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A formação do território e a devida compreensão e abordagem geográfica do real enfrentam o problema básico do tamanho, que varia do espaço local ao planetário. Essa variação de tamanho e de problemas não é uma observação recente: os gregos já afirmavam que, quando o tamanho muda, as coisas mudam (CASTRO, 2000).

A escala geográfica exprime a representação das relações que a sociedade mantém com essa forma geométrica. A observação espacial dos fenômenos implica a definição da escala dos fenômenos a serem observados, já que articulada a uma determinada escala essa observação ganha um sentido particular.

Ao problematizar o conceito de “escala” na Geografia, Castro (2000, p. 119) apresenta a escala como uma estratégia de aproximação do real, que inclui tanto a inseparabilidade entre tamanho e fenômeno, o que a define como problema

dimensional, como a complexidade dos fenômenos e a impossibilidade de apreendê- los diretamente, o que a coloca como um problema também fenomenal.

A autora ainda discute o conceito de escala em três perspectivas: a primeira apresenta, a partir da própria geografia, as dificuldades que o raciocínio analógico entre as escalas cartográfica e geográfica estabeleceu na utilização do conceito para abordar a complexidade dos fenômenos espaciais e as tentativas de ir além dessas limitações. O segundo trata da escala como um problema metodológico essencial para a compreensão do sentido e da visibilidade dos fenômenos numa perspectiva espacial. A escala como questão introduz a necessidade de coerência entre o percebido e o concebido, pois cada escala só faz indicar o campo da referência no qual existe a pertinência de um fenômeno. A terceira apresenta a escala como estratégia de apreensão da realidade, que define o campo empírico da pesquisa, ou seja, os fenômenos que dão sentido ao recorte espacial objetivado (CASTRO, 2000, p. 121-122).

A questão ambiental e, em específico, as estratégias adotadas para a conservação são adotadas em diferentes escalas. Sendo assim, para Berkes (2005), faz-se necessário delinear e apoiar instituições de gestão que operem em mais de um nível, levando em conta as interações que permeiam as diversas escalas, a partir do nível local.

Na verdade, todo fenômeno tem uma dimensão de ocorrência, de observação e de análise mais apropriada. Nesse sentido, a escala é também uma medida, não necessariamente do fenômeno, mas aquela escolhida para melhor observá-lo e dimensioná-lo. Não se deve então confundir a escala, medida arbitrária, com a dimensão do que é observado.

Aprender a lidar com as escalas é uma ambição louvável. Ainda será preciso fazer um enorme esforço de concepção que permita de uma parte definir os diferentes níveis escalares no seio dos quais as atividades que nos interessam se inscrevem, e que, por outro lado, permita traduzir atitudes em uma escala, explicitando ao mesmo tempo sua contrapartida em uma outra escala. (ISNARD et al. apud CASTRO, 2000, p. 128).

As instituições ambientais dos diferentes níveis escalares para a gestão das UCs se encontram na escala local, por isso nossa opção da escala local como a escala de análise. Nesse sentido, as abordagens de Berkes (2005) avançam com o termo “interações transescalares” para designar instituições conectadas tanto horizontalmente (através do espaço) como verticalmente (através de níveis de organização).

Em estudos sobre o uso de recursos comuns, Berkes (2005) apresenta quatro modalidades de conexão institucional transescalar:

a) acordos de co-gestão entre comunidades e governos: são aqueles que articulam – por meio de parcerias – a gestão realizada no nível local à gestão realizada no nível governamental;

b) corporações de stakeholders: caracteristicamente tais corporações conectam múltiplos grupos de usuários e interesses – locais e regionais – com o governo e proporcionam um fórum para a negociação e a resolução de conflitos entre usuários de recursos comuns;

c) desenvolvimento, empoderamento e acordos de co-gestão: essa modalidade se distingue das duas primeiras em termos da ênfase colocada no desenvolvimento e no empoderamento comunitário, passando a co-gestão a ser vista como um resultado incidental. Esses arranjos envolvem, muitas vezes, organizações não-governamentais e outros grupos dedicados a um trabalho de capacitação. Muitas vezes existem conexões transescalares tanto horizontais como verticais; e

d) ciência cidadã: esta categoria contempla instituições emergentes que se enquadram naquilo que pode ser denominado “ciência cidadã” – é caracterizada pelo ativismo civil voltado para a gestão ambiental e pelo envolvimento de ONGs ambientalistas.

