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Organização da Tese

42 1.1 Padrões de Referencialidade em complementação sentencial nas línguas: A

1.1.1 A RD em complementação sentencial: Contextos de análise

O termo complementação sentencial está sendo usado no sentido tomado por Rochette (1988) para se referir a todos os tipos de estruturas que se comportam como sentenciais, ou seja, que envolvem um predicado e seu sujeito. Estas estruturas podem ser complementos de verbos, nomes ou adjetivos, mas, nossa atenção estará voltada para o sistema de complementação verbal, especificamente os complementos sentenciais que exibem RD nas línguas aqui analisadas.

Para o desenvolvimento desta pesquisa, investigaremos dados de línguas românicas, como o português europeu, o português brasileiro e o italiano e línguas da área balcânica, como o grego. Investigaremos predicados de complementação sentencial nessas línguas, que serão apresentados e discutidos no decorrer desta seção.

A justificativa para se analisar o PB diferentemente do PE se deve ao fato de naquela gramática ser registrada variação entre o uso da morfologia subjuntiva e

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indicativa nos contextos canônicos de modalidade subjuntiva e, mesmo assim, a RD é exibida nos contextos subjuntivos em que há alternância entre morfologia indicativa e subjuntiva. Esse fato evidencia a não relação entre RD e morfologia de modo subjuntivo.

Os predicados que selecionam complementação sentencial que tomamos como base para análise nas línguas supracitadas foram os seguintes: (i) predicados que selecionam morfologia de modo subjuntivo, como os volitivos, causativos, factivos e psicológicos (ii) predicados que selecionam morfologia de modo indicativo na encaixada, como os verbos de percepção física, percepção mental, epistêmicos e declarativos. Para facilitar a leitura deste trabalho, achamos conveniente distribuir inicialmente os dados em predicados de complementação subjuntiva, indicativa e infinitiva, apesar de defendermos que morfologia de modo verbal não licencia contrastes de referencialidade nas línguas. Na próxima seção, apresentaremos uma análise descritiva desses dados, começando pela complementação subjuntiva.

1.1.1.1 O padrão de referencialidade na complementação subjuntiva

Em línguas de sujeito nulo, o uso do pronome lexical implica ênfase ou contraste, enquanto que a presença de pro denota uma leitura neutra. Diante disso, em virtude de o PE, de o italiano e de o grego serem definidas como pro-drop, foi necessário fazer um controle dos critérios tomados para analisar o padrão de referencialidade nas sentenças dessas línguas. Foram tomadas sentenças em que pro referencial ocupa a posição de sujeito da oração subjuntiva complemento, ou seja, quando o sujeito não é realizado foneticamente. E este foi o contexto tomado como

default, a fim de evitar que o falante assumisse tal sujeito como foco de sentença, por

ser pronunciado, como mostra o contraste referente ao padrão de referencialidade nos pares de sentenças a seguir do italiano, do PE e do grego, respectivamente:

(a) 1- Giovanni1 si lamenta che lui1/2 compri una casa vecchia

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(b)1- O João1 lamenta que ele*1/2 compre uma casa velha

2- O João1 lamenta que cv1/2 compre uma casa velha

(c) 1- Ο Γιάννης1 λυπάται που αυτός*1/26 αγόρασε σπίτι.7

O João-nom lamentar-3sg comp ele-nom comprou-3sg casa-acus ‘O João lamenta que ele comprou a casa’

2- Ο Γιάννης1 λυπάται που cv1/*2 αγόρασε σπίτι.

O Yanis lipate pu aghorase spiti O João-nom lamenta-3sg comp comprar-3sg casa-acus ‘John lamenta que ele comprou uma casa’

Nas sentenças em (1) acima, a visibilidade do sujeito altera o padrão de interpretabilidade do sujeito quando comparado com as sentenças em (2). Este último contexto será assumido como default nessas línguas.

No grego, esse contraste é possível não apenas no contexto de subjuntivo, como também nos contextos que selecionam morfologia de modo indicativo na encaixada, como nas sentenças em (33).

(33) a. Ta koritsia1 ipan oti cv1/2 tha pane sto sinema.

As garotas dizer-3pl que-comp-ind ir-3pl ao cinema ‘As garotas disseram que irão ao cinema’

b. Ta koritsia1 ipan oti aftes*1/2 tha pane sto sinema.

As garotas dizer-3pl que-ind elas ir-3pl ao cinema ‘As garotas disseram que elas irão ao cinema’

A referência disjunta apenas não será licenciada nos casos de realização de sujeito se este for interpretado como focalizado, o que desencadeará uma interpretação de coreferência pronominal. É possível ainda, nessa língua, a posposição verbal do sujeito na complementação sentencial. Em (34), o complemento subjuntivo com o sujeito pós-verbal (aftes) desencadeia RD, mas é possível RL, pois de algum modo à

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Sujeitos visíveis no grego desencadeiam RD.

