• Nenhum resultado encontrado

A relação do processo de Inovação Tecnológica e a Apropriação das

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Educação na Era Digital

2.1.4 A relação do processo de Inovação Tecnológica e a Apropriação das

Propiciar um ensino que possibilite ao seu alunado a oportunidade de apropriar-se14 das TDICs de forma crítica, visando a emancipação do alunado, perpassa

14 Baseado nas análises de Rogoff (1995), citado por Buzato (2010, p. 55), entendemos

apropriação enquanto “processos individuais, interpessoais e socioculturais como mutuamente constitutivos por meio do conceito de apropriação participativa”. Ou seja, é por meio de atividades participativas no ambiente escolar, propiciando o uso crítico das tecnologias e incluindo o aluno durante todo esse processo, que os mesmos ressignificarão sua prática/vivência “por meio da interação social (negociação de sentidos) em torno dos usos da tecnologia” (Ibid, p. 55).

necessariamente pelo letramento digital15 destes. Segundo Lankshear e Knobel (2007, apud BUZATO, 2010, p. 53-54), esse letramento digital qualifica-se:

[...] como um novo ethos, uma nova mentalidade, que enfatiza a participação, em detrimento da publicação editorial, o conhecimento (técnico) distribuído em lugar do conhecimento (técnico) centralizado, a partilha de conteúdos em vez da propriedade intelectual privada, a experimentação em oposição a normatização, enfim, a troca colaborativa, a quebra de regras criativa e o hibridismo em lugar da difusão de conteúdos, do policiamento e da pureza.

Ao mesmo tempo que se evidencia uma flexibilidade no ensino com o advento da globalização e das tecnologias, faz-se necessário analisar criticamente o uso de cada recurso tecnológico que será utilizado pela escola. Considerando que esses recursos tecnológicos são constituídos pelo hibridismo característico da Era Digital, eles tornam possíveis produtos de dominação e manipulação. Para Kunz (2004, p. 33),

Embora se possa dizer que o jovem de hoje é mais livre e independente, isso só se verifica no plano físico, ou seja, na dependência física da família, mas no plano intelectual sofrem constantes influências externas (dos ‘tutores’) para qualquer tipo de decisão ou renuncia que precisam tomar.

Assim sendo, a escola – enquanto um dos principais tutores intelectuais à disposição dos jovens – deve: propiciar um ensino ativo; e, por meio da apropriação crítica das tecnologias digitais, alcançar um novo ethos (emancipação). Para tanto, se faz necessário problematizar o fato de que alguém está gerenciando e dispondo os templates que outras pessoas vão apropriar-se dos conhecimentos produzidos conferindo-lhes novos sentidos e significados (LATOUR, 2000).

Certamente, essa apropriação das tecnologias digitais ao cotidiano escolar aflorará os conflitos socioculturais existentes, visto que o global defrontar-se-á com o local (o novo com o tradicional). Entretanto, é justamente na escola, que encontramos o ambiente ideal e promissor para problematizar esses conflitos.

Nessa perspectiva, fazendo um paralelo com a origem da inovação tecnológica que Cardon (2005)16 classifica em (i) inovações pelo uso (ascendentes), uma vez que “nascem das práticas dos usuários e que são divulgadas por meio das redes de

15 O letramento digital é resultante da negociação de sentidos estabelecidas por intermédio das

tecnologias digitais, sejam elas pessoais ou institucionais (BUZATO, 2010).

intercâmbio entre usuários”; e (ii) inovações descendentes, pois tem sua origem “do alto, a partir de um plano de desenvolvimento industrial que acompanhasse a implantação de uma nova tecnologia originada nos laboratórios de pesquisa”. Traçamos e entendemos também duas formas distintas de apropriação das TDICs no contexto escolar.

Na inovação ascendente, o usuário tem a possibilidade de participar efetivamente na criação de novas inovações a partir da apropriação das “tecnologias e dos serviços” disponibilizados a esses sujeitos com objetivo “[...] de encontrar por si mesmo e com seus próprios meios soluções adaptadas às suas necessidades [...]” (CARDON, 2005). Vale salientar que esta participação efetiva não está condicionada necessariamente aos usuários “’avançados’, ‘intensivos’ ou ‘high-tech’, que servem de ‘grupo controle (de referência)’ nos estudos de mercado para identificar as dinâmicas de divulgação dos novos produtos e serviços” (Ibid).

