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A RELATIVIZAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO NA ATUALIDADE

4 A LEI COMPLEMENTAR 105/2001 E O SIGILO BANCÁRIO NO CENÁRIO ATUAL

4.3 A RELATIVIZAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO NA ATUALIDADE

É inegável que a situação do Brasil quando se trata do sigilo bancário ainda é bastante controvertida, com decisões bastante conflitantes, até mesmo nos Tribunais Superiores. Entretanto, não podemos ignorar que a Lei Complementar 105/2001 representa uma forte tendência no sentido de regulamentar a flexibilização deste instituto, que, como vimos em capítulos anteriores, já foi tido como inviolável.

No cenário interno, em um contexto onde a prática da evasão tributária16 tem assumido grandes proporções e se tornado cada vez mais sofisticada, contando com os avanços tecnológicos, o combate a tal pratica necessita da implantação de medidas que facilitem a fiscalização tributária, o que somente é possível com a utilização de instrumentos legislativos instituídos com a finalidade de combater a sonegação fiscal, otimizando o sistema de arrecadação de tributos pela fazenda pública.

Não podemos olvidar que o sigilo bancário é importante conquista garantida pela Constituição Federal de 1988, sendo uma representação dos direitos à intimidade e à vida privada. Entretanto, como já vimos em entendimentos já pacificados na jurisprudência, não se pode dar a este instituto um caráter absoluto, sendo de extrema importância a imposição de

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BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE389808 PR , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 15/12/2010, Tribunal Pleno.

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BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AI774879/SP. Rel. Min. Gilmar Mendes. Julgado em 20/03/2012.

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Evasão tributária consiste no uso de meios ilícitos para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros tributos.

48 limites para que possa coexistir com o interesse público no combate à sonegação fiscal e a outros crimes que por ventura possam esconder-se por trás de um sigilo de caráter absoluto.

Desta forma, a Lei Complementar n.° 105/2001, ao estabelecer a disciplina normativa e limites do sigilo bancário, desempenha a função de norma conformadora do artigo 5.°, inciso X, da Constituição Federal, que contempla os direitos fundamentais à intimidade e à vida privada.

Portanto, considerando a importância que as instituições financeiras detêm atualmente, no que se refere à intermediação de transações financeiras, a obtenção, pelo Fisco, de valores globais movimentados pelos contribuintes, bem como a possibilidade de exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras, observados determinados requisitos, constitui instrumento legal mais eficaz contra a sonegação fiscal e negar o acesso do Fisco a estas informações seria ignorar a ocorrência dos próprios fatos geradores dos tributos, fazendo depender a arrecadação tributária da mera boa vontade dos sujeitos passivos.

A nível internacional, grande parte dos países desenvolvidos já permite o acesso do Fisco às informações financeiras dos contribuintes, inclusive alguns que até bem pouco tempo adotavam o chamado segredo reforçado, sendo considerados paraísos fiscais. Tal tendência, envolvendo países como Estados Unidos, Espanha, Bélgica, França e Holanda, dentre tantos outros, repousa na urgência em se combater a lavagem de dinheiro, decorrente do narcotráfico, do terrorismo internacional e de outras práticas criminosas, além de se viabilizar uma fiscalização tributária mais eficaz.

Inclusive há recomendações da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento – OECD - e da própria União Européia no sentido da relativização do sigilo bancário perante o Fisco. Nesse sentido, o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF) no âmbito da OECD, com o intuito de examinar, desenvolver e promover políticas de combate à lavagem de dinheiro, Grupo46publicou 40 recomendações a serem seguidas pelos países que tenham o objetivo de combater o crime de lavagem de dinheiro. Suas principais metas consistem em fornecer instrumentos para o desenvolvimento de um plano de combate à lavagem de dinheiro e discutir as ações de cooperação internacional entre os países. Ainda, noticias sobre o envolvimento de determinados bancos com a lavagem de dinheiro decorrente de atividades criminosas passou a ser objeto de profunda análise e de sérios estudos por parte dos serviços de inteligência de quase todo o mundo, dando início a uma nova era na relação entre o banco e seus correntistas.

