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A REGULAÇÃO DA POLÍTICA DE MANUAIS ESCOLARES

LINHAS DIRECTRIZES PARA UMA POLÍTICA INTEGRADA DE MANUAIS ESCOLARES

1. A REGULAÇÃO DA POLÍTICA DE MANUAIS ESCOLARES

1.1. Da necessidade de regulação pública da política de manuais escolares

1.1.1. A conjuntura sócio-económica actual exige que esta matéria seja equacionada com realismo e bom senso. Por isso mesmo se entendeu que a preparação de um normativo legal regulador desta questão se deveria basear numa reflexão descomplexada sobre as lições a retirar da intervenção estatal e assentar no estudo e na análise comparativa do papel assumido pelo Estado noutras latitudes, obviamente à luz da actual realidade do nosso país neste campo.

A preocupação do Governo sobre esta matéria levou à publicação do despacho nº 9034/2005, Diário da República (2ª série) de 22 de Abril, que suspende o mecanismo de transmissão de manuais escolares em cadeia, por o considerar inadequado e, simultaneamente, determina “a apresentação, até Outubro de 2005, de uma proposta de enquadramento legislativo sobre manuais escolares”, com o “objectivo de adopção, pelo Governo, de uma política integrada de manuais escolares, tendo em vista garantir a sua qualidade e minorar os encargos que representam para os orçamentos familiares, em especial os das famílias mais carenciadas”.

Através do despacho nº 11 225 (2ª série) publicado no DR de 18 de Maio, foi criado um grupo de trabalho incumbido de “conceber uma proposta de enquadramento legislativo sobre manuais escolares, até 14 de Outubro de 2005” e que “deverá apresentar, até 9 de Junho de 2005, um documento preliminar contendo as grandes linhas da proposta de enquadramento legislativo”

Afigura-se desnecessário salientar que a decisão política a tomar deverá obter o máximo consenso possível, na medida em que a questão dos manuais escolares põe normalmente em confronto uma pluralidade de interesses que importa considerar.

1.1.2. São seguidamente propostas algumas linhas directrizes e princípios orientadores que, na óptica do grupo de trabalho, deverão ser tidos em consideração no desenho da política integrada de manuais escolares e que se configuram como o necessário suporte político, técnico-científico, pedagógico e institucional do enquadramento legislativo. 1.1.3. Uma política integrada de manuais escolares tem de atender a um triplo vector de liberdade:

a) liberdade e autonomia científica e pedagógica na concepção e elaboração dos manuais;

b) liberdade e autonomia científica e pedagógica dos docentes na escolha e na utilização dos manuais escolares;

c) liberdade de mercado e de concorrência na produção, edição e distribuição dos manuais escolares.

1.1.4. A política integrada de manuais escolares assenta nas seguintes linhas estruturadoras:

a) Os manuais escolares devem ser objecto de avaliação regular sendo que a experiência actual revela ser necessária a apreciação prévia da sua qualidade, por comissões de avaliação, com vista a fundamentar a decisão de adopção e a

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correspondente inclusão numa Base de Dados de Manuais Escolares certificados e seleccionáveis por nível de ensino/ano de escolaridade/disciplina;

b) Cabe aos órgãos competentes das escolas e aos docentes – em eventual articulação com outros parceiros designadamente representantes das Associações de Pais e Encarregados de Educação, o Conselho Municipal de Educação e a Direcção Regional de Educação, - seleccionar com plena autonomia, de entre os manuais certificados pelas comissões de avaliação, os manuais escolares para uso nos diferentes anos de escolaridade.

c) A política integrada de manuais implica ainda, uma clarificação do sistema de fixação de preços bem como a definição de instrumentos de apoio para reduzir os custos suportados pelas famílias mais carenciadas com a aquisição de manuais escolares.

d) A política integrada de manuais escolares implica um processo de simplificação dos manuais escolares que deverão ser expurgados de uma multiplicidade de conteúdos e de informações que lhes foram sendo introduzidos nos últimos anos em resultado das mutações operadas na economia, na sociedade e no sistema educativo. Finalmente, importa ter presente que, embora tendendo a voltar a ser instrumentos adequados de uso corrente, os manuais modernos não dispensam o contributo indispensável de outros recursos didácticos designadamente em suporte electrónico.

e) Um outro alicerce da política integrada de manuais escolares prende-se com a necessidade de os manuais escolares constituírem instrumentos de formação e de autoformação dos docentes. É necessário ensinar os professores a escolherem os seus manuais de acordo com critérios objectivos definidos a montante dos interesses do mercado do livro didáctico ou outros.