Já na inovação descendente, apesar de incorporar algumas inovações ascendentes ao seu catálogo mercadológico industrial, como foi o caso do surf17, os objetivos e estímulos são diferentes:

[...] Enquanto os usuários buscam encontrar a melhor funcionalidade para a sua necessidade, os industriais são impelidos a desenvolver uma solução a partir de seu controle dos procedimentos genéricos, a fim de reduzir os custos de transferência da necessidade específica dos clientes. [...] Os utilizadores têm, antes de mais nada, tendência a desenvolver instrumentos que permitem produzir coisas novas, enquanto os industriais têm tendência a desenvolver novos instrumentos que fazem a mesma coisa, mas de maneira mais simples ou mais segura [...] (CARDON, 2005).

Utilizando os termos horizontal e vertical (para referir-se, respectivamente, ao processo de inovação tecnológica ascendente e descendente), traçamos algumas considerações sobre como perspectivamos o processo de apropriação das tecnologias no ambiente escolar.

Baseada nos ideais de uma educação tradicional, a forma mais comum de apropriação tecnológica presente no ambiente educacional é o que denominamos de Apropriação Tecnológica Vertical (doravante ATV). Essa ATV no ambiente educacional vai se caracterizar pela inserção de equipamentos tecnológicos nas escolas (projetor, televisão, reprodutor de dvd, datashow, computador, lousa digital etc.), sejam

analógicos e/ou digitais. Essa inserção objetiva, principalmente, reduzir o tempo que o professor passa escrevendo em sala de aula para que ele possa cumprir o cronograma anual e, possivelmente, melhorar o processo de assimilação dos conteúdos através da utilização de novos instrumentos que reproduzem mais do mesmo.

Os alunos, por sua vez, ficam apenas a contemplar esses equipamentos tecnológicos que na maioria das vezes não possuem em casa. Para esses discentes, são negadas as oportunidades de manusearem e, ainda mais distante, de adquirirem e/ou produzirem conhecimento a partir da interação com estes equipamentos tecnológicos.

Com a massificação dos instrumentos tecnológicos, da globalização do conhecimento, da internet e da acessibilidade a algumas inovações tecnológicas às camadas sociais menos abastadas (cito como exemplos maiores a internet e smartphone), a presença desse modelo de ATV no ambiente escolar que não inclui o aluno no processo de ensino-aprendizagem e não trata pedagogicamente essa nova cultura (cultura digital) acaba afastando cada vez mais os alunos da escola. Isso pode ser justificado, pois, fora desse universo dito “educacional”, os alunos têm a oportunidade de produzir e acessar um leque de conteúdos quase infinito, dinâmico e fluido de novos conhecimentos (por vezes apresentado de forma mais didática do que os “pedagogizados” na escola).

O processo de ATV tende a endossar os ideais de uma educação tradicional. Nesse contexto, o professor é o detentor (agora não só do conhecimento) dos aparatos tecnológicos, e o aluno, considerado um mero recipiente no qual são depositados conhecimentos padronizados, é o observador passivo das maravilhas tecnológicas.

Relacionando-se com as habilidades básicas necessárias a subsistência na sociedade pós-moderna elencados no tópico anterior, o processo de apropriação tecnológica (ensino-aprendizagem) necessita ser ressignificado no ambiente escolar. Dessa forma, surge então, permeados pelos ideais de uma educação crítica- emancipadora, o que intitulamos de Apropriação Tecnológica Horizontal (doravante ATH).

Diferentemente da ATV, esta utiliza a tecnologia para adquirir, produzir e (re)significar novos conhecimentos através da interação com as tecnologias mediada pelo professor; com a ATH, o aluno é incluído no processo, ele passa a manusear, interagir e produzir novos conhecimentos (significados) através das TDICs. Assim, além de facilitar o processo de ensino-aprendizagem, de produção e de divulgação de

novos conhecimentos, as TDICs tornam-se objeto de estudo e problematização enquanto produto de dominação e manipulação.

Assim como no processo de inovação tecnológica ascendente, em que, segundo Novais (2010, p. 77), os “[...] usuários voltaram a ter sua devida importância na produção de sentidos [...]”; na Era Digital, uma educação que almeja possibilitar a apropriação das tecnologias de forma horizontal, utilizando-as para desenvolvimento de um ensino crítico, e que objetiva a emancipação dos sujeitos, essa educação deve necessariamente incluir em seu processo o alunado, uma vez que são produtos e produtores de cultura.

Vale salientar que a participação efetiva nesse processo não deve estar condicionada ao nível de habilidade instrumental. No processo de ATH, os alunos e agentes educacionais encontram-se no mesmo patamar, não em relação ao nível de habilidade ao manusear um equipamento tecnológico, mas no sentido da igualdade de oportunidades de aprendizado, produção e (re)significação desse produto cultural.

