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A Responsabilidade pela Concretização do Direito à Educação

2 TUTELA JURÍDICA DO DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA VIGENTE

2.1 A Educação na Constituição de 1988

2.1.3 A Responsabilidade pela Concretização do Direito à Educação

Diante do conceito, finalidades e princípios que orientam a interpretação do direito à educação, tem-se como justificada sua previsão enquanto direito de todos e dever do Estado e da família, além de poder contar para a sua promoção com o apoio da sociedade, conforme artigo 205 da Constituição de 1988:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A família é a responsável pela primeira educação da criança, pois é dever dos pais assistir moral e intelectualmente seus filhos, estando sujeitos a sanções no caso de descumprimento de suas obrigações.123

―O dever de família, portanto, pode ser compreendido como o direito prioritário dos pais de escolher o gênero de educação a dar a seus filhos e como o dever, propriamente, de assegurar a educação a eles.‖124 O artigo 229 da Constituição de

1988 ressalta este dever: ―Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores...‖

A sociedade é classificada como auxiliar na proteção do direito à educação, podendo, portanto, contribuir para que a materialização do direito à educação seja uma realidade social. Sua contribuição é indispensável e pode ser compreendida como um dever ético e moral.

Quanto ao Estado, deve agir, ao lado da família, como ator principal na promoção da educação e ainda subsidiariamente, isto é, quando a família e a sociedade não tiverem meios de assegurá-la por si sós – aliás é o próprio Estado que, por meio das

123 O Código Penal tipifica o crime de abandono intelectual: ―Art. 246. Deixar, sem justa c ausa, de

prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa.‖

124 MALISKA, Marcos Augusto. O direito à educação e a Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio

leis, orienta os pais quanto a como procederem no processo de educação de sua prole. Nota-se que a função estatal:

... inicia-se com sua obrigação de construir, organizar e manter escolas, proporcionando a democratização e a gratuidade do ensino (...) bem como zelar pelo respeito às leis do ensino, pela avaliação das instituições e pelo desenvolvimento do nível de qualidade do ensino.125

Neste sentido, importante o exposto por Carlos A. Sacheri126:

É também verdadeiro que o estado não pode forçar os cidadãos a serem virtuosos, até porque isto poderia implicar na substituição das ações pessoais, e a virtude moral emerge apenas da vontade interior de cada homem. Nós podemos deduzir disso que a missão específica do estado não consiste em produzir conhecimento ou virtude, mas em criar condições externas que permitam a prática da virtude, o progresso do conhecimento, etc., para cada cidadão.127

Exercer esta função de agente da educação é, como destacado, dever do Estado, do qual não pode se eximir, até porque, ―o Estado moderno, especialmente o Estado Social de Direito, se inclina a ativar energicamente a educação, em todos os seus

125 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito Educacional e educação no século XXI: com comentários à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Prefácio de Darcy Ribeiro: Brasília: UNESCO, 1997. p. 168.

126 Carlos A. Sacheri traz classificação interessante com relação aos agentes responsáveis pela

educação. Para o autor, são quatro: a família, a igreja, o Estado e os corpos intermediários. A família por ter o dever de responder por sua prole e também por constituir a base e o começo da ordem social. Os corpos intermediários, como as associações, porque podem fomentar a prática profissional que deve ser associada a educação. A igreja por educar para sua filosofia, formando um novo e perfeito homem, no caso, o cristão. Finalmente o Estado, por ser o maior responsável pela construção do bem comum, entendido como o bem estar da sociedade que é o atrelado a felicidade e a realização das pessoas. (Governments and the right to be educated In Drinan, Robert F. (editor) The Right to be Educated: studies to commemorate the twentieth anniversary of the adoption by the united nations of the universal declaration of human rights, December 10, 1948. Washington; Cleveland: Corpus Book, 1968. p. 32).