Investigadores criteriosos apontam a necessidade de se produzirem conjuntos de critérios e de grelhas por disciplina para apoiar a avaliação e a certificação desses materiais como também a sua selecção e escolha fundamentada por parte dos docentes e outro pessoal. Vários peritos recomendam que a “formação para o manual” deve ser incluída na formação dos docentes e ultrapassar as questões puramente didácticas.

1.1.5. A política mais acertada nesta área tenderá a ser, assim, aquela que passa pela tomada em consideração da “legitimidade da intervenção” de cada um dos intervenientes: autores, editores, docentes. É essa interrelação mútua que o Governo deve “regular”, tendo presente o denominador comum de todo o processo: a salvaguarda dos interesses dos alunos e a qualidade da educação. 1.1.6. De qualquer modo, a regulação pública da qualidade dos manuais escolares enquadra-se numa lógica coerente de promoção da estabilidade no sistema educativo, nos programas de estudo, nos manuais educativos, na colocação de professores e na tendência actual para a utilização de uma pluralidade de suportes pedagógicos e científicos no ensino e na formação e não se fará com vista à criação de um livro único ou mesmo de um modelo único de manual recomendável.

1.1.7. Não se veja, pois, no propósito do grupo de trabalho qualquer tentação de retorno a soluções anti-pedagógicas e de pensamento único do passado, mas,

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antes, a legítima e democrática preocupação de elevar os níveis de qualidade da educação, de contribuir para a melhoria do desempenho dos docentes e dos alunos, de não sobrecarregar financeiramente os agregados familiares mais desfavorecidos e de estabilizar o segmento de mercado dos manuais escolares e do livro didáctico em geral.

É neste enquadramento político, económico e social que encontra plena justificação a regulação pública da matéria em apreço através de normativo legal. O Estado não pode eximir-se da sua função reguladora, definindo os grandes parâmetros e regras, garantindo a concertação social dos diferentes interesses, legítimos mas não coincidentes e contribuindo para a autodisciplina do mercado. Aliás, não seria aceitável nesta matéria, nem os cidadãos entenderiam qualquer espécie de subalternização do interesse público.

Com esta medida o Governo limita-se não só a cumprir o prometido, mas também a recuperar e melhorar dispositivos normativos em vigor que nunca foram suficientemente implementados, como é o caso das Comissões de avaliação da qualidade de manuais escolares criadas pelo Decreto-lei n.º 369/90, de 26 de Novembro. De resto, a matéria no seu todo tem sido objecto de abundante legislação como se poderá comprovar da consulta deste documento e respectivo anexo I.

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1.2. Do objecto da regulação: “Manuais escolares”

1.2.1. Contributo para a definição do conceito “manual escolar”

O manual escolar, dada a sua importância efectiva como instrumento de trabalho de alunos e professores tem sido alvo frequente de estudos e dissertações elaboradas por estudiosos nacionais e estrangeiros.

Tradicionalmente concebidos como referenciais básicos de conjuntos de saberes organizados apresentados de acordo com uma progressão rigorosa, estruturados em capítulos e temas, os manuais escolares são chamados a assumir uma pluralidade de funções na sociedade do conhecimento e da aprendizagem ao longo da vida. Como refere um investigador “o manual tornou-se um instrumento “polifónico”: deve permitir avaliar a aquisição de conhecimentos; deve conter uma informação variada, extraída de diversos suportes; deve facilitar a apropriação pelos alunos de um certo número de métodos transferíveis para outras situações e outros contextos. Atendendo à heterogeneidade dos públicos escolares, o manual deve permitir leituras plurais” (1). Os manuais escolares fazem actualmente parte integrante de um sector com um relativo peso económico, a saber a produção, distribuição e consumo de “recursos didácticos” e que abarca o livro brinquedo, a banda desenhada, o livro infantil, os livros para crianças, a literatura para adolescentes e jovens, os manuais escolares e, essencialmente, os “livros escolares” auxiliares/complementares, as obras de referência e de cultura geral tais como dicionários, enciclopédias, atlas e uma gama diversificada de cadernos de exercícios para todos os níveis de ensino e para cada disciplina.

Se se tiver em conta que a estes suportes escritos se vem juntar um leque muito alargado de produtos para-pedagógicos e para-científicos gerados pelas novas tecnologias da informação e da comunicação pode ter-se uma ideia mais abrangente deste mercado, ao qual não é alheia a comercialização de uma galáxia de produtos e artigos lúdicos, recreativos, imaginativos relacionados com o tempo livre, o desporto e com aspectos colaterais da sociedade da inovação e do conhecimento.

Constata-se uma situação em que o segmento do manual escolar em sentido estrito representa um componente menor do mercado livreiro direccionado para a educação e a formação. “Tal como é hoje em dia, o manual escolar alimenta o para-escolar” (cfr. Alain Choppin).