49 internacional em matéria fiscal estão se materializando, sobretudo, através da elaboração de convênios e tratados bilaterais, de forma a tomar atitudes reconhecendo o fato de que a globalização e o incremento das relações comerciais internacionais têm permitido um amplo espectro de transações bancárias que ultrapassam os limites estabelecidos pelas fronteiras dos países, em que o usuário se mantém anônimo, tornando a questão da evasão fiscal um problema que não se restringe a um país isoladamente. Não sendo, portanto, correto fazer do sigilo bancário um mito, transformando-o em escudo para a prática da criminalidade, favorecendo a lavagem de dinheiro, a sonegação tributária e a impunidade.

50 5. CONCLUSÃO

O sigilo bancário, que, como vimos, tem sua origem no alvorecer da própria atividade bancária, a qual remonta ao período antigo da civilização humana, já foi objeto de inúmeras discussões no mundo jurídico, apresentando-se de diversas formas ao longo de sua historia. No Brasil o tratamento a este instituto não se mostra de forma diferente, tendo sido previsto no ordenamento jurídico em diferentes intensidades e sempre figurando como um ponto controverso na doutrina e na jurisprudência.

O sigilo bancário ingressou em nosso direito como costume e só tardiamente mereceu a atenção do legislador pátrio, conforme o artigo 38 da Lei n.° 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que reorganizou o sistema bancário brasileiro. Hoje temos a Lei Complementar 105/2001 como principal dispositivo legal que disciplina o sigilo bancário, introduzindo no ordenamento a possibilidade de exame dos documentos, livros e registros das instituições financeiras, inclusive os que sejam referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, pelas autoridades fiscais federais, estaduais e municipais, desde que sejam satisfeitos os requisitos legalmente previstos.

O tratamento dado ao sigilo bancário pelo dispositivo legal acima mencionado é um ponto de grande controvérsia entre os doutrinadores, tendo sido objeto de diversas discussões acerca de sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, ainda não decididas de forma definitiva.

Entretanto sabemos que o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário reconhece que o sigilo bancário tem como fundamento os direitos à intimidade e à vida privada, previstos na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º , inciso X, porém tais direitos não possuem caráter absoluto, posicionamento que foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, devendo-se buscar uma forma que estas garantias fundamentais possam coexistir com a efetivação do interesse público.

A medida restritiva aos direitos à intimidade e à vida privada, prevista nos artigos 5.° e 6.° da Lei Complementar n.° 105/2001, é adequada para das à Administração Tributária condições para garantir a eficácia de sua atividade. Considerando a importância que as instituições financeiras detêm atualmente, no que se refere à intermediação de transações financeiras, a obtenção pelo Fisco de valores globais movimentados pelos contribuintes, bem como a possibilidade de exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras,

51 observados determinados requisitos, constitui instrumento legal da maior eficácia contra a sonegação fiscal e possibilita a concretização da justiça fiscal. Podendo afirmar-se, portanto, que não existe outra medida menos gravosa apta a propiciar o mesmo resultado de forma tão eficaz.

O conhecimento das informações bancárias do contribuinte pelas autoridades fiscais, sem necessidade de autorização judicial prévia, propicia à fiscalização federal meios de aumentar a arrecadação, através de procedimentos de fiscalização mais céleres e eficazes, sem aumento de tributos e com melhor distribuição da carga tributária

Além disso, com a crescente abertura do mercado e a globalização há a larga difusão das transações bancárias que ultrapassam os limites das fronteiras dos países, o que facilita transações anônimas e imediatas levando a evasão fiscal e a corrupção fiscal a qualquer parte do mundo, inclusive fazendo com que nosso país seja destino de criminosos. E, embora o capital estrangeiro traga recursos ao país, este capital, se for proveniente de atividades ilícitas traz com ele práticas condenáveis como tráfico internacional de drogas, máfias estrangeiras, turismo sexual, marginalização, que trazem prejuízos não só a nível nacional. Diante disto, faz-se necessário a adoção de medidas que adéqüem o instituto do sigilo bancário de forma que possa coexistir com políticas de combate a tais movimentações financeiras de caráter ilícito, equilibrando a necessária proteção aos direitos à intimidade e à vida privada com a adequada atividade de fiscalização do Poder Público.

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