• Nenhum resultado encontrado

2 – O CONTEXTO DESSA PESQUISA

2.5 SOBRE A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

O instituto da suspensão condicional do processo veio com a Lei nº 9099/95, que trata dos crimes de menor potencial ofensivo, aqueles cuja pena cominada é de até dois anos e que, por isso, o legislador procurou tornar mais célere a apuração e menor a carcerização. Essa lei permite que o processo fique suspenso por determinado período de tempo e seja arquivado se o autor não incidir novamente na infração. Para isso, deve haver o cumprimento de penas alternativas e/ou alguma contraprestação social por parte do autor. Alguns operadores do Direito consideram a aplicação da suspensão condicional, ou o sursis, do processo benéfica nos casos de violência doméstica. Isso porque ela tem o condão de manter sobre controle o autor da violência doméstica durante um tempo mínimo de dois anos. Nesse contexto, inclusive, os agressores poderiam ser encaminhados a grupos de reflexão, como já dito, mecanismo de reeducação previsto na Lei Maria da Penha. Ocorre que a mesma LMP proíbe a aplicação da Lei nº 9099/95, devido, em grande parte, do interesse em afastar a doação de cestas básicas como punição para a violência doméstica. No Distrito Federal, a suspensão do processo era amplamente utilizada até pouco tempo, como identificado nesta pesquisa. Em outros estados, aplicou-se a literalidade da LMP que veda a aplicação da 9099/95 em casos de violência doméstica. Fatalmente o assunto foi levado ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, que se posicionaram de forma definitiva contra a utilização da suspensão em casos que envolvam a Lei Maria da Penha.

Ao analisar modelos de enfrentamento à violência de gênero no Brasil e em quatro países europeus (França, Portugal, Espanha e Inglaterra), Ávila et al (2014, p. 392) assinala:

De forma dissociada das tendências de todos os países estudados, o sistema brasileiro caminha para a institucionalização de todos os conflitos num processo penal que demanda investigação exauriente, acusação formal, oitiva de todas as testemunhas em juízo (usualmente necessitando da colaboração da vítima em juízo), debates, sentença, e exaurimento dos recursos, para apenas na fase de execução penal se iniciar algum tipo de intervenção de caráter obrigatório sobre o agressor. É certo que existem projetos no Brasil de intervenção sobre o agressor em fases preliminares, sejam relativizando a proibição de acordos processuais (como a suspensão condicional do processo) sinalizada pelo STF no julgamento da ADIN 4424, seja utilizando-se de outros instrumentos como as medidas protetivas de urgência ou outras medidas

20 cautelares alternativas (numa possível brecha à luz do art. 22, § 1º, da Lei n. 11.340/2006). Todavia, esses projetos não estão institucionalizados na lei, especialmente não há a motivação inerente ao acordo (ter algo a ganhar com o cumprimento da medida), nem se prevê consequências objetivas para seu descumprimento.

Essa fase preliminar citada acima acontece paralelamente ao inquérito, ou seja, à investigação, ou junção de provas, que continua correndo no âmbito da delegacia de polícia. Somente quando concluído, o inquérito é encaminhado ao Ministério Público que, com base nele, oferece denúncia, ou seja, acusa o agressor para que a Justiça o julgue. Se o Judiciário aceitar a denúncia oferecida pelo MPDFT, o agressor passa a ser réu e existe, contra ele, uma ação judicial. O julgamento do processo ocorre na audiência de instrução, ou seja, a que vai embasar a decisão do juiz. Nesse momento, são ouvidas vítimas, réus e testemunhas (tanto as de acusação, do Ministério Público, quanto de defesa, indicadas pela defesa). Ouvidos os envolvidos, o juiz julga e sentencia o autor.

Nos casos em que é necessária a manifestação da vítima para prosseguimento do processo, ela pode solicitar ao Ministério Público, a qualquer tempo, a suspensão da medida protetiva e o arquivamento do processo. Nesse caso o MP pede a chamada audiência de admoestação. Isso porque a Lei Maria da Penha, no artigo 19, diz que o processo só pode ser arquivado com a manifestação da vítima na presença de um juiz.

Os motivos relacionados à permanência da vítima na relação violenta e a renúncia à representação da agressão sofrida são muitos e devem ser considerados seriamente. Fatores como a dependência econômica e emocional, ameaças de morte feitas à vítima e/ou outros entes queridos, além de aspectos religiosos e culturais interferem e contribuem para a renúncia à representação. Além disso, muitas vezes a mulher agredida busca com sua denúncia não a punição do seu companheiro, mas uma intervenção externa que ponha fim às violências, geralmente recorrentes (AGUIAR, 2009, p. 33)

Desse modo, o processo judicial padrão da Lei Maria da Penha pode ser assim sintetizado: Figura 5: Fases do processo judicial

21 2.6 – SOBRE OS GRUPOS REFLEXIVOS DE AGRESSORES

Diante desse panorama, é possível perceber que grupos de reflexão dos agressores são, portanto, uma importante ferramenta para a solução mais eficaz e célere da situação.

