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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 1 A DANÇA NO CONTEXTOURRICULAR PORTUGUÊS

1.6 A transdisciplinaridade da Dança na escola

No discurso pedagógico, a transdisciplinaridade permite percecionar a realidade através de uma visão mais integrada, criativa e ativa, pelo que Kassing e Jay (2003) defendem que a Dança pode ser considerada uma disciplina transdisciplinar. Para os autores, esta alicerça- se num conhecimento de conteúdo próprio (assente em saberes, princípios e teorias científicas) e num conhecimento pedagógico especializado, os quais podem ser articulados com outras áreas curriculares e com as questões sociais emergentes, possibilitando o diálogo sobre aspetos e/ou fenómenos do mundo. Esta comunicação permite aludir aos saberes disciplinares percebidos para além de uma visão redutora e hierárquica entre disciplinas, permitindo integrar diferentes pontos de vista e admitindo a diversidade de dimensões que os compõem (Callafell & Bonil, 2007). Para Marques (2010), torna-se relevante refletir sobre o papel educativo da Dança no contexto sociocultural e a forma de articulá-la com as outras áreas disciplinares. Aliás, este é um objetivo para Victorino

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(2001) ao elaborar as orientações curriculares de Dança para o 3.º CEB.

Neste ponto, julgamos estar perante um novo paradigma que é o de fazer e construir uma educação mais humanizada, social e ecológica que, segundo De La Torre (2007), procure um renovado modelo de desenvolvimento pessoal, social, relacional e vital.

No nosso entender, o professor de Dança, como qualquer outro professor de outra área curricular, deverá ser um profissional que possua competência básica de entender a vida numa visão integral, criativa e ativa. Particularidades como o conhecimento de conteúdo, o conhecimento didático e o conhecimento pedagógico serão imprescindíveis para fazer aprender Dança num determinado contexto de forma articulada e integrada. Assim, a Dança pode constituir-se, dualmente, como meio (processo) e como fim (produto) através da mediação da unidade do movimento e do pensamento, promovendo o desenvolvimento cognitivo, desejavelmente extensível à melhoria do desempenho académico do aluno (Bamdorf, 2006). Não se trata de vaticinar as linhas da Educação pelo Movimento29, centradas nos aspetos corporais e mentais, para a melhoria de áreas mais científicas, mas de, paralelamente, estimular o domínio do movimento à prática de Dança como atividade criadora e como forma, linguagem e estilo. Também, não se trata de pensar que fazendo

Dança (como forma de arte) trabalha-se a visão integrada, criativa e ativa da sua

transdisciplinaridade, como se de uma causa e efeito se trata-se. É importante esclarecer, conforme Lowenfeld (1970), que nem sempre o desenvolvimento de aptidões e de competências em arte se relaciona com a promoção da criatividade, a menos que determinados fatores (como o ambiente psicológico, os valores sociais e as atitudes do aluno em relação a si próprio e aos outros) estejam assegurados.

Martinelli, Barbato e Mitjáns (2004) também sustentam que nem sempre o ensino da Dança promove o desenvolvimento criativo. Num estudo qualitativo, estas autoras, baseando-se no legado da psicologia do desenvolvimento e da criatividade, tentaram analisar as implicações do seu ensino no comportamento criativo dos alunos, concluindo que o modo como a dança é ensinada influencia o desenvolvimento de técnicas, de habilidades específicas e da atividade criadora do aprendente. É nesta linha que se defende a promoção da criatividade30 nos processos de fazer/compor Dança no cenário educativo, diferenciando-se das aulas concentradas apenas na transmissão de técnica.

29 Abordagem da psicomotricidade representada por Le Boulch (1987) que considera que o ato motor está associada a uma

atividade mental, operando-se através do movimento, da aquisição do esquema corporal e do desenvolvimento cognitivo. Ou seja, trata-se da submissão do movimento às aprendizagens escolares em nome do desenvolvimento bio -psico-social e afetivo da criança.

