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A “REVOLUÇÃO BURGUESA” E A TRANSFORMAÇÃO CAPITALISTA NO BRASIL

PARTE I: REPOSICIONAMENTO TEÓRICO-PRÁTICO

2. AUTOCRACIA: ESTRUTURA DE PODER E DOMINAÇÃO

2.1 A “REVOLUÇÃO BURGUESA” E A TRANSFORMAÇÃO CAPITALISTA NO BRASIL

O que Florestan Fernandes realiza em seu livro A revolução burguesa no Brasil é sua análise mais completa da transformação do capitalismo no Brasil; é dizer, como o Brasil vai da colônia até a industrialização, resgatando seus aspectos estruturais e a história em seus elementos econômicos, sociais, ideológicos e utópicos; destacando os elementos históricos e funcionais e tendo como foco principal as classes dominantes. Configurando, assim, uma síntese de seu pensamento “sobre o aparecimento e as transformações do capitalismo no Brasil, do passado remoto ao presente”.

Sua forma de tratar o tema se contrapôs a muitos sociólogos que “não concordam com a ideia de que a revolução burguesa se dê sob o contexto da dominação imperialista”, entre eles, “inclusive um dos maiores especialistas, que é Barrington Moore, Jr., [que] sustenta que a última revolução burguesa foi a norte-americana”. Para Florestan:

O problema central está na transformação capitalista. É o problema de saber se uma sociedade nacional autônoma ou não, mais ou menos dependente, é ou não capaz de absorver os diferentes modelos de desenvolvimento capitalista. O problema é o de verificar se ela chega ou não à fase da industrialização maciça. Se se realizar a hipótese de que ela chega à fase da industrialização maciça, em termos de associação com o capital externo e com a tecnologia externa, a condição pró-imperialista da burguesia nacional dependente não exclui a revolução burguesa como uma transformação estrutural. Ela significa que esta transformação final se processa em condições especiais. De qualquer modo, a revolução burguesa surge como o requisito global do processo e o alvo que lhe dá sentido. Ou há uma burguesia interna – embora sua “condição nacional” seja heteronômica – que controla o processo ou não há nada. Porque se não houver uma burguesia interna que controle o processo, qual é a alternativa? Em um extremo, a persistência da situação colonial. Em outro extremo, poderia ser uma regressão à situação colonial. Haveria uma terceira hipótese: a transição direta para o socialismo. Aí, porém, não se estaria lidando com as nações capitalistas dependentes da periferia”.149

Além de ser tido por muitos autores como sua maior obra,150 este livro é um dos exemplos mais ilustrativos da afirmação de que a relação entre sociologia e marxismo em Florestan é paradoxal, provavelmente por estar posicionado no vértice sob a qual se realiza a ruptura, há pouco comentada. Trata-se de um Ensaio de interpretação sociológica – que teve

149 FERNANDES, Florestan. A condição de sociólogo. São Paulo: Hucitec, 1978, pp. 97-87.

150 “Florestan não havia produzido uma síntese de interpretação da história da formação da sociedade brasileira com o vigor

da A revolução burguesa. Todas as suas obras são, de alguma maneira, uma preparação para A revolução burguesa, mas acho que é com esse livro que ele logra, finalmente, entrar no panteão dos demiurgos do Brasil. De novo aí observa-se

radicalidade. Talvez o livro mais radical dessa coleção de obras-primas seja A revolução burguesa, ao apontar os limites e os problemas da democracia numa específica periferia capitalista”. OLIVEIRA, Francisco. Pensar com radicalidade e com especificidade. In: Revista Lua Nova, n.º 54, São Paulo: Cedec, 2001, p. 91.

