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169 4.4.1.1 A subcategorização de traços aliada à seleção semântica: Uma versão

Organização da Tese

169 4.4.1.1 A subcategorização de traços aliada à seleção semântica: Uma versão

minimalista

As sentenças são formadas por constituintes, encaixados uns nos outros, compartilhando relações temáticas e relações selecionais. Esses constituintes são caracterizados por traços e são estes que movem a sintaxe. De fato, a concatenação de itens lexicais a partir da concordância de seus traços projeta a estrutura sintática. Uma das propriedades dos itens lexicais é a necessidade de combinar com outros objetos sintáticos a partir da concatenação (Merge).

O traço selecional categorial, traços c-selecionais, também denominado de subcategorização de traços, é um traço categorial sobre um item lexical, que não determina a distribuição do item lexical por ele mesmo, mas determina a categoria dos elementos que estarão aptos a concatenar com ele. Para explicar como um traço é subcategorizado, tomamos o verbo beijar em (207) e os tipos de itens lexicais que podem se concatenar a ele.

(207) a. Beijou Pedro; b. beijou as flores; c. *beijou comer; d. *beijou de

‘Beijou Pedro, beijou as flores; *beijou comer; *beijou para/por’

Em (207), beijou tem um traço-V, indica tempo passado do verbo e seleciona categorialmente um traço-N (c-selecional), ou seja, o item que concatena ao verbo deve ser da categoria Nome. É possível concatenar com beijar um nome, como Pedro, ou flores, mas não se pode concatenar com ele outro verbo ou preposição, como comer e por.

Outros conceitos importantes de que faremos uso aqui dizem respeito à (não)- interpretabilidade de traços. Sabe-se que traços interpretáveis são aqueles que têm um efeito sobre a interpretação semântica de uma categoria. Por outro lado, traços não- interpretáveis parecem ter uma função puramente sintática, como a marcação de Caso nos DPs. A ideia relacionada à interpretabilidade de traços é a de que a estrutura sintática com a qual as regras de interface semântica se aplicam consiste apenas de traços interpretáveis. Assim, uma estrutura sintática se baseia na seguinte restrição:

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Interpretação Plena: A estrutura na qual as regras da interface semântica se aplicam não contem traços não-interpretáveis. (Tradução nossa)56

Traços não-interpretáveis57 devem ser eliminados da sintaxe antes das regras da interface semântica se aplicarem. Nesse sentido, a função das operações sintáticas é eliminar os traços não-interpretáveis e, caso um desses traços entrem em uma relação sintática com outro traço de um tipo particular, o traço não-interpretável é marcado para eliminação. As formas de checagem do traço não-interpretável são de dois tipos: (i) Exigência de checagem e a (ii) checagem sob irmandade, definidas a seguir:

Exigência de checagem: Traços (c-selecionais) não-interpretáveis devem ser checados e, uma vez checados, devem ser apagados.

Checagem sob irmandade: Um traço c-selecional não-interpretável F em um objeto sintático Y é checado quando Y é irmão de outro objeto sintático Z com o qual compartilha o mesmo traço F. 58

Como exemplo desse pressuposto, temos a estrutura em (208). A versão minimalista de Adger (2004) para a subcategorização de traços é a seguinte: Z é o irmão de Y e cada um tem um traço [F]: Y, [F] não-interpretável e Z, [F] interpretável. A relação sintática de irmandade permite que a combinação de traços ocorra e o traço [uF], de Y, é checado e o resultado é representado em (208’).

(208) X (208’) X Y[uF] Z[F] Y[uF] Z[F]

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Full Interpretation: The structure to which the semantic interface rules apply contains no uninterpretable features.

57

A especificação lexical (lexical specification) descartará casos que não se adequam às propriedades selecionais do verbo. Ou seja, caso o traço não-interpretável do verbo não seja checado a sentença não é aceitável.

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Checking Requirement: Uninterpretable (c-selecional) features must be checked, and once checked, they can delete.

