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A RD a partir de uma relação entre a Teoria da Ligação e a marcação de Subjuntivo na Sintaxe (em CP ou IP): Uma proposta contra a competição entre

Organização da Tese

106 2.3.2 Tentativa de ligar a RD às propriedades sintático-semânticas do modo

2.3.3 A RD a partir de uma relação entre a Teoria da Ligação e a marcação de Subjuntivo na Sintaxe (em CP ou IP): Uma proposta contra a competição entre

formas (San Martin, 2007)

O padrão assumido na literatura, no que diz respeito à relação entre referencialidade e finitude, é assumir que a coreferência pronominal (RC) é expressa pelas orações não-finitas (infinitivas) e a RD, pelas orações finitas (em especial, pelo subjuntivo), o que configura uma competição entre formas. Diferentemente das línguas balcânicas, a maioria das línguas românicas apresentam o efeito da referência disjunta em complementos subjuntivos de predicados volitivos. Essa restrição existe em espanhol, por exemplo, mas não existe em albanês ou grego moderno (cf. San Martin, 2007).

Essa diferença de comportamento entre as línguas românicas e as línguas da área balcânica é explicada pela Hipótese da Rivalidade Subjuntivo/Infinitivo que pode ser resumida da seguinte forma: As línguas românicas apresentam RD e RC, nos contextos respectivamente de estruturas finitas (subjuntivo) e estrutura não-finita (infinitivo), ao passo que as línguas da área balcânica, como o grego, não exibem infinitivos, nem RD nos subjuntivos. Portanto, levando em consideração uma relação entre competição entre formas e referencialidade, restrições como RD são bloqueadas na estrutura finita do grego, devido à ausência de infinitivos nessa língua.

San Martin (2007), contrária a essa hipótese, menciona razões conceituais e empíricas para sugerir que o efeito da RD não esteja relacionado à existência de

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infinitivos e parte da hipótese de que é a forma como o subjuntivo é codificado na sintaxe que desencadeia consequências para restrições de referencialidade.

A autora argumenta que apenas línguas que não distinguem entre morfologia de indicativo e de subjuntivo na periferia esquerda de orações encaixadas exibem RD, como ocorre nas línguas românicas, como o português e o italiano. Para dar conta dessa proposta, ela toma Modo como um dos traços que C transfere para T, juntamente com traços-φ e de tempo, assumindo que o núcleo de Fase (phase head) transfere traços de concordância (Agree) para T.

Sintaticamente, a RD é uma consequência direta de um tipo de encaixada, a encaixada verdadeira, que diz respeito aos contextos de hipotaxe. Este tipo de encaixada naturalmente se relaciona com o modo subjuntivo e mais especificamente a eventos não realizados. O predicado matriz em oração encaixada verdadeira invariavelmente seleciona um C, com traços irrealis [IRR] não valorados. Este traço é valorado por um traço [IRR] que é associado à partícula de Modo subjuntivo no léxico. Isto ocorre em línguas que contêm uma partícula de Modo Subjuntivo. Em línguas que não a tem, o predicado matriz valora o traço não valorado [IRR] em C.

A autora sugere uma nova definição de Domínio de ligação de modo a incluir o núcleo de fase v matriz, garantindo que o sujeito matriz e encaixado estejam no mesmo domínio, causando a RD local.

A proposta apresentada por San Martin (2007) leva em conta a variação e a mudança linguística com respeito à RD, especialmente no modelo de Princípios e Parâmetros, em que se entende que a variação e mudança se referem à forma na qual as propriedades de itens lexicais funcionais são realizados no léxico. A variabilidade é esperada se as línguas variam com respeito à associação de algum item funcional com [IRR]. Caso ocorra uma mudança da RD para RL (referência livre), a explicação deve se pautar numa nova associação de [IRR] com algum item no léxico.

O grego ilustra essa proposta. San Martin (2007) observa que, empiricamente, as mudanças ocorridas do grego clássico ao moderno com relação à RD indicam que o infinitivo não esteve envolvido na perda desse fenômeno. O grego clássico exibia a RD em alguns contextos (cf. Roberts e Roussou, 2003); por outro lado, no grego moderno, a referência livre é desencadeada nos contextos de subjuntivo volitivo, como ilustrado em (120) e a RD obrigatória passa a ser bloqueada.

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(120) Yanis1 elpizi pro1/2 na figi (grego) (San Martin, 2007, p. 07)

João esperar.3sg pro comp-subj ganhar.3sg ‘João espera que ele ganhe’

A hipótese adotada pela literatura sobre as línguas balcânicas é a de que a oração infinitiva deixou de ser usada no mesmo momento em que a RD desapareceu (e a RL emergiu); no entanto, San Martin (2007) argumenta que esse pressuposto não pode ser mantido, pois, a partir de evidências diacrônicas, ela observa que a mudança da RD para a RL ocorreu em um período em que os infinitivos ainda estavam disponíveis nos contextos de volitivos. O infinitivo deixou de ser usado apenas por volta do século 10, alguns séculos depois de se ter perdido a RD.

