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2 – O CONTEXTO DESSA PESQUISA

2.3 A REDE DE ENFRENTAMENTO

É nesse contexto que é criada a rede de enfrentamento à violência contra a mulher. Idealizada tendo em vista a complexidade e o caráter multidimensional do tema, a rede envolve áreas como saúde, educação, segurança pública, assistência social, justiça, cultura, entre outros (SPM, 2011).

Ela está prevista na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em quatro eixos de ação (combate, prevenção, assistência e garantia de direitos) e no I e II Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (SPM, 2011).

É preciso destacar que, até a promulgação da Lei Maria da Penha, a atuação governamental se resumia ao atendimento via Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e ao encaminhamento das mulheres às Casas Abrigo1 (SPM, 2013).

Posteriormente, a rede foi redimensionada para compreender não só serviços institucionais, centros de referência da mulher, defensorias e promotorias da mulher, núcleos de gênero nos Ministérios Públicos, juizados especializados, Central de Atendimento à Mulher, mas também outros agentes governamentais e não-governamentais, como ONGs, movimento de mulheres, universidades, serviços e programas para a responsabilização dos agressores e para acolhimento das mulheres. (SPM, 2011)

A rede é marcada, portanto, pela multiplicidade de serviços e de instituições. Todavia, para que o enfrentamento da violência se efetive, é importante que serviços e instituições atuem de forma articulada e integrada. “A perspectiva da intersetorialidade representa, portanto, um desafio na medida em que depende de uma ruptura com o modelo tradicional de gestão pública, que tende à departamentalização, à desarticulação e à setorialização das ações e das políticas públicas” (SPM, 2011).

O sistema de Justiça2 é um dos envolvidos e suas ações perpassam, em diversos sentidos, os elementos dessa rede. Para apreender melhor essa interação, é necessário conhecer como funciona o processo na Justiça.

1 Abrigos mantidos pelo Estado para acolher mulheres em situação de extrema vulnerabilidade. 2 Conforme preceitua SADEK, o sistema de justiça envolve diferentes agentes: o advogado, pago ou público; o delegado de polícia; funcionários de cartório; o promotor público, os juízes. (SADEK, 2010, p. 1)

17 2.4 PARA ENTENDER O PROCESSO JUDICIAL DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Dentre as instituições públicas envolvidas na questão da violência contra a mulher, estão o Poder Judiciário, por meio dos tribunais de Justiça, o Poder Executivo, responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas que abarcam o tema, e o Ministério Público e a Advocacia (pública ou privada). Os dois últimos compõem as chamadas funções essenciais à Justiça e são responsáveis, nesse caso em específico, respectivamente, por acusar e defender o agressor nos processos de violência doméstica, os quais podem gerar três tipos de ações:

potencial ofensivo ou contravenções penais (ações reprimíveis, mas mais “leves”, não chegam a configurar um crime). É atribuição do Ministério Público, que é o autor, o responsável pela ação, mas depende do interesse da vítima em prosseguir com o processo. Os casos mais comuns são ameaça, vias de fato (quando há agressão, mas sem grandes danos físicos à vítima) e o crime de dano (quando o agressor retém ou danifica algum bem patrimonial da mulher)

configurar crime de maior potencial ofensivo, não depende na anuência da vítima para ter continuidade no sistema de Justiça. São exemplos: lesão corporal e estupro de vulnerável.

pública ou privada. Nesse caso, não será o MP a oferecer a ação. É o caso de injúria, por exemplo. Se a vítima não for atrás, e achar meios para promover a ação, em seis meses o crime está prescrito.

Figura 4: Tipos de Ação Penal

18 O processo judicial de violência doméstica tem início quando a vítima se direciona a uma delegacia de polícia para fazer a notícia crime, que é o boletim de ocorrência. Isso também pode se dar por meio de manifestação anônima. Se por algum motivo ela não conseguir atendimento em uma delegacia, pode procurar diretamente o Ministério Público. Independentemente da via, seja Ministério Público, seja delegacia de polícia, essa ocorrência é encaminhada para o Tribunal de Justiça com o relato do fato e com a informação, quando houver, de prisão em flagrante. Também nessa ocorrência, poderão ser pedidas as chamadas medidas protetivas de urgência, que é quando a mulher solicita ações imediatas de defesa. Sobre esse recurso, a Lei Maria da Penha estabelece:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n o 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. (BRASIL, 2006)

Nesse caso, o TJDFT tem 48 horas para deferir ou indeferir o pedido. Isso ocorre inclusive aos fins de semana, quando o Tribunal funciona de plantão. Após a decisão do tribunal, independentemente se é pelo deferimento ou pelo indeferimento do pedido, é realizada a intimação dos envolvidos e, dependendo do juiz e do trabalho realizado pela vara, já é marcada uma primeira audiência. Essa primeira audiência é chamada de audiência de justificação, em que será avaliada a continuidade da medida protetiva ou a própria concessão, nas situações em que ela não tenha sido conferida à vítima anteriormente. Além disso, é o momento de a mulher se manifestar a respeito do prosseguimento ou não da ação. Isso porque, normalmente em casos dessa natureza, o que ocorre é uma ação penal pública, em que o responsável pelo processo é o Ministério Público. Ele que é o autor da ação, aquele que a provoca, a vítima é uma testemunha. A Lei Maria da Penha prevê a participação de agressores em grupos de reflexão como uma das medidas para reeducação desses homens. Para muitos operadores do Direito, no entanto, a participação no grupo pode ser mais proveitosa se o encaminhamento para o serviço ocorrer ainda nas fases preliminares. Como a lei não especifica formas, critérios, ou momento

19 processual do encaminhamento, isso acaba acontecendo por uma espécie arranjo processual conduzido pelo Ministério Público e referendado pela Justiça. Normalmente isso é feito nas audiências iniciais ou no julgamento de medidas protetivas.