Impõe-se, pois, nestes condicionalismos delimitar inequivocamente aquilo que se pretende regular, o que significa estabelecer fronteiras entre, pelo menos:

a) Material didáctico de base, vulgo manuais escolares e b) Material didáctico complementar ou seja o conjunto de livros escolares auxiliares e de obras de referência e consulta, independentemente de tais recursos didácticos serem disponibilizados em formato de papel ou em formato multimédia.

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Choppin, A, CHOPPIN, Alain. Les Manuels scolaires : de la production aux modes de consommation, in Rui Vieira de Castro, Angelina Rodrigues, José Luís Silva, Maria Lourdes Dionísio de Sousa (coord.), Manuais escolares : Estatuto, Funcões, História. — Braga : Universidade do Minho, 1999. — p. 3-18. [texte en langue française]).

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1.2.2. Material didáctico de base – “Manuais escolares” versus Material didáctico complementar – “Livros e obras auxiliares”

Considerado como um recurso educativo privilegiado na Lei de Bases do Sistema Educativo, (Lei n.º 46/86,de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro), alínea a) do ponto 2 do artigo 41º, o manual escolar é concebido como mediador entre o programa e os alunos, servindo de referência ao professor como suporte na apresentação dos conteúdos de aprendizagem e de referência aos alunos que, através da sua leitura, acedem ao conhecimento, sistematizam e progridem na aprendizagem.

O manual escolar é um instrumento de trabalho que pode ser concebido por ano ou ciclo e incluir o manual do aluno e o guia do professor e visa contribuir para a aquisição de conhecimentos e para o desenvolvimento de competências gerais e específicas, hábitos de estudo e atitudes definidos pelos documentos curriculares em vigor contendo a informação básica e as experiências de aprendizagem e de avaliação necessárias à promoção das finalidades programáticas de cada disciplina ou área curricular disciplinar.

De acordo com o artigo 2º do Decreto-lei nº 57/87, de 31 de Janeiro, “manual escolar é todo o instrumento de trabalho impresso e estruturado que se destina ao processo de ensino aprendizagem, apresentando uma progressão sistemática quanto aos objectivos e conteúdos programáticos e quanto à sua própria organização da aprendizagem”. Assinale-se que este decreto-lei fixou o prazo de vigência dos programas curriculares em cinco anos e instituiu o processo de apreciação dos manuais escolares pelos estabelecimentos de ensino.

Sensivelmente dez anos mais tarde, o Decreto-lei n.º 176/96, de 21 de Setembro, veio estabelecer uma distinção útil de vários conceitos relacionados com a política do livro em geral, e em cujo artigo 1.º constam, entre outras, as seguintes definições:

“a) Livro: toda a obra impressa em vários exemplares, destinada a ser comercializada, contendo letras, textos e ou ilustrações visíveis, constituída por páginas, formando um volume unitário, autónomo e devidamente encapado, destinada a ser efectivamente posta à disposição do público e comercializada e que não se confunda com uma revista…

g) Manual escolar: o instrumento de trabalho individual, constituído por um livro em um ou mais volumes, que contribua para a aquisição de conhecimentos e para o desenvolvimento da capacidade e das atitudes definidas pelos objectivos dos programas curriculares em vigor para cada disciplina, contendo a informação básica necessária às exigências das rubricas programáticas. Supletivamente, o manual poderá conter elementos para o desenvolvimento de actividades de aplicação e avaliação da aprendizagem efectuada;

h) Livro auxiliar: o instrumento de trabalho individual ou colectivo, constituído por um livro em um ou mais volumes, que, propondo um conjunto de informação, vise a aplicação e avaliação da aprendizagem efectuada, destinado exclusivamente a um ano de escolaridade;”.

Alain Choppin, já citado, considera que «O manual, como decorre da sua etimologia (do latim manus: a mão), define-se inicialmente como uma obra de formato reduzido que

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encerra a essência dos conhecimentos sobre um domínio específico. Desde o fim do século XIX, o termo designa em especial as obras que apresentam os conhecimentos que são exigidos pelos programas escolares.» (1)

Numa acepção bastante genérica François-Marie Gérard e Xavier Roegiers, definem o manual como “um instrumento impresso, intencionalmente estruturado para se inscrever num processo de aprendizagem, com o fim de lhe melhorar a eficácia.” (2)

Os responsáveis educativos do Quebeque têm a seguinte concepção, no que respeita ao manual do aluno e guia de ensino do ensino primário: “concebidos por ciclo, o manual do aluno e o guia de ensino contêm os elementos necessários ao desenvolvimento das competências disciplinares e das competências transversais em relação aos domínios gerais de formação e cobrem um programa de estudo”.(3)

Decorre das considerações anteriores que há vários conceitos e definições de manual escolar, embora seja possível agrupar num núcleo duro os seus traços característicos essenciais. De facto, o manual escolar de há cinquenta anos pouco tem a ver com os seus sucedâneos da actualidade, sendo legítimo pensar-se que uma certa tendência para o retorno e para a reavaliação do perfil dos manuais clássicos não impedirá uma nova trajectória do conceito, particularmente no quadro da intensificação das TIC na educação, na esteira da estratégia de Lisboa e do incremento da utilização de todo o tipo de material didáctico multimedia que a globalização social impõe e as exigências da sociedade do conhecimento postulam.