Mediado pelo professor, deve ser oportunizado aos alunos, por si mesmos e com seus próprios meios, encontrar soluções para suas necessidades pessoais e locais. Diferentemente dos leitores, ouvintes ou telespectadores (figuras anexas aos tradicionais setores da Grande Mídia18 [doravante GM]), os alunos (usuários) da Era Digital têm a possibilidade de “comunicar, de produzir e de intercambiar” conhecimentos/cultura, propiciando o desenvolvimento das dimensões “ativa, simétrica e participativa” nesse processo (CARDON, 2005).

A figura do usuário emergiu particularmente bem adaptada ao universo das novas tecnologias [...]. Ao se falar de usuário de preferência a utilizador, é possível também insistir no fato que o relacionamento das pessoas com as ferramentas técnicas não pode ser reduzido à implementação das funções previstas pelos idealizadores, mas que a apropriação das tecnologias é uma atividade social, cultural, econômica e política de pleno direito. [...] Enquanto a inovação industrial busca produzir uma solução genérica a partir de competências específicas e de procedimentos de fabricação que ela domina visando dado médio e a um padrão de necessidade, as inovações pelo uso são produzidas, ao contrário, pela convergência entre as especificidades das soluções dos utilizadores. (CARDON, 2005).

18 Entendemos por Grande Mídia o conglomerado dos sistemas de comunicação social, que,

além dos já considerados setores tradicionais (emissoras de rádio e televisão, jornais e revistas), incluem também a internet e suas diversas plataformas de comunicação social existente.

Da mesma forma que numerosos precedentes mostram que o software livre “[...] melhora sua qualidade com o suporte coletivo [...]” através da “[...] sua capacidade de integrar, por ajustes sucessivos, as melhorias trazidas pelos outros” (CARDON, 2005), o processo de ATH torna-se significativo pela sua construção participativa no ambiente escolar e pela capacidade de integrar todos. Esse processo deve ser coconstruído por seus protagonistas, levando em conta seus objetivos, expectativas, conhecimentos, crenças e valores que partilham. Contudo, por ser um processo participativo e mediado pelo professor, proteger e controlar demasiadamente tal processo, o tornará menos significativo e diminuirá o protagonismo dos alunos.

Logo, quando oportunizamos que todos participem ativamente do processo, temos presente a multiplicidade de necessidades, soluções, informações e opiniões advindas de diferentes contextos sociais. Para que essa heterogeneidade não dificulte o processo de ensino-aprendizagem, o professor deve distribuir as atividades ao invés de ficar a cargo do mesmo e/ou de alguns alunos prolíficos. Assim sendo, o produto cultural resultante desse processo participativo trará uma significância social mais abrangente, já que foi concebido a partir da integração de diferentes visões e contextos sociais na sua construção.

Não se trata apenas de possibilitar que os alunos leiam um livro/apostila pelo celular, acessem sua rede social e/ou plataforma digital adotada pela escola. As TDICs devem ter status semelhante a qualquer outro conteúdo curricular, devem ser analisadas, problematizadas e ressignificadas. Os alunos “[...] precisam buscar estratégias para entender e dar sentido à atividade que estão realizando [...] acessando seus sistemas de conhecimento, de crenças e de cultura” (NOVAIS, 2010, p. 79).

Levando em consideração os aspectos supracitados, faz-se necessário ter a compreensão de que essa apropriação tecnológica não seguirá um padrão uniforme em todos os níveis e instituições escolares. Não existe uma receia pronta. Essa apropriação acontecerá através de constantes reformulações dentro do próprio contexto escolar, resultante das interações e interpretações entre aluno/professor/tecnologia.

Por fim, para a efetivação do processo de ATH no âmbito escolar, é necessário a observância de pelo menos três pontos: (i) problematizar o fato desse produto tecnológico ser produzido por um pequeno e restrito grupo de tutores intelectuais, que incorpora na sua construção questões particulares ao universo na qual a mesma foi idealizada; (ii) analisar criticamente sua aplicabilidade prática no contexto educacional enquanto ferramenta educativa, assim como refletir para qual nível de ensino essa

ferramenta tecnológica é acessível; (iii) finalizado as análises prévias, pensar no que pretendo ensinar, com que fim se incorpora essa tecnologia nas aulas e como vou desenvolver essas aulas (a escola disponibiliza os equipamentos? Todos os alunos têm acesso a essa tecnologia? Os alunos têm acesso à internet? etc.).

2.2 Para além do universo virtual – o Esporte enquanto conteúdo da Educação

Documentos relacionados