Checking under Sisterhood: An uninterpretable c-selectional feature F on a syntactic object Y is checked when Y is sister to another syntactic object Z which bears a matching feature F.

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Essa representação pode ser tomada para a estrutura em (209), na qual o predicado beijar tem um traço [V] e um traço c-selecional [uN], não-interpretável. Quando beijar é concatenado com um nome, por exemplo, Pedro, que tem um traço categorial [N], então a concatenação permite a checagem do traço não-interpretável [N] no verbo pelo traço categorial do nome. Observe a estrutura em (209).59

(209) X

beijar[V,uN] Pedro[N]

Teoricamente, essa proposta é a de que concatenar (Merge) sempre se aplica a nós raiz, já que operações sintáticas sempre se aplicam a projeções raiz de uma árvore e a checagem de um traço, por ser uma operação sintática, também se aplica ao núcleo da raiz de uma árvore, pela combinação dos traços.

O item lexical exige mais do que categoria sintática de constituintes com os quais ele combina, exige também uma relação com a semântica. Um verbo pode ser seguido não apenas por um nominal, como ilustrado com a sentença em (210a), mas, outras vezes ele se combina com uma sentença simples, como exemplificado em (210b):

(210) a. João quer a bola.

b. João quer que eu compre a bola.

Em termos de categoria, o verbo querer pode ter traços c-selecionais como: [uN], como no exemplo (210a) e [uTP]60, como em (210b). Com relação a s-seleção, em (210a), o verbo querer, por ser transitivo, s-seleciona dois elementos em sua grade temática; um desses elementos, o argumento interno desse verbo, no exemplo exposto, corresponde a uma bola e é associado ao papel temático de Tema e ao traço-N selecional. O outro argumento, o externo, no caso, João, é associado ao papel temático de Agente. Como a seleção semântica exigida pelo predicado é um tema importante para a exposição de nossa proposta, na próxima seção, trataremos dos traços s-selecionais relacionados à sua atribuição temática.

59

A estrutura em (209), com o verbo beijar, mencionado anteriormente, também ilustra a checagem de traços sob irmandade. Beijar é gerado da seguinte estrutura: beijar [V, uN].

60

Como já mencionado no capítulo 3, assumiremos, conforme Rochette (1988), que volitivos subcategorizam complemento TP.

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4.4.1.2 Relações de s-seleção e papel temático

O elemento mais importante semanticamente de um constituinte sintático é o seu núcleo, sendo também aquele que determina a distribuição e as relações de concordância estabelecidas com outros componentes da sentença.

Uma das propriedades semânticas dos predicados é atribuir traço temático aos elementos com os quais eles se combinam, como o verbo com os seus argumentos, e isso pode trazer implicações para a estrutura sintática. Por exemplo, verbos inergativos são caracterizados semanticamente por atribuírem um papel de agente ao seu argumento externo, ao passo que predicados inacusativos são aqueles que atribuem um papel de

tema ao seu argumento interno. Essa diferença na grade temática desses dois tipos de

verbos também exibe efeito em sua estrutura sintática.

A grade temática depende do tipo de predicado e um predicado de um lugar atribui um papel temático; um predicado de dois lugares atribui dois papeis temáticos e assim por diante.

Os traços temáticos atribuídos pelos predicados são puramente semânticos, mas eles parecem ter um efeito na sintaxe, pois, quando um predicado tem um papel temático para atribuir, mas não há nada na sentença para recebê-lo, comumente a sentença é julgada como inaceitável, apesar da operação Concatenar não inspecionar as propriedades de s-seleção.

