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Conceito e Finalidades do Direito à Educação na Constituição de 1988

2 TUTELA JURÍDICA DO DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA VIGENTE

2.1 A Educação na Constituição de 1988

2.1.1 Conceito e Finalidades do Direito à Educação na Constituição de 1988

Segundo Anísio Teixeira, não compete ao legislador conceituar educação:

A legislação sobre educação deverá ter as características de uma legislação sôbre a agricultura, a indústria, o tratamento da saúde, etc, isto é, uma legislação que fixe condições para sua estimulação e difusão, e indique mesmo processos recomendáveis, mas não pretenda defini-los, pois a educação, como o cultivo da terra, as técnicas da indústria, os meios de cuidar da saúde não são assuntos de lei, mas da experiência e da ciência.94

Não obstante a importância do mencionado autor para o tema da educação no Brasil, entende-se que a esta possui um conceito jurídico. Trata-se de matéria interdisciplinar e o direito ao tratá-la como tal acaba por trazer para o campo legal elementos essenciais para a sua compreensão adequada.

A importância do tema no âmbito do direito justificou, inclusive, o advento do direito educacional como uma disciplina autônoma. Esta disciplina é compreendida como:

1) o conjunto de normas reguladoras dos relacionamentos entre as partes envolvidas no processo ensino-aprendizagem; 2) a faculdade atribuída a todo ser humano e que se constitui na prerrogativa de aprender, de ensinar e de se aperfeiçoar; e 3) o ramo da ciência jurídica especializado na área educacional.95

Nota-se, neste sentido, que o conceito de direito à educação decorre, portanto, do exposto no artigo 205 da Constituição de 1988:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A educação é um processo amplo, com sua essência atrelada à transmissão do conhecimento existente entre as gerações, devendo resultar no desenvolvimento

94 Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1957. p. 111.

95 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito Educacional e educação no século XXI: com comentários à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Prefácio de Darcy Ribeiro: Brasília: UNESCO, 1997. p. 51.

das gerações mais novas e no fomento da solidariedade.96 Nas palavras de Pinto Ferreira:

Toda a sociedade tem suas tradições e costumes, seus hábitos e idéias, em suma, um patrimônio moral e espiritual a transmitir às gerações novas, permitindo-lhes utilizar a experiência secular do grupo. Pois bem, a essência ideológica da educação está justamente nessa transmissão das tradições da cultura do grupo de uma geração a outra.97

Diante desta essência, a educação é permeada de um conteúdo humanístico de que não pode ser dissociada.

Dessa forma, a Educação se confunde com o próprio processo de humanização, pois é a capacitação do indivíduo tanto para viver civilizadamente e produtivamente, quanto para formar seu próprio código de comportamento e para agir coerentemente com seus princípios e valores, com abertura para revisá-los e modificar seu comportamento quando mudanças se fizerem necessárias.98

Assim é que a educação se constitui em um processo de formação voltado para a tríade do desenvolvimento pessoal, do preparo à cidadania (objeto de análise de tópico separado) e da qualificação para o mercado de trabalho, constituindo esses elementos as três finalidades constitucionais da educação.

A primeira delas é o desenvolvimento pessoal, ou seja, o estímulo das potencialidades morais e intelectuais inerentes às pessoas.99 O desenvolvimento se constitui em uma das necessidades básicas do ser humano. Nota -se aqui que o

96 Para Otaíza de Oliveira Romanelli: ―... na medida em que se transforma, pelo desafio que aceita e

que lhe vem do meio para o qual volta a sua ação, o homem se educa. E, na medida em que comunica os resultados de sua experiência, ele ajuda os outros homens a se educarem, tornando -se solidários com eles.‖ (História da Educação no Brasil (1930/1973). 22. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. p. 23).

97 Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 7. p. 50-51.

98 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito Educacional e educação no século XXI: com comentários à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Prefácio de Darcy Ribeiro: Brasília: UNESCO, 1997. p. 75.

99 ―A crença no homem e nas suas possibilidades de desenvolvimento é, portanto, o princípio maior

que norteou os constituintes na redação deste dispositivo, o que lhe dá validade universal e reforça o sentido humanista que deve ter a educação.‖ (MOTTA, Elias de Oliveira. Direito Educacional e educação no século XXI: com comentários à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Prefácio de Darcy Ribeiro: Brasília: UNESCO, 1997. p. 168).

legislador expõe a educação como ―manifestação cultural que, de maneira sistemática e intencional, forma e desenvolve o ser humano.‖100

