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O homem é um poderoso agente evolutivo e, segundo Harvey (2004), atua mediante a produção de plantas e animais, modificando habitats com o crescimento populacional à difusão e à combinação de espécies em escala global. Nesse papel de transformações na face da terra, o homem tem produzido tanto aspectos positivos quanto negativos (MONTEIRO, 2003). Ainda acrescenta Santos (1992, p. 96):

Com a presença do homem sobre a terra a natureza está sempre sendo redescoberta, desde o fim de sua História natural e a criação da Natureza Social, no desenvolvimento do mundo, com a passagem de uma ordem vital a uma ordem racional. Mas agora, quando o natural cede lugar ao artefato e a racionalidade triunfante se revela através da natureza instrumentalizada, esta, portanto domesticada, nos é apresentada como sobrenatural.

Para Santos (1992), a história do homem sobre a terra é a história de uma ruptura progressiva entre o homem e o entorno, que vai do momento que o homem escolhe em seu entorno o quinhão de natureza que lhe é útil para viver; esse é o tempo do homem amigo e da natureza amiga. Porém, as necessidades dos grupos sociais, as novas técnicas, o comércio vão alterando a relação do homem com a natureza e chega-se à fase atual, em que, segundo o autor, a economia se tornou mundializada, e todas as sociedades terminaram por adotar, de forma mais ou menos total, de maneira mais ou menos explícita, um modelo técnico único que se sobrepõe à multiplicidade de recursos naturais e humanos; uma natureza una em si mesma, porém fragmentada para atender aos interesses de firmas, estados e classes hegemônicas.

E aí podemos tomar o discurso apocalíptico atual sobre o “meio ambiente” para entendermos melhor o que o autor quer dizer quando da apropriação da natureza por classes ou mesmo interesses hegemônicos. Santos (1992) enfatiza que, se antes a natureza podia criar o medo, hoje é o medo que cria a natureza midiática e falsa, uma parte da natureza sendo apresentada como se fosse o todo, e para reforçar enfatiza: quando o “meio ambiente”, como natureza espetáculo, substitui a Natureza Histórica, lugar de trabalho de todos os homens, e quando a natureza “cibernética” ou “sintética” substitui a natureza analítica do passado, o processo de ocultação do significado da história atinge o seu auge.

Para Harvey (2004), também o discurso apocalíptico e a atuação da mídia servem, em grande medida, para deslocar a crença de longa data na crise última e no colapso do capitalismo do campo de luta de classes para o do ambiente. Por isso todo o cuidado é pouco para não ficar preso a armadilhas reducionistas na hora das análises. Concordar com o que os autores citados acima dizem de maneira alguma implica ignorar os sérios problemas que a ação do homem vem causando ao

planeta, até porque existem estudos científicos que não podem simplesmente ser ignorados. Mas temos a obrigação de ficar atentos, pois uma retórica impensada da crise ajuda a legitimar todo o tipo de ação sem levar em conta efeitos sociais e políticos. Concordamos ainda com Röper (1999, p. 53) quando diz que “as UCs são consideradas como expressão específica do controle político baseado em determinadas leituras sociais da ‘natureza’ em diferentes momentos”.

Quando o uso e a exploração dos recursos naturais foram apropriados pela sociedade (hoje países desenvolvidos) para proporcionar o desenvolvimento do modelo capitalista, já que o crescimento e o desenvolvimento do norte ocorreram em grande parte com base na exploração predatória do Terceiro Mundo, esse modelo foi conveniente para os países do norte. Hoje, que se chegou claramente ao “limite” do uso indiscriminado dos recursos naturais, tornou-se inconveniente que o sul ainda possua grandes áreas naturais, como constatamos em afirmações como a que segue:

[...] é um fato inconveniente mas inevitável que a maior parte da biodiversidade do mundo, e dos parques criados para preservá-la esteja em países em desenvolvimento, enquanto a maior parte das pessoas em melhor situação financeira, que contribuem com fundos pessoais ou dinheiro de impostos para apoiar a conservação da biodiversidade, vivam a milhares de quilômetros de distância. (TERBORGH et al., 2002, p. 501).

Dessa forma, a natureza tornou-se direito apenas dos poucos que podem pagar por ela, por serem afortunados e viverem no mundo desenvolvido, onde as condições de saúde, educação, saneamento e, sobretudo, as condições financeiras lhes garantem esse direito. Por que a natureza virou privilégio para alguns? Se o ser humano respeitasse a si mesmo, o respeito à natureza seria conseqüência lógica. Quando a preservação é justificada como algo a ser feito em função de que uma classe superior deve usufruir as suas benesses, é porque não se tem mais a mínima noção da natureza como una e universal, como nos diz Santos (1992): “exagera-se em certos aspectos em detrimento de outros e mutila-se o conjunto”.

Assim, para Harvey (2004), aceitar que o ser humano está destruindo seu habitat está longe de aceitar que está destruindo o planeta. Pensar assim é tirar da terra o seu potencial mutante de adaptação e renovação.

Os estudos que envolvem as UCs no Brasil têm uma peculiaridade, fazendo o país parte de um grupo de poucos países megabiodiversos, o que o coloca em um patamar diferenciado. E diferentemente do que ocorre em outras áreas do conhecimento, os últimos avanços ou descobertas não podem vir de outros países, ou seja, dos países dominadores, mas necessariamente devem ocorrer aqui mesmo. Para isso, é necessário mergulharmos na atual realidade tropical (natural) e diversa, ou então será contraproducente esperar, passivamente, por transferência de tecnologias mediadoras entre a teoria (científica) e a prática (tecnológica) que sejam fornecidas pelos hegemônicos da economia e poder mundial. Para eles interessa manter-nos no estado de “dominados” ou “dependentes”. Para nós urge queimar etapas, e o único meio é mergulharmos em nossa realidade natural e social (MONTEIRO, 2003).

Como, então, deveríamos buscar entender no espaço geográfico brasileiro a importância das UCs? Vamos fazer esse mergulho a partir do conceito de território, pois é na concretude do território que as relações sociais se estabelecem e onde as relações transescalares são construídas. É ainda no território que o poder é exercido e os conflitos se configuram.

4.3 TERRITÓRIO MUNICIPAL: ARENA DE PODERES OU CONSTRUÇÃO DE UM