Como acreditamos que traço temático, assim como outros traços semânticos, deve ser atribuído aos itens lexicais no decorrer da derivação, a fim de caracterizá-los, isso significa assumir, juntamente com Hornstein (1999), que papéis temáticos são traços presentes nos sintagmas verbais/predicativos. Com isso, não há limites ao número de papéis temáticos que uma cadeia pode apresentar. Esse pressuposto vai de encontro ao Critério Temático que prediz que:

Cada papel temático deve ser atribuído, mas a um constituinte não pode ser atribuído mais do que um papel-theta.61 (Tradução nossa)

Tomar papel temático como traço (cf. Hornstein, 1999) constitui um fator favorável no sentido de atender teoricamente à necessidade de especificar as propriedades dos itens lexicais. Dito isso, propriedades c-selecionais e s-selecionais de

61

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itens lexicais mostram como as estruturas sintáticas fazem interface com a interpretação semântica.

Uma forma de implementar essa ideia é assumir que traços c-selecionais e s- seelcionais expressam afirmações sobre as categorias dos constituintes e podem ser associados a traços temáticos ou outros traços atribuídos ao item lexical, devido a sua exigência semântica. O traço temático atribuído a um item lexical pode se relacionar a dois aspectos: (i) a uma parte da semântica lexical que afirma que traço temático e propriedades s-selecionais estão associadas entre si e (ii) a um aspecto sintático que mostra quais traços da categoria sintática são associados com ele, ou seja, os traços c- selecionais nos diz a quais categorias dos argumentos sintáticos são atribuídos esses traços temáticos.

Retomamos agora a representação estrutural exemplificada em (208’), repetido aqui em (211).

(211) X Y[uF] Z[F]

Em (211), Y é o núcleo de X e carrega traço c-selecional que é associado, semanticamente, a traço temático, ou seja, X s-seleciona traço temático e c-seleciona uma determinada categoria para concatenação. Quando esse traço c-selecional não- interpretável for checado, no momento em que um argumento, no caso Z, for concatenado a Y, o traço deve ser eliminado e levará a atribuição do traço temático, já que há uma especificação semântica de que o argumento necessita ter aquele traço semântico. Em outras palavras, o traço categorial não-interpretável no núcleo é checado por um traço categorial combinado e, com isso, o traço não-interpretável é apagado, seguindo as exigências de checagem. A concatenação dos itens lexicais segue a partir de uma relação de concordância.

Traços não categoriais são checados sob c-comando, a partir da relação de

concordância, em que um traço não-interpretável F de um objeto sintático Y é checado

em uma relação de c-comando com outro objeto sintático Z que compartilha o mesmo tipo de traço. Como exemplo, podemos tomar traços de tempo. Traços de tempo no

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complexo verbal podem ser checados pelo traço de tempo em T, que é interpretável, como na seguinte configuração.

(212) a. T [past] ... V + v [upast] b. T [present] ... V + v [upresent] c. *T [past] ... V + v [upresent]

A não-aceitabilidade da configuração em (212c) se deve ao fato do traço de tempo não-interpretável no núcleo v não poder ser checado pelo traco de tempo interpretável em T, já que são diferentes.

Por outro lado, quando os traços são combinados e checados, o traço de tempo não valorado em v recebe um valor do traço de tempo em T. De certo modo, o valor do traço de tempo em v é determinado pelo traço de tempo em T. A operação de checagem checa e valora o traço de tempo do v, configurando a abordagem denominada checagem

por valoração, como mostra a configuração (212’).

(212’) a. T [t : past] ... v [ut : ] b. T [t : past] ... v [ut : past]

Essa relação sintática de concordância é uma forma de checar os traços não interpretáveis, que serão valorados a partir da combinação de traços interpretáveis com traços não interpretáveis. Caso não haja combinação de traço com um valor, o traço permanecerá não valorado e não checado, o que fará a derivação não convergir. Tomaremos essas duas relações sintáticas para checagem de traços: a relação de concordância e a checagem sob irmandade, conforme descrevemos acima, como base para a derivação de nossas sentenças.

Esta é a proposta teórica na qual nos deteremos para explicar a RD em complementação sentencial. Na próxima seção, apresentaremos as conclusões sobre este capítulo.

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