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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 1 A DANÇA NO CONTEXTOURRICULAR PORTUGUÊS

1.4 A reconceptualização da Dança na visão integrada da escola

O Ensino Básico articulado entre o 1.º, o 2.º e o 3.º ciclo é segundo Salgueiro (2010) uma proposta de percurso curricular ancorada nos conceitos da educação progressista, um pouco na senda da filosofia educativa humanista de Dewey (1939), desafiando a visão tradicionalista centrada no ensino e defendendo a coesão e a identidade socio construtivista do currículo.

Na análise de Leite (2002), a reorganização curricular possibilitou uma melhor perceção da unidade, da sequência e da articulação entre ciclos. No que se refere ao 3.º CEB, entre 2001 e 2011, aprovou-se um desenho curricular (Decreto-lei n.º 209/2002)22 o qual estabeleceu os princípios orientadores da organização e da gestão curricular, bem como da avaliação das aprendizagens e do processo de desenvolvimento do próprio currículo. De igual modo, explicitou-se que o desenvolvimento do CNEB (2001) dever-se-ia basear no Projeto Educativo da Escola, no Projeto Curricular da Escola e no Projeto Curricular de Turma, assumindo particular relevância os princípios orientadores da organização e da gestão curricular flexível.

Em traços retrospetivos, poder-se-á dizer que a grande rutura aconteceu com a publicação do CNEB (2001), nomeadamente com a introdução de noções como “competências gerais, essenciais e transversais” e a (desejável) articulação vertical e horizontal entre ciclos. A nomenclatura da estrutura curricular também sofreu mudanças (por exemplo, em 1989 falava-se em plano curricular com disciplinas e/ou áreas; em 2001 fala-se de um desenho curricular com áreas curriculares disciplinares e não disciplinares) e foram introduzidas novas áreas curriculares (por exemplo, a área curricular de Educação Artística no ensino regular) e não curriculares.

Na lógica da visão integrada do CNEB (2001), a Dança é uma área curricular autónoma, particularmente na forma como é equacionada, articulada e concebida, através de área

22 A organização curricular do ensino básico foi posteriormente alterado pelo Despacho n.º 17169/2011. Assim, o CNEB é

revogado, deixando de constituir documento orientador ou referencia para os documentos oficiais do Ministério de Educação e Ciência.

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disciplinar de Educação Artística, uma matéria ou conteúdo de Educação Física e uma modalidade nas ARE do DE. Neste sentido, Tadeu (2000) explica que pensar o currículo (áreas curriculares) é uma prática de significação:

“Pensar o currículo não como descrição do real, mas concebe-lo como uma prática através da qual atribuímos sentido ao mundo, através da linguagem que se interpõe entre nós e a realidade e nos permite atribuir significado às coisas do mundo. (…) Pensar o currículo como representação é uma extensão do currículo como prática de significação” (p.41).

Para Roldão (1999) “o currículo escolar poderá entender-se como aquilo que se espera fazer aprender na escola, de acordo com o que se considera relevante e necessário na sociedade, num dado tempo e contexto” (p.47). Conforme Barroso (2005), as definições que se encontram no quadro da reforma curricular revelam dois sentidos simultâneos: um como um plano estratégico e outro como um plano de atuação ao nível de um conjunto de experiências diversificadas realizadas na escola. Todavia, Roldão (1999) pensa que “a gestão curricular é inerente a qualquer prática docente (…) de facto em toda e qualquer prática educativa escolar estará sempre implícita a um determinado modo de concretizar uma opção de gestão curricular” (p.13). Independentemente do tipo de prática (mais ou menos tradicionalista ou construtivista e/ou mais ou menos ajustada), esta resulta da opção do professor sobre o que ensinar, como organizar a aprendizagem e como avaliar os resultados. Por este motivo, o que diferencia a gestão curricular “é a natureza da opção, os níveis de decisão e os papéis dos atores (professores) envolvidos” (Roldão, 1999, p.13). Daí a importância de caracterizar e de identificar a natureza das suas decisões e das opções que realizam, ou seja, compreender as concepções (e as práticas) dos professores que, no interesse deste estudo, ensinam dança na escola do 3.º CEB à luz da reconceptualização da gestão flexível do currículo.

O reforço da perspetiva socio construtivista na gestão curricular implica um sólido conhecimento das orientações curriculares (gerais e específicas) de uma disciplina, pelo que os professores que ensinam Dança não se dedicam exclusivamente à tarefa didática de

fazer aprender, esperando-se deles um papel decisivo, participativo e reflexivo das suas

práticas.