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posição do objeto pronominal permite que ele seja interpretado enfaticamente, como coreferencial a ‘as meninas’ (koritsia). Contudo, casos de foco não serão tomados como base para análise nesta pesquisa, já que estes contextos alteram tanto a estrutura quanto a interpretação denotada por uma sentença sem foco, o que pode também desencadear alterações no padrão de referencialidade.

(34) Ta koritsia1 thelun na pane aftes?1/2 sto sinema.

‘As garotas dizer-3pl que-subj ir-3pl elas?1/2 ao cinema’

‘As garotas disseram que vão elas ao cinema’

Por outro lado, como o PB exibe uma gramática de sujeito nulo parcial,8 o padrão de sentenças tomado para análise de referencialidade dessa língua exibe pronome lexicalmente realizado como sujeito nas orações encaixadas.

Os predicados de complementação subjuntiva analisados no português, italiano e grego foram os seguintes:

(35) Volitivos

a. O João1 quer que ele*1/2 compre uma casa nova (PB)

b. O João1 quer que cv*1/2 compre uma casa nova (PE)

c. Giovanni1 vuole che cv*1/2 compri una nuova casa (ITAL)

d. Ο Γιάννης1 θέλει να cv1/?2 αγοράσει ένα καινούργιο σπίτι (GM)

O João quer comp-subj comprar-3sg casa nova ‘O Joao quer que compre uma casa nova’

(36) Causativos9

a. O João1 mandou que ele*1/2 lavasse os pratos mais rápido (PB)

b. O João1 mandou que cv*1/2 lavasse os pratos mais rápido (PE)

c. Giovanni1 ordina che cv*1/2 lavi le piastre il più presto possibile (ITAL)

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Para uma discussão sobre este tópico, sugerimos a leitura de Figueiredo Silva (1996); Kato e Negrão (2000); Galves (2001); Ferreira (2004), Rodrigues (2004).

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Kempchinsky (1986) e Suner e Padilla-Rivera (1987) também observam que a RD é exigida em espanhol nos contextos de verbos de influência (ordenar, mandar, aconselhar) e nos complementos subjuntivos volitivos (querer, desejar).

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d. O Yanis1 parigile na plini*1/2 ta piata pio grigora (GM)

O João mandou que-subj lavar-imper-3ªsg os pratos mais rapidamente ‘João mandou que ele lavasse os pratos rapidamente’

(37) Factivos

a. O João1 lamenta que ele1/2 compre uma casa velha (PB)

b. O João1 lamenta que cv1/2 compre uma casa velha (PE)

c. Giovanni1 si lamenta che cv*1/2 compri una vecchia casa (ITAL)

d. The Yanis1 lipate pu cv1/2 aghorase spiti ala ti na kani

O João lamenta-3sg comp comprou-3sg casa mas o que fazer-3sg ‘João lamenta que ele comprou uma casa mas o que ele pode fazer...’

(38) Psicológicos

a. O João1 teme que ele1/2 perca no exame (PB)

b. O João1 teme que cv1/2 reprove no exame (PE)

c. Pedro1 teme che cv*1/2 perda la gara (ITAL)

d. O Yanis1 fovate oti10 tha cv1/2 fighi (GM)

O João teme-3sg que-ind fut-partir-3sg

‘João teme que ele partirá’ (ou João ou outra pessoa)

No italiano, todos os predicados que selecionam morfologia de modo subjuntivo desencadeiam RD, sendo o sujeito realizado ou nulo, conforme exemplos (c) do conjunto de sentenças de (35) a (38). Por outro lado, o grego apresenta dois padrões de referencialidade em sentenças subjuntivas: as que licenciam RD desencadeada pelos predicados causativos, como ilustrado em (36d) e as que licenciam RL, desencadeada pelos factivos (37d), psicológicos (38d) e pelos volitivos, conforme ilustrado em (35d). No português foram observados dois padrões para predicados subjuntivos nos contextos de complementação expostos anteriormente: (i) aquele relacionado aos predicados volitivos e causativos, que desencadeiam RD, como exemplificados respectivamente em (35a) e (36a) e (ii) aquele relativo aos factivos (cf. 37a) e psicológicos (38a), que licenciam RL. Devido a isso, o grupo de predicados causativos e volitivos será tratado separadamente dos demais. A tabela a seguir sintetiza esse resultado:

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