Grupos com homens autores de violência conjugal podem ser uma importante estratégia de intervenção quando favorecem a abertura para a reflexão e a possibilidade de flexibilização das concepções dos participantes. O contexto de aprendizado em um formato reflexivo favoreceu o questionamento sobre as suas visões de mundo, a ressignificação dos seus atos violentos e a diversificação das suas concepções sobre as identidades de gênero. (AGUIAR, 2009, p.149)

A ferramenta também é utilizada por outros países no mundo, com casos de sucesso, como explicam Ávila et al (2009, p. 388):

Outra estratégia identificada de forma comum foi a admissão da intervenção psicossocial sobre o agressor como uma estratégia de responsabilização e de proteção à mulher. Tal modalidade de intervenção é prevista no artigo 16.1 da Convenção de Istambul. A identificação dessa estratégia sinaliza a relevância de que, também no Brasil, a intervenção psicossocial sobre o agressor passe a ser perspectivada como um dos elementos de uma política de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher e não como um mero adendo de responsabilidade do sistema penitenciário.

A despeito disso, esses grupos não são muitos no Brasil. O Distrito Federal é a única unidade da federação em que o serviço é uma política pública promovida pelo Executivo local. Em outros estados até existem serviços semelhantes, mas eles são realizados normalmente por ONGs e outras entidades da sociedade civil, de modo que é até difícil calcular quantos são ou avaliá-los de forma coesa.

Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei3 que altera a Lei Maria da Penha para que haja o encaminhamento para grupos de educação e reflexão, ainda nas fases iniciais do processo judicial, como na solicitação de medidas protetivas de segurança da mulher.

No Distrito Federal foi criado, em 2003, o Núcleo de Atendimento à Família e Autores de Violência Doméstica (Nafavd) para atender mulheres recém-saídas da Casa Abrigo (AGUIAR, 2009, p.56).

A experiência em grupo para homens foi desenvolvida diante dos desafios encontrados durante os atendimentos individuais (AGUIAR, 2009, p.56). O primeiro encontro grupal com agressores foi promovido em Samambaia ainda em 2003. Hoje esses núcleos existem em nove regiões administrativas: Brasília, Brazlândia, Gama, Taguatinga, Paranoá, Planaltina,

22 Samambaia, Santa Maria e Sobradinho. Estão instalados em espaços que foram cedidos pelo MPDFT após assinatura de termo de cooperação técnica. Os acompanhamentos têm duração de 3 a 4 meses. São realizados de 9 a 12 encontros com os homens, que são encaminhados pelo sistema de Justiça. A proposta é reflexiva e pedagógica com o objetivo de promover a responsabilização e a consciência da violência que cometeram. Os encontros são temáticos, ou seja, em cada reunião um assunto é abordado. No final dos encontros, há um feedback do atendimento, com a percepção dos participantes, chamada devolutiva.

O Ministério Público do DF e o Tribunal de Justiça do DF têm projetos semelhantes. No MPDFT existe, na promotoria de Brazlândia, o projeto Tardes de Reflexão. As reuniões são realizadas em dias diferentes para autores e vítimas, que podem relatar seus casos e tirar dúvidas processuais. Ao final de cada reunião, os presentes participam de um debate e respondem a uma enquete sobre o tema e a atuação da Justiça. Desde o início do projeto, em 2009, já foram acolhidos mais de 656 homens.

Relatório elaborado pela Promotoria de Justiça da região aponta dados relevantes. Com base na lista de presença das reuniões e em consulta realizada no Sistema de Controle e Acompanhamento de Feitos e Requerimentos, verificou-se que a taxa de reincidência dos que foram às reuniões em 2011 foi de 13,73%, enquanto a dos que não compareceram foi de 25,24%. Já em 2012, dos 77 homens que frequentaram os encontros, 87,01% não se envolveram em novos episódios de violência doméstica4.

O TJDFT tem dois projetos nesse sentido, que funcionam de forma paralela. Um é realizado pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Distrito Federal (Centro Judiciário da Mulher - CJM). No CJM o atendimento é feito apenas com homens e tem caráter consultivo, para embasar decisões da Justiça. São cinco encontros que abordam a Lei Maria da Penha, autorresponsabilização, sistema de crenças, mitos e verdades sobre a questão. Os agressores são encaminhados pelo juiz, que opta discricionariamente por conduzir o agressor aos encontros. Atualmente doze juizados utilizam o serviço, que existe há cerca de dois anos no Tribunal5.

O outro projeto do TJDFT é realizado pela Secretaria Psicossocial do órgão, que trabalha com grupos mistos em que agressores e respectivas vítimas são atendidos em dias diferentes. Nesse caso, são no máximo três encontros e as pessoas também são encaminhadas discricionariamente

4 Disponível www.mpdft.mp.br

23 pelo juiz. O trabalho existe desde 2007, mas só atende quatro juizados: Águas Claras, Taguatinga, Planaltina e Ceilândia.

Com relação às mulheres, o atendimento multidisciplinar com acolhimento psicossocial às vítimas nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher está positivado na Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006). Tanto o Tribunal de Justiça quanto o Ministério Público possuem setores que auxiliam nesse atendimento, integrados comumente por psicólogos e assistentes sociais. Em alguns casos, tais equipes realizam encontros coletivos, uma espécie de acolhimento em grupo, em que são passadas informações e as mulheres podem falar e dividir experiências. Essas sessões auxiliam, por exemplo, na elaboração de relatórios produzidos pelos profissionais do atendimento psicossocial e encaminhados aos promotores ou juízes para embasar atuação no processo.