Na visão sistémica que subjaz ao currículo, a escola é projetada para a comunidade (e vice- versa), assim como acontece com o aluno na condição de cidadão ativo, cabendo-lhe agir

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de forma crítica e responsável numa sociedade cada vez mais complexa e em permanente mudança. A formação pessoal e social é transversal a todas as disciplinas (curriculares e não curriculares) que se complementam na resposta efetiva ao desafio da educação integral do aluno. Nessa linha, espera-se que a monitorização da construção do seu conhecimento seja realizada harmoniosamente com os professores dos diversos ciclos de ensino (articulação vertical) e das diferentes áreas disciplinares (articulação horizontal), dando sentido a uma “matriz curricular integradora” (Pires, 1993). Neste processo a melhoria da qualidade do desenvolvimento curricular encontra-se dependente do desenvolvimento profissional do professor (Alarcão & Roldão, 2008) e a escola assume-se como centro mediador (e decisor) de aprendizagens ajustadas à formação integral do aluno.

A dinâmica processual permite perceber a não disjunção entre a teoria e a prática, permeando as diretrizes políticas e os princípios psicopedagógicos do sistema de ensino (nível macro), as prioridades e as necessidades mapeadas no Projeto Educativo da Escola/Projeto Educativo de Agrupamento (nível meso) em intenções educativas do docente (nível micro) circunscritas nos objetivos, conteúdos, estratégias metodológicas e avaliação das aprendizagens. Gaspar e Roldão (2007) entendem que o professor ao planificar uma aula articula os três níveis descritos no quadro de gestão curricular de um sistema de ensino organizado:

O nível macro respeitante aos níveis de decisão dos sistemas quanto ao currículo para toda uma sociedade ou comunidade, o nível meso que diz respeito às decisões no plano da instituição curricular e o nível micro que se refere às decisões no plano da situação concreta em que ocorre a ação curricular, a aula ou outro contexto interativo de aprendizagem curricular (p.77).

O nível micro corresponde à fase mais autónoma do professor, em que este elabora a planificação de lecionação, os conteúdos a desenvolver e as estratégias mais ajustadas, de acordo a uma prévia avaliação diagnóstica inicial em que são identificados os conhecimentos, as necessidades e prioridades dos alunos.

Na Figura 1 exemplifica-se a interatividade dos três níveis de gestão curricular no ato educativo.

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Figura 1 Enquadramento do ato educativo na visão integrada do currículo

Deste modo, pretende-se representar a dinâmica interativa da prática educativa da Dança (ato educativo ou praxis) nos diferentes níveis de concretização, enfatizando o papel do professor, o qual reflete a sua prática escolar (reflexão ou perceção pessoal) numa dimensão didática (sala de aula) e institucional (escola).

Na senda do CNEB (2001), a DGIDC publicou as “Metas de Aprendizagem” (2010), instrumento de apoio ao trabalho quotidiano do professor sem caráter normativo, que integraram a Estratégia Global de Desenvolvimento do Currículo23. No entanto, com a mudança governamental, as metas de aprendizagem foram reformuladas, passando a ser designadas de “Metas Curriculares”. O Despacho n.º 17169/2011 prevê, assim, que o CNEB (2001) deixe de constituir uma referência para os documentos oficiais do Ministério de Educação e Ciência, “nomeadamente para os programas, metas de aprendizagem, provas e exames nacionais”.

Neste novo contexto, as metas curriculares indicam as aprendizagens essenciais a realizar pelos alunos (em cada disciplina e por ano de escolaridade), sendo um documento de utilização obrigatória a partir do ano letivo de 2013/2014. Conjuntamente com os programas atuais de cada disciplina, as metas constituem referências fundamentais para o desenvolvimento do ensino, clarificando o que se deve eleger como prioridade, definindo

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Perante alguma desorganização curricular, as metas de aprendizagem visariam clarificar a globalidade das prescrições e das orientações curriculares propostas pelo CNEB (2001), assegurando o Programa de Educação até 2015 (Parecer n.º 2/2011).

Nível Macro - Administrção central

legislação educativa, principios orientadores, Currículo Nacional, Programas, Metas

curriculares e normativos.

Nível Micro

Decisões do professor sobre a sua turma - ação de ensinar

[fazer aprender] nas

situações quotidianas.