30 Segundo Lowenfeld (1970) a criatividade está relacionada com a capacidade de raciocino, pensamento divergente e com o

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A atividade criadora é encarada por Vygotsky (1982) como “toda realização humana criadora de algo novo, quer se trate de reflexos de algum objeto do mundo exterior, quer de determinadas construções do cérebro ou do sentimento, que vivem e se manifestam apenas no próprio ser humano” (p.7). Segundo Japiassu (2007), na teoria de Vigotsky existem dois tipos básicos de impulsos na conduta humana: (1) o impulso reprodutor ou reprodutivo e (2) o impulso criador. O primeiro está estreitamente vinculado à memória e o segundo intimamente relacionado com a imaginação. A importância do impulso criador/atividade criadora ou imaginação/fantasia faz com que a espécie humana possa projetar-se no futuro, transformando a realidade e modificando o presente. A propósito, Vygotsky (1982) explica que a Psicologia atribui a estas ideias um significado diferente daquele que o senso comum empresta. Geralmente, a imaginação e a fantasia estão associadas a uma certa irrealidade, carecendo de valor prático. No entanto, a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se em todas as dimensões da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica. Daí que para Vygotsky (1982), tudo o que nos rodeia e que foi criado pelo Homem é produto da sua imaginação como resultado de uma interação com o mundo: “todos os objetos da vida diária, sem excluir os mais simples e habituais, são a fantasia cristalizada” (p.10).

A representação quotidiana da criatividade não encaixa suficientemente no senso científico, sendo concebida como propriedade privada de poucos eleitos (génios, talentosos, artistas, inventores e cientistas). Contudo, na obra de De La Torre (2007) depreende-se que a criatividade não é um acaso divino ou simples determinação biológica para poucos, ela pode e deve ser trabalhada – para todos – ao longo do processo educativo. Consequentemente entende-se que a transversalidade da Dança poderá desempenhar um importante papel na estimulação do processo de criação de todos os alunos inseridos na escola.

Para uma efetiva transversalidade da Dança na escola, Kassing e Jay (2003) correlacionam as atuais teorias de aprendizagem com a visão educativa para este novo milénio, defendendo as seguintes estratégias de ensino da Dança:

 Aprendizagem sensorial – ativa principalmente os sentidos cinestésico, visual e auditivo para processar a informação motora.

 Aprendizagem centrada no aluno – o professor elabora projetos para implicar o aluno no processo de ensino e de aprendizagem.

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 Aprendizagem individualizada – ensino diferenciado, respeitando a individualidade e necessidade de cada aluno.

 Capacidade de pensamento crítico – o aluno aprende a usar a cognição para analisar, sintetizar e avaliar, tornando-se criativo na resolução de tarefas atribuídas no projeto coreográfico.

 Capacidade metacognitiva – incentiva o pensamento em voz alta, chuva de ideias para planificar e solucionar situações problemáticas e desenvolvendo um repertório de processos de pensamento, de compreensão aprofundada sobre os estilos de Dança, de resolução de problemas coreográficos e de capacidade de comunicação no processo de ensino.

 Teoria das inteligências múltiplas31

– através da Dança potencia-se a inteligência corporal-cinestésica, espacial, musical, interpessoal, intrapessoal e, inclusive, são suporte para as aquisições lógico-matemáticas, linguísticas e naturalistas.

 Inteligência emocional – a aula de Dança é um laboratório de interação humano, chamando-se a atenção para a implementação de estratégias que promovam a capacidade de identificar os próprios sentimentos e os dos outros, de nos motivarmos e de gerir bem as emoções. Esta relação pedagógica é fundamental e dela poderá depender a recetividade e a participação dos alunos em atividades alargadas ao palco ou a outro tipo de apresentações.

 Inteligência todos os dias – estratégia geral que perspetiva a Dança numa tríade: (i) aprendizagem experiencial ou vivida através da participação ativa do aluno que acede a novas formas de conhecimento (diferentes temáticas numa abordagem interdisciplinar, integrada e interrelacionada com as artes) pela exploração do movimento (Dança), utilizando os sentidos cinestésico, auditivo e visual; (ii) aprendizagem contextual em que o aluno fica imerso numa determinada situação real ou problemática com o objetivo de solucioná-la, exercitando a capacidade de intuição e (iii) aprendizagem através da pesquisa ativa para a resolução de problemas, refinando-se novas formas de ensinar e de aprender Dança.

 Princípios do cérebro e da mente – estratégia dinâmica para a aquisição e para a construção de conhecimento que visa, para além da compreensão intelectual, uma

31 Gardner (1993) defende a existência de outras formas de inteligência como a inteligência corporal, inteligência musical,

inteligência espacial, inteligência lógico -matemática, inteligência linguística, inteligência interpessoal e inteligência natural, contrapondo-se ao conceito tradicional de inteligência medida através da capacidade verbal e matemática.

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aprendizagem significativa advinda da própria experiência, envolvimento social, contextual, emocional, intelectual e espiritual do aprendente.

Conclui-se assim que há uma multiplicidade de possibilidades na vivência e no conhecimento da Dança, que potenciam a formação integral do aluno, ao centrarem-se em aprendizagens significativas através de Dança contextualizada com a vida escolar e comprometida com seu redor social.

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