A autora propõe então que, ao invés de se pautar numa rivalidade entre subjuntivo/infinitivo para explicar restrições de referencialidade, deve-se tentar levar em conta o fato de que a presença/ausência da RD pode ser uma consequência da forma como o modo subjuntivo é codificado na sintaxe em cada língua: na morfologia verbal (domínio de TP) ou na periferia esquerda (domínio de CP) de orações encaixadas.

Nas línguas em que o subjuntivo é codificado na periferia esquerda, nos complementos subjuntivos de predicados volitivos, há um operador modal no núcleo C que deve ser identificado pelo marcador morfológico do subjuntivo (cf. Kempchinsky, 1998). Isto é satisfeito nas línguas que contêm um complementizador específico para orações subjuntivas e que são diferentes do complementizador indicativo (como no romeno -ca) ou de uma partícula subjuntiva que alça para C-Force (como no grego -na). Línguas como o português e o espanhol codificam o subjuntivo na morfologia verbal e sua periferia esquerda é neutra no que diz respeito ao modo, invariavelmente emprega- se, no português, que em contextos indicativos e subjuntivos.

San Martin (2007) apresenta duas evidências para sua hipótese: (i) O grego clássico marcava, no mesmo período, na morfologia verbal a distinção entre os modos indicativo e subjuntivo, como também apresentava a referência disjunta em alguns contextos e (ii) com a perda da distinção morfológica entre esses modos em TP, diacronicamente, perdeu-se também a RD, isto é, uma mudança é contemporânea à outra, e pode-se até pensar que uma mudança levou à outra. A perda da distinção entre os modos a partir da morfologia do verbo provocou o aparecimento de um novo

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elemento que veio a se tornar eventualmente o marcador subjuntivo no grego: o complementizador subjuntivo na.

A proposta apresentada por San Martin (2007) para a RD no grego ratifica a nossa ideia de que uma hipótese voltada para uma competição entre formas finitas/não- finitas não é suficiente para dar conta de restrições de referencialidade nas línguas. No entanto, não podemos também desqualificar totalmente a propriedade de algumas línguas em distinguir formas finitas das não-finitas. Certamente essa característica traz algumas implicações para as línguas que a exibem, mas, como observado por San Martin (2007), finitude não pode ser tomada como um fator fundamental para explicar certos fenômenos linguísticos e, desse modo, não podemos tomar restrições de referencialidade como uma propriedade intrínseca à finitude.

A proposta de San Martin (2007) também é interessante na medida em que toma a distribuição e a codificação de modo verbal para explicar restrições de referencialidade. O único problema seria explicar a RD nos predicados perceptivos físicos no grego, que não selecionam modalidade subjuntiva. Na próxima seção, apresentaremos, em linhas gerais, um resumo das discussões empreendidas neste capítulo.

2.4 CONCLUSÕES PRELIMINARES E PERSPECTIVAS

As pesquisas que tentam dar conta da RC e da RD se baseiam em dois pressupostos tradicionais: a competição entre formas finitas/não-finitas (Finitude) e propriedades de modo verbal, em especial do subjuntivo, que vem sendo tomado como o locus por excelência de ocorrência da RD nas línguas.

O problema relacionado à diferença entre RD e RC é capturado na literatura a partir de uma análise de dois conjuntos de línguas: as românicas, que exibem estruturas finitas/não-finitas e RD/RC, respectivamente e as da área balcânica, que não exibem infinitivos, nem RD e esse dado leva muitos pesquisadores a ligar a RC a estruturas não-finitas.

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No entanto, a RC não é atestada especificamente em contexto de infinitivos, mas pode ser licenciada em alguns contextos de complementação finita, como no PB (cf. Ferreira, 2000); no grego, ela é exibida também em estruturas finitas. E nem todo contexto de infinitivo desencadeia RC, como o infinitivo flexionado do português: Os selecionados por factivos licenciam RL e os selecionados por causativos e perceptivos desencadeiam RD.

Por outro lado, outras abordagens tomam a RD como um fenômeno que caracteriza canonicamente os subjuntivos, mas, como já afirmamos no decorrer deste trabalho, a disjunção pronominal obrigatória não é o default no subjuntivo volitivo grego, por exemplo, apesar de haver morfologia subjuntiva nessa língua; além disso, a referência disjunta também é exibida nos contextos de complementação indicativa selecionados por predicados perceptivos físicos, observado no português, italiano e grego.

Alternativas propostas pela literatura para dar conta de fenômenos de referencialidade, como abordagens ligadas a propostas de competição entre subjuntivo e infinitivo ou propostas relacionadas ao comportamento temporal dos complementos subjuntivos não podem ser tomadas como viáveis. Essas duas intuições não conseguem dar conta do fenômeno da RD, sendo necessária outra abordagem para melhor capturar os padrões de referencialidade nas línguas.

A partir da revisão dos principais tipos de hipóteses para explicar RD em complementação sentencial apresentada neste capítulo, ficou claro que esses pressupostos não conseguem explicar dados de um grande número de línguas. Diante disso, considerando a restrição da RD um fenômeno universal, no próximo capítulo, apresentaremos algumas noções semânticas dos predicados, de modo a relacioná-las com a restrição da RD, tomada por nós como um efeito semântico exigido por alguns predicados.

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