Nível Meso - a)escola/comunidade - b) intra-

escola

Decisões dos Órgãos de Gestão, Conselho Pedagógico, Conselho

de Turma, Departamentos curriculares, Grupos disciplinares e outros grupos

para conceptualizar, implementar e avaliar o PEE;

PCE; PCT A T O E D U C A T I V O

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os conhecimentos a adquirir e as capacidades a desenvolver pelos alunos (Despacho n.º 5306/2012). Todavia, como as metas curriculares da disciplina de EF não foram publicadas, retomam-se as metas de aprendizagem de Educação Física que definem as competências para a área da Dança:

A Dança surge ao longo do curso de Educação Física, pois o tratamento desta área, tão importante, deve permitir uma progressão da qualidade de prática e dos seus efeitos, de acordo com as possibilidades dos alunos na composição, na interpretação (técnica) e na apreciação. Essas possibilidades são suscitadas pelo desenvolvimento global do aluno, para o qual a Dança deve também contribuir, pois inclui uma variedade de atividades acessíveis, quanto aos recursos necessários, e de amplo significado para a sensibilidade dos alunos (Metas de Aprendizagem, 2010, p.30).

Quanto à área curricular de EA, cabe referir que não foram elaboradas nem as metas de aprendizagem (nomeadamente para a Dança), nem as respetivas metas curriculares para o 3.º CEB.

Para Carvalho (2006), a gestão curricular pode promover práticas interdisciplinares e transversais ao processo de ensino e de aprendizagem nas diversas áreas curriculares, favorecendo a adequação ao pluralismo e à diversidade cultural, reorientando-se e melhorando as intenções educativas e o processo de investigação em situação. A conectividade e a dependência dos três níveis de articulação (micro, meso e macro) contribuem para a reconceptualização do currículo, a retroalimentação das intenções e das práticas escolares, configurando um projeto sempre em aberto e potenciador da inovação curricular.

Na reflexão da prática (sobre o que é planeado, elaborado e transformado) declinam-se as concepções educativas do professor, revelando a valoração, a importância e o sentido pedagógico que imprime à promoção da Dança escolar. Deste modo, Carreiro da Costa (2005) afirma: “(…) recent studies on the teacher’s thoughts and actions also prove what

we observe in general education: Their practice (planning and interactive teaching) is influenced by their beliefs, values and expectations” (p.262).

As particularidades da Dança determinam a sua inclusão numa área curricular disciplinar (EF e EA) ou não disciplinar (ARE), as quais, do ponto de vista organizacional, integram o Departamento de Expressões da Escola, pelo que, nos pontos seguintes, descrever-se-á

37 cada uma delas.

No nível macrossistémico destacam-se os princípios da LBSE (1986, 2005) e a subsequente produção legislativa emanada pelo Ministério de Educação (Currículo Nacional, Programas, Metas de Aprendizagem). No nível mesossistémico poder-se-á referir que o ensino da Dança na escola estará dependente das diretrizes do PEE e/ou PEA e do PCE e/ou PCA, nestes se incluindo o próprio Projeto de Educação Física24 (PEF) e cujas intenções educativas valorizem a Educação Física na formação dos jovens, bem como as condições para que os seus objetivos e as suas finalidades sejam (também) partilhadas pelos órgãos de gestão e de coordenação pedagógica e, sobretudo, pela comunidade educativa.

No que diz respeito ao processo de análise, de planificação e de avaliação desta área curricular, a atuação do grupo de Educação Artística será similar à do Grupo de EF. Quanto à modalidade de ARE (DE), as Orientações Gerais do Programa Nacional do Desporto Escolar (2007/2009; 2009/2013), indicam que a Dança se insere na lógica da gestão flexível do currículo, supondo-se que o Projeto do Desporto Escolar seja transversal, interdisciplinar e operacionalizado em complementaridade com a disciplina curricular de EF (em articulação vertical e horizontal). Deste modo:

A atividade interna e externa do Desporto Escolar é de oferta obrigatória em todas as escolas e terá de fazer parte do seu projeto pedagógico. Trata-se de um direito que todos os alunos têm à prática da atividade física e do desporto, como forma de complementar a sua formação integral como cidadãos (Orientações Gerais do Programa Nacional do Desporto Escolar, 2009/2013, p. 9).

