento de fluxos de capitais, acentuação da globalização, entre outros, trouxe grandes conseqüências à economia brasileira e mundial. Dentre elas, apresentam-se fechamento de empresas, conseqüente desemprego maciço, e reestruturação empresarial cuja adoção de padrões mais flexíveis de produção, como o toyotismo, levou à perda da hegemonia taylorista-fordista, provocando reconfiguração nos padrões de acumulação. Na terceira onda, anos 1990-2000, observou-se expansão dos processos de reestruturação produtiva dos anos 1970-1980, reforçado pelo esgotamento da política industrial brasileira, a abertura comercial, a hegemonia do capital

financeiro, entre outros. Fatores que produziram perversos reflexos no mercado de trabalho brasileiro: aumento expressivo do desemprego, somado a precarização nas relações de trabalho, ampliando, consideravelmente, o número de informais e excluídos. Dessa maneira, as transformações no mundo do trabalho e organização econômica brasileira nesse período desencadearam notável processo de empreendimentos da Economia Social.

Tais iniciativas de empreendimentos da Economia Social disseminados pelo Brasil, por meio de cooperativas de vários ramos, bancos comunitários, associações, sejam no campo ou na cidade, em reação às crises desses dois períodos, começaram a confirmar e a constituir em seu conjunto a Economia Solidária no Brasil. Conseqüentemente, deu-se o início desse tipo de empreendimentos solidários (GAIGER, 1996; 2003) como alternativa. De acordo com Singer (2000a, p. 25),

a economia solidária ressurgiu, de forma esparsa, na década de 1980 e tomou impulso na segunda metade dos anos 1990, resultando em movimentos sociais de reação à crise de desemprego em massa, em 1981, e se agravando com a abertura do mercado interno às importações, a partir de 1990.

Desse modo, destacadamente na década de 90, a Economia Solidária no Brasil nasce como movimento pela inclusão no mercado de trabalho, diretamente ligada ao contexto de crise econômica e exclusão social e suas conseqüências, como o desemprego, a marginalidade, a precarização, a informalidade etc. Sua tomada de corpo como movimento político, social e de reflexão acadêmica inicia-se, mais concretamente, conforme relata Singer (2000b), por meio de programas das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP), que teve sua origem na Coordenação dos Programas de Pós-graduação e Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ). De acordo com Singer (2000b), o objetivo das Incubadoras era utilizar recursos humanos e conhecimento das universidades para formação, qualificação e assessoria de trabalhadores para a constituição de organizações coletivas e autogestionárias de trabalho, promovendo a inserção de excluídos e marginalizados no mercado de trabalho.

Desde 1999, as Incubadoras (ITCP) das universidades brasileiras constituíram uma rede, com vistas a trocar experiências e melhorar a metodologia de incubação, colaborando, segundo Singer (2000b), para a nacionalização do movimento para Economia Solidária. Todavia, deve-se destacar que a Economia Solidária não se formou apenas no âmbito universitário, mas conquistou a luta e incentivo de outros agentes de destacados e importantes papéis, tais como: a Igreja Católica, ONGs, sindicatos, prefeituras e governos. A Igreja Católica, por exemplo, por meio do Cáritas, promoveu intenso incentivo e ação nas iniciativas de Economia Solidária.

É em 2003, no Governo do Presidente Lula, que a Economia Solidária assume seu caráter mais estrito. Torna-se política pública e, principalmente, ganha sua institucionalização federal. Foi no ano de 2003, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, que se criou a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES. O principal objetivo da SENAES é “promover o fortalecimento e a divulgação da Economia Solidária, mediante políticas integradas, visando à geração de trabalho e renda, inclusão social e promoção do desenvolvimento justo e solidário” (MTE, 2006). Para alcançar esse objetivo, a SENAES elaborou seus objetivos específicos que são os seguintes:

Elaborar e propor medidas para a articulação de Políticas de Finanças Solidárias, em suas múltiplas modalidades, ampliando a escala de suas operações, os serviços financeiros prestados e legitimando novas institucionalidades econômicas.

Intervir na reformulação do arcabouço legal que regula as cooperativas e propor a adoção de um Estatuto do Empreendimento Autogestionário, que permita consolidar sua identidade, programar um sistema de proteção a seus trabalhadores e orientar as ações de fiscalização.

Difundir e fortalecer os empreendimentos autogestionários, com a promoção do desenvolvimento de tecnologia adequada; apoiar materialmente as agências de fomento da Economia Solidária; articular cadeias produtivas, ampliando a produção, distribuição e consumo dos produtos da Economia Solidária, apoiando o consumo ético e o comércio justo.

Estimular e promover a produção de conhecimento voltado para a Economia Solidária, articulando para tanto políticas de educação e de pesquisa; definir um sistema de acompanhamento e de avaliação de seu desenvolvimento;

disseminar experiências bem sucedidas e disponibilizar um sistema de informações.

Fortalecer os espaços de organização e de participação da sociedade civil e dos demais entes governamentais, na formulação de políticas públicas para a economia solidária e implantar o Conselho Nacional de Economia Solidária (MTE, 2006).

Pelo mesmo ato legal que institucionalizou a SENAES, em 2003, foram criados, ainda, o Conselho Nacional de Economia Solidária – CNES e o Fórum Brasileiro de Economia Solidária com objetivo de consolidar uma estrutura sólida para o fomento da Economia Solidária. O Conselho Nacional de Economia Solidária - CNES foi concebido como um órgão consultivo e deliberativo de interlocução permanente entre a SENAES e os setores da sociedade civil e do Governo Federal que atuam em prol da Economia Solidária. Suas duas principais atribuições são: a proposição de diretrizes para as políticas de Economia Solidária dos Ministérios e Secretarias que o integram e o acompanhamento da execução dessas políticas. O Conselho é formado por 56 entidades divididas entre três setores: Governo, Empreendimentos de Economia Solidária e Entidades Não-governamentais de fomento e assessoria à Economia Solidária (MTE, 2006).

Com essa estrutura - SENAES, CNES e Fórum - foi consolidada, em 2005, a plataforma da Política Federal de Economia Solidária, chamada de Programa Economia Solidária em Desenvolvimento.

Conclui-se que a Economia Solidária começa a se constituir no Brasil como movimento que busca e propõe iniciativas para superar as crises social e econômica que geraram grande exclusão social. Para isso, alimenta-se de nova expressão do movimento cooperativista (NASCIMENTO, 2004). Trata-se de um cooperativismo, que extrapola a Economia Social (WAUTIER, 2004), sustentando-se nos empreendimentos solidários (GAIGER, 1996; 2003). O discurso da Economia Solidária brasileira pauta-se, então, pelo valor atribuído à democracia, igualdade e autogestão dentro dos empreendimentos, portando para si uma espécie de ressurreição de valores que fazem parte da cultura do movimento

operário: solidariedade, autogestão, autonomia, mutualismo, economia moral e outros (NASCIMENTO, 2004).