Afigura-se pertinente realçar a importância de que se reveste hoje a questão da aquisição das competências básicas e transversais quer se trate do ensino básico quer do ensino secundário. Tratando-se de uma dimensão relativamente recente que decorre de iniciativas e recomendações feitas a nível da União Europeia, é indispensável que autores, avaliadores e editores estejam suficientemente sensibilizados para tal.

Por outro lado e complementarmente, o manual escolar foi, desde sempre, suposto contribuir também para a formação cívica e democrática dos alunos, através de valores em evolução que explícita ou implicitamente veicula, bem como para o desenvolvimento de actividades de aplicação e avaliação de conhecimentos, promovendo a capacidade de auto-aprendizagem e o espírito crítico dos alunos.

Por outro lado, relativamente à utilidade e funções, os manuais proporcionam uma multiplicidade de actividades, visando estruturar e organizar as aprendizagens, transmitir conhecimentos e educar social e culturalmente. O manual é uma instância de mediação que permite ao aluno aprender a saber-fazer, a saber-agir e a saber-ser. É nesta linha de pensamento que, na perspectiva de Choppin, o manual de hoje tende a apresentar-se suficientemente flexível de forma a fazer face a um público heterogéneo, a garantir o acesso a competências transversais e a viabilizar múltiplos percursos

1 CHOPPIN, Alain in Dictionnaire encyclopédique de l’éducation et de la formation, Paris : Nathan Université, 2ème édition, 1998, pp. 666-669.

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GERARD, François-Marie & ROEGIERS, Xavier (1998). Conceber e avaliar manuais escolares. Porto: Porto Editora, página 19.

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didácticos, mas também, a autorizar sempre uma leitura e uma abordagem muito individuais tanto por parte do aluno como do professor.

Nesta sucinta visão dos recursos didácticos, importa igualmente delimitar a noção de material didáctico complementar ou livros auxiliares e outros recursos didáctico- pedagógicos.

É considerado material didáctico complementar ou livros auxiliares e outros recursos didáctico-pedagógicos qualquer obra que não faça parte integrante do conjunto de utensílios didácticos de base e que, não se identificando com o manual escolar, o explora, o explica, o comenta e o completa. O material didáctico complementar pode consistir numa publicação semelhante em vários aspectos ao manual escolar, mas tende a abranger apenas certas partes do programa, a circunscrever-se a obras de referência especializadas (dicionários, enciclopédias e atlas) e a obras literárias ou musicais. Neste contexto, convirá esclarecer que os membros do grupo de trabalho, sem negar as vantagens de alguns sistemas de reutilização de manuais escolares em contextos de desenvolvimento socioeconómico favorável, são de parecer que, no actual estado de desenvolvimento das sociedades e nas condições histórico-sociológicas específicas do modelo de desenvolvimento português ao longo dos últimos cem anos, o recurso a qualquer modalidade de reutilização de manuais escolares generalizada, a não ser devidamente ponderada, acarreta riscos de ser interpretada como sendo socialmente discriminatória.

Com efeito, e para além de comprovados aspectos positivos relacionados com a posse e o uso individualizado desses instrumentos didácticos, afigura-se que a maioria dos agregados familiares será em favor desta posição, considerando-a mais adequada. No entanto, não deixamos de sublinhar que, por força de dinâmicas sociais desenvolvidas por autarquias, associações de pais ou mesmo no quadro da acção social escolar, não será de excluir no futuro a existência de tais esquemas localizados de troca e empréstimo.

Acresce que – sem prejuízo da implementação de um sistema equitativo e flexível de apoio sócio-educativo aos agregados familiares mais desfavorecidos - os traços típicos da sociedade do consumo a que o país na sua globalidade adere dificilmente permitiriam justificar, do ponto vista ético e político, que a grande maioria dos agregados familiares continuasse a adquirir para os seus filhos bens de consumo não essenciais e financeiramente dispendiosos como marcas de roupa, prestigiados artigos de desporto e de jogging, jogos electrónicos, bicicletas, telemóveis e computadores e, ao mesmo tempo, recebesse gratuitamente das mãos do Estado os manuais escolares que têm de ser vistos como um bem essencial de primeira necessidade.

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2. GARANTIA DE QUALIDADE E CERTIFICAÇÃO DOS MANUAIS

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