Assim, a função social, cultural e educativa do Programa de Desporto Escolar é concretizado sob a forma do Projeto do Desporto Escolar da Escola, no qual se desenvolve a ação por meio de Atividades Desportivas de diferentes modalidades competitivas (com quadro competitivo interescolar), de exibição (sem quadro competitivo, de demonstração

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O Projeto de Educação Física constitui-se como referência fundamental para a orientação e a organização do trabalho dos professores (plurianual e anualmente). As decisões tomadas pelo Departamento de EF referem-se a) ao currículo dos alunos (coordenação entre escolas do agrupamento e a otimização dos processos e dos efeitos das atividades físicas curriculares [incluir no currículo de EF matérias alternativas, de acordo com as características da população escolar, o meio onde a escola se insere e os recursos disponíveis na comunidade educativa]) e de complemento curricular, assim como a gestão e o aproveitamento dos recursos, permitindo aumentar a coerência no percurso educativo dos alunos; b) às decisões ao nível dos recursos temporais e espaciais; c) às decisões ao nível dos recursos materiais e d) às decisões ao nível dos recursos humanos: necessidade de formação contínua de professores ajustadas às necessidades e às prioridades identificadas, valorizando a formação recíproca, nomeadamente através da promoção de encontros de apresentação e de análise de experiências pedagógicas significativas. Este plano de formação deverá constituir-se como um instrumento de intervenção quer junto dos Centros de Formação, influenciando decisões e práticas, quer nos Conselhos Pedagógicos, quer no s Grupos de EF.

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e/ou de exibição) e de projetos especiais (inseridos nos objetivos gerais e específicos do PEE /PEA).

O projeto do DE (com duração de quatro anos) em cada estabelecimento de ensino/Agrupamento de Escolas é assumido pelo Órgão de Direção e Gestão da escola, sendo os professores de EF os dinamizadores das atividades físico desportivas externas (atividades interescolares competitivas [Campeonatos] e das atividades não competitivas [convívios e encontros]) e das atividades físico desportivas internas (consecução do PAA desenvolvido pelo Grupo de EF, de projetos especiais e de outras atividades para a população escolar que não se revêm nas modalidades competitivas e/ou tradicionais). Para efeito, a cada escola é atribuído um crédito horário de componente letiva a ser distribuído pelos professores dinamizadores das diferentes modalidades oferecidas no Projeto da sua instituição, perspetivado, sobretudo, como instrumento de inclusão escolar. Nesta linha, segundo as Orientações Gerais do DE (2009-2013) as preocupações principais dever-se-ão centrar nos aprendentes, de preferência dos escalões etários mais baixos, devendo a atividade externa ser o reflexo da dinâmica do trabalho desenvolvido na atividade interna. Subsequentemente, num nível microssistémico, o professor de ARE do DE deverá promover o desenvolvimento de capacidades, o aperfeiçoamento de competências, bem como a atualização e o aprofundamento de conhecimentos na vertente teórica e prática de modalidade ou disciplina desportiva. No entanto, para lecionar ARE (no projeto do DE) é necessário que o professor de EF tenha competência profissional para assumir a função (por autoproposta e/ou pela necessidade de se manter algum projeto existente na escola), pelo que se julga imprescindível a sua sensibilidade para o ensino da Dança. A propósito, Gonçalves (2007) demonstra, através de um estudo levado a cabo na Coordenação Educativa do Porto, que são estes docentes que mais participam em manifestações artísticas e culturais (ler revistas, jornais e dançar).

No Quadro 2 sintetiza-se a reconceptualização da Dança na visão integrada do currículo, referindo-se os seus níveis de concretização nas diferentes áreas (EF, EA e ARE do DE).

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Quadro 2 Integração e reconceptualização da Dança no 3.º ciclo do Ensino Básico

Níveis de concretização Curricular

Área de Educação Física

Área de Educação Artística

Atividades Rítmicas e Expressivas do Desporto Escolar Nível macro - Finalidade e princípios educativos - PNEF (2001) e metas de aprendizagem - Finalidade e princípios educativos - Programa Curricular de EA:

Orientações Curriculares de Dança - Orientações Gerais do Programa DE -Regulamento Específico ARE Nível meso Projetos Institucionais

Projeto Educação Física decidido pelo Grupo

disciplinar.

Projeto Educação Artística decidido pelo Grupo de professores ou pelo professor de

EA titular.

Projeto de Desporto Escolar que faz parte do

Projeto de EF.

Projeto Curricular Educativo; Projeto Educativo Escola; Projeto Curricular de Turma decidido pelo conjunto de professores titulares de uma turma

Departamento de Expressões Nível micro Professor-Alunos- Escola -Decisões do professor de EF. -Envolvimento do professor em projetos escolares interdisciplinares existentes/ novas propostas

- Decisões do professor de EA- Dança. - Envolvimento do professor em projetos escolares interdisciplinares existentes/ novas propostas -Aulas de ARE -Envolvimento em dinamização interna e externa