127 Governments and the right to be educated In Drinan, Robert F. (editor) The Right to be Educated: studies to commemorate the twentieth anniversary of the adoption by the united nations of the universal declaration of human rights, December 10, 1948. Washington; Cleveland: Corpus Book, 1968. p. 32. Texto original: ―It is also true that the state cannot force the citizens to be virtuous in themselves, since this could imply a substitution for personal action, and moral virtue emerges only from the virtuous interior disposition of each man. We may deduce from this that the specific mission of the state does not consist in causing knowledge or virtue but in creating the external conditions which make possible the practice of virtue, the progress of knowledge, etc., for each citizen.‖ (tradução livre). O elo entre educação e poder público é uma constante entre os autores clássicos, como Sócrates, Platão, Aristóteles, John Locke e Jean Jacques Rousseau, sendo que se observa entre os mesmos as referências à educação como mecanismo de elevação do intelecto e de formação para a vida em comunidade. As análises individualizadas demandariam estudos específicos.

graus, e isso parece ser uma das finalidades autênticas de toda organização estatal de fundo humanista.‖128

Observando a necessidade de distribuir a responsabilidade pelos níveis de ensino entre os entes da federação, o legislador constituinte determinou que em seu artigo 211 a competência de atuação destes:

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurará a universalização do ensino obrigatório.

§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.129

Com este modelo acentua-se o papel supletivo, integrador e coordenador, da União, há o crescimento da responsabilidade dos Municípios sem relação à educação infantil e o ensino fundamental, resultado de uma política governamental que se acentuou desde 1980, e, especial atenção atribuída ao ensino fundamental, considerado obrigatório.

O artigo reforça o princípio federativo e a descentralização. Nas palavras de Elias de Oliveira Motta:

128 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 7. p. 62.

Prossegue adiante o autor: ―O objetivo de uma autêntica política de educação consiste, por consequência, em estimular o amor à sabedoria, à beleza e à bondade, pois a sabedoria e a bondade são as autênticas forças que dirigem o mundo, encaminhando a humanidade para os m ais nobres fins.‖ (Ibid., p. 76).

129 Esta é a redação determinada pela Emenda Constitucional nº 14/96. Interessante resgatar o texto

original: ―Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, e prestará assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória. § 2º Os Municípios atuarão priorita riamente no ensino fundamental e pré- escolar.‖

Dando continuidade à tradição iniciada na Carta de 1934 e consagrada nas posteriores, a Constituição de 1988, em relação aos sistemas de ensino, reforçou o princípio federativo e adotou a tese da descentralização, mas de uma descentralização articulada, por meio da qual os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm liberdade para a organização de seus respectivos sistemas, em regime de colaboração entre si e com a União.130

Na prática, entretanto, é muitas vezes complicado determinar quem são os responsáveis por assegurar o direito à educação, o que gera dificuldades quando da necessidade de exercer o direito de ação diante de ameaça ou lesão a este direito:

Não obstante os esforços no sentido de precisar o conteúdo e a extensão dos direitos educacionais, a configuração do conteúdo da obrigação correlata do poder público, necessária para sua satisfação, também não é tarefa fácil. Até mesmo a identificação dos órgãos ou esferas estatais responsáveis por sua implementação pode gerar polêmicas, o que dificulta a delimitação da responsabilidade dos poderes públicos com a sua satisfação. Isso acaba gerando, muitas vezes, o famoso jogo do ‗empurra-empurra‘ entre as diferentes esferas de competência (municipal, estadual e federal).131

Não obstante estas considerações, compreende-se que o Estado como um todo deve responder pela educação, os entes devem articular-se e contribuir uns para com os outros. A Constituição de 1988 é clara ao determinar a atuação prioritária de cada ente em cada etapa da educação, mas também o é no sentido dessa necessária colaboração.

Determinadas situações, por exemplo, não serão admitidas, como um Município pretender atuar no ensino médio sem que em um primeiro momento seja atendido o serviço público de educação infantil e fundamental. Mas nada o impede de, em conjunto com o Estado que integrar, elaborar planejamento para que as etapas sucessivas sejam devidamente ofertadas e de maneira articulada. A materialização do direito à educação é dever de todos.

130 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito Educacional e educação no século XXI: com comentários à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Prefácio de Darcy Ribeiro: Brasília: UNESCO, 1997. p.194-195.

131 DUARTE, Clarice Seixas. Reflexões sobre a Justiciabilidade do Direito à Educação no Brasil. In

HADDAD, Sérgio; GRACIANO, Mariângela (orgs.). A educação entre os direitos humanos. Campinas, SP: Autores Associados/ São Paulo, SP: Ação Educativa, 2006. p. 138.