No nosso estudo de caso as conexões transescalares analisadas são apenas as que acontecem entre as instituições públicas das diferentes escalas institucionais, os três níveis de governo e as relações que existem para a criação, implantação e gestão das UCs. A Figura 13 mostra como deve ser o modelo de conexões institucionais para a gestão das UCs, baseada nas quatro modalidades descritas por Berkes (2005).

Governo Federal (UC Federal)

IBAMA

Governo Estadual (UC Estadual)

(Fatma)

Governo Local

(Secretaria Municipal)

R

R

0

0

Fonte: Adaptado de Berkes (2005)

FIGURA 13 – Modelo de gestão transescalar para UCs

Os conflitos na criação, implantação e gestão de UCs, de certo ponto de vista, podem em parte ser correlacionados às patologias institucionais transescalares, às incompatibilidades de escala, à falta de atenção no que diz respeito às conexões transescalares e, ainda, ao poder exercido nas diferentes escalas. A distribuição do poder entre as instituições envolvidas implica uma problemática do poder, de influências e de análise do processo de tomada de decisão nas escalas adequadas.

4.5.1 O Município como Instância de Poder Local

Segundo Vainer (2001, p. 142), os estudiosos que apostam nas identidades locais defendem que os governos locais, mais eficazmente que qualquer outra instituição ou nível escalar, estão em condições de: a) atrair e promover a competitividade das empresas; e b) oferecer base histórica e cultural para a integração dos indivíduos.

Com relação às políticas públicas setoriais, nesse caso, as políticas ambientais, o município brasileiro nas últimas décadas foi investido de poder para intervir e também investir nesse setor. Estudos como Ferreira (2003) e Frey (1995) apontam os avanços e problemas enfrentados pela gestão ambiental municipal.

Segundo Raffestin (1993, p. 154), “a tessitura é sempre um enquadramento do poder ou de um poder. A escala da tessitura determina a escala de poderes. Há os poderes que podem intervir em todas as escalas e aqueles que estão limitados às escalas dadas”. Assim, a tessitura exprime a área de exercício dos poderes ou a área de capacidade dos poderes. Quando as ações do município são apenas de sua responsabilidade, como no caso da elaboração do plano diretor, lei orgânica, educação ambiental ou ainda criação de conselhos municipais de meio ambiente, o município tem total autonomia para decidir de que maneira atuar e como; as relações de poder, nesse caso, são apenas internas e os interesses atuantes são interesses apenas locais, subordinados a uma lógica regional e nacional, sem dúvida, mas ainda assim de interesse local. No quadro criado com a gestão participativa de UCs, as instituições públicas precisam adotar procedimentos inexistentes até o momento (por se tratar de uma política recém-criada) para concretizar tais ações. Nesse sentido, o poder exercido por cada instituição na escala local em defesa de seus interesses deve ser mais bem investigado, pois pode nos trazer respostas para entender os conflitos existentes tanto na criação como na implantação das UCs. Como nos lembra Raffestin (1993), as imagens territoriais revelam as relações de produção e, conseqüentemente, as relações de poder, e é decifrando-as que se chega à estrutura profunda. Do estado ao indivíduo, passando por todas as organizações pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que produzem o território.

CAPÍTULO V

5 ANÁLISE DOS ESTUDOS DE CASO: PRAIA GRANDE, JACINTO MACHADO E O PARQUE NACIONAL DE APARADOS DA SERRA E O PARQUE NACIONAL DA SERRA GERAL; TREVISO, SIDERÓPOLIS, NOVA VENEZA E A RESERVA BIOLÓGICA ESTADUAL DO AGUAÍ

Na presente pesquisa buscamos conceber e implementar um procedimento de investigação científica norteado pelos seguintes objetivos: analisar a gestão ambiental dos municípios, os instrumentos utilizados e as ações empreendidas; identificar e analisar as políticas públicas dos municípios relativas às unidades de conservação; identificar como os municípios estão se articulando para implantar o SNUC, Lei nº 9.985/2002, e o SEUC, Lei nº 11.986/2001; identificar e analisar os projetos que os municípios possuem relativos às UCs e o resultado desse processo no território municipal; analisar a participação dos municípios de Praia Grande e Jacinto Machado no conselho consultivo dos parques nacionais que abrangem esses municípios; e analisar a participação dos municípios de Nova Veneza, Treviso e Siderópolis na implementação da Reserva Biológica do Aguaí. Neste capítulo buscamos fazer nossa análise dos estudos de caso relacionando os dados obtidos com a teoria apresentada sobre políticas públicas, território, poder e relações transescalares, para assim chegarmos aos nossos objetivos.