Com relação ao preparo para o mercado de trabalho, observa-se que a Lei nº 5.692, de 1971, alterada parcialmente pela Lei nº 7044, de 1982, determinava a profissionalização compulsória nos cursos de segundo grau. Tal determinação foi revogada, pois atribuía ao processo educacional cunho eminentemente econômico. A Constituição de 1988, preocupada com a tutela integral do ser humano, relaciona educação com formação profissional, mas sem este condão exclusivamente econômico, de formação de mão-de-obra. O propósito do legislador é fazer da educação um instrumento de inclusão no mercado de trabalho; para a subsistência. Nas palavras de José Cretella Júnior, ―bem pouco valor teriam os planos e ações governamentais se não preparassem o educando para a vida, dando-lhe oportunidade de vencer, no mercado de trabalho, como profissional competente.‖101

Ademais, no contexto atual:

... espera-se da formação a garantia não só de competência, habilidade e qualificação, mas, e talvez principalmente, de empregabilidade. Esse novo termo, que significa simplesmente uma boa chance, e não mais que isso, de uma pessoa, se empregada manter o emprego, e se desempregada conseguir trabalho, permeia atualmente toda a discussão sobre educação profissional.102

A formação profissional deve preparar para o trabalho e ser instrumento de auxílio ao desenvolvimento pessoal e à proteção da dignidade da pessoa humana.103

100 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito Educacional e educação no século XXI: com comentários à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Prefácio de Darcy Ribeiro: Brasília: UNESCO, 19 97. p. 75.

101 Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. v. 8.

p. 4429.

102 Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Disponível em:

http://www.dieese.org.br/esp/formacao.xml. Acesso em: 04 maio 2008.

103 Segundo Benizete Ramos de Medeiros: ―... a educação profissional não pode mais ser vista como

forma autônoma de mero treinamento para execução de tarefas, mas como compo nente de formação global da pessoa do trabalhador com integração nas várias formas de conhecimento permanentes, trabalhando as aptidões e tendências, estimulando a participação nos processos de escolha política, econômica e social.‖ (Trabalho com Dignidade: educação e qualificação é um caminho? São Paulo: LTr, 2008. p. 115).

As finalidades suscitadas podem, em suma, ser entendidas segundo três dimensões:

1 A egocêntrica, quando da preocupação de educar a pessoa para a auto-realização, isto é, para que a pessoa encontre o caminho, a felicidade e se realize plenamente. 2 A social, formar a pessoa para viver em sociedade, tendo direitos e deveres para a convivência na comunidade local, nacional e internacional. 3 A mista (individual e social), uma vez que o trabalho deve satisfazer, a um só tempo, as necessidades de desenvolvimento pessoal e, também dar a contribuição para o crescimento da sociedade, de seu país e do mundo.104

Essas faces da educação revelam seu grande valor nos âmbito individual e coletivo e vinculam o tema da educação com o próprio princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Posto que este é base dos demais direitos, representando a essência do ser humano, está atrelado ao desenvolvimento integral deste que, por sua vez, depende da consecução de uma série de fatores105, tais como as finalidades da educação a que se fez menção.

Com base no desenvolvimento da pessoa, no preparo à cidadania e ao trabalho, a educação ―será capaz de apoiar e valorizar o núcleo de identidade individual, encaminhando-o seguro para o convívio social e a inserção no processo produtivo.‖106

104 SANTOS, Clóvis Roberto dos. Direito à Educação: a LDB de A a Z. São Paulo: Avercamp, 2008. p.

38.

105 Importante sempre destacar que o desenvolvimento da pessoa humana não depende única e

exclusivamente da educação, esta é um dos fatores necessários para tanto. Na verdade, a plena proteção ao desenvolvimento da pessoa depende da concretização de todos os direitos fundamentais. ―Ressaltando o caráter social do Estado Democrático de Direit o assegurado na Constituição Federal de 1988, Clarice Seixas Duarte esclarece que: ―... os princípios de um Estado Social e Democrático de Direito foram acolhidos pela Constituição brasileira e devem, portanto, guiar a interpretação de toda a ordem jurídica vigente. Dessa forma, a dignidade da pessoa humana, ao ser incorporada à Constituição como um de seus mais altos valores, requer, para sua concretização, não apenas o respeito aos direitos individuais, como também a realização dos direitos sociais, o que desautoriza qualquer tentativa de esvaziamento dessa última categoria. Tal esvaziamento, ademais, obstaria, também, a concretização dos objetivos de justiça social explicitamente enunciadas no art. 3º (especialmente incisos I e III).‖ (O Direito Público Subjetivo ao Ensino Fundamental na Constituição Federal Brasileira de 1988. 2003. 328 p. Tese (Doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) Universidade de São Paulo. São Paulo. p. 29-30).

106 ALVIM, Márcia Cristina de Souza. A educação e a dignidade da pessoa humana. In FERRAZ,

Anna Cândida da Cunha. Direitos humanos fundamentais: positivação e concretização. Osasco: EDIFIEO, 2006. p. 185-186.