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seu início em 1966 e sua finalização em 1974;151 trabalho que se alinha totalmente a resposta intelectual que Florestan dava à crise social e científica de sua época e que traz à tona seu novo posicionamento em processo de consolidação. Nele, o autor busca dar conta de um problema da história in flux: uma “resposta intelectual mais completa ao drama brasileiro”. Por outro lado, é sem dúvida uma análise sociológica, mas, uma análise que vai na contramão das ciências sociais desenvolvida na academia como ele mesmo denuncia:

O que havia ocorrido é que os “círculos acadêmicos” abandonaram o uso do conceito de dominação burguesa, a teoria de classes e, especialmente, a aplicação da noção de revolução burguesa à etapa da transição para o capital industrial nas nações capitalistas da periferia. Passou-se a falar, indiscriminadamente, em “elites” e em “modernização”, algumas vezes também em “transferência de tecnologia e de capital”, ignorando-se que esses processos requerem certos mecanismos supranacionais, certos requisitos econômicos, sociais e políticos, os quais só podem aparecer no contexto de uma sociedade de classes e no clímax de uma industrialização maciça, que por sua vez exigem o monopólio do conflito de classes pela burguesia (associada ou não a outras categorias sociais).152

Em síntese, Florestan, evidenciando aquilo que diz ser sua maneira de ver as coisas, tratará no texto de: “1.°) a emergência da ‘Revolução Burguesa’; 2.°) seus caracteres estruturais e dinâmicos; 3.°) os limites, a curto e a longo prazo, que parecem confiná-la e reduzir sua eficácia como processo histórico-social construtivo”.153 Como resultado, A revolução burguesa no Brasil, fixa um modelo interpretativo do capitalismo dependente, através da incorporação analítica do desenvolvimento do capitalismo brasileiro em seu sentido estrutural-histórico, ao mesmo tempo em que responde criticamente à posição de “círculos acadêmicos”.

É importante que destaquemos que a referência teórica para a composição da obra foi de principalmente três fontes, ao menos esta era sua intenção inicial:

[...] o primeiro trabalho no qual realizo uma exploração mais intensa de conceitos e procedimentos interpretativos de M. Weber (não por motivos conservadores, ao contrário) e acredito que

151 “Retomei, no Guarujá e em Itanhaém, o trabalho sobre revolução burguesa no Brasil. Redigira um largo capítulo, em 1966

(o qual então passei a máquina); e tinha uma parte de outro capítulo sobre a emergência da ordem social competitiva. Todavia, o assunto não me atrai tanto, em nossos dias. Bati à máquina o que escrevera sobre o elemento competitivo na antiga ordem escravocrata e senhorial – mas não vou terminar o capítulo. Vou deixar como está, largando às urtigas a análise de como a ordem social competitiva emergiu historicamente. Quem precisa saber isso, em nossos pobres dias? Em

compensação, vou escrever um capítulo novo, sobre as características da hegemonia burguesa no período da intensificação da industrialização. Junto os três capítulos, publicando o livro desse jeito (e não de acordo com o plano inicial, que era mais extenso e complexo. Penso que é o bastante, pois a revolução burguesa ‘já foi’...”. FERNANDES, Florestan. Carta para Barbara Freitag, S. Paulo, 8 mar. 1973. In: FREITAG, Bárbara. Florestan por ele mesmo. Estudos Avançados - IEA-USP, São Paulo, n. 26, 1996, p. 158.

152 Ib., Um ensaio de interpretação sociológica (1977). In: Ib., Brasil: em compasso de espera. São Paulo: Hucitec, 1980,

p. 78.

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consegui estabelecer uma ponte harmoniosa entre Weber, Mannheim e Marx, na explicação de processos histórico-sociais seculares.154

A revolução burguesa começa a ser escrita em 1966 e acaba sendo engavetada naquele ano, somente sendo resgatada em 1972, quando volta do exílio, e concluída em 1974. Entre 1966 e 1969, encontramos outros escritos do autor nos quais já desenvolvia este “hibridismo”, utilizando Marx e Weber como referência teórica para a análise do subdesenvolvimento. Temos uma exposição bastante clara de como o autor compreende as especificidades das duas contribuições na primeira parte do livro Sociedade de Classe e Subdesenvolvimento.155 No período do exílio, o autor realiza, como já vimos, uma ampliação de seus estudos sobre revoluções em países periféricos e os escritos de Lenin. Já podemos acompanhar nos escritos de então o delineamento de vários elementos que comporão a parte final de A revolução burguesa, como podemos verificar no livro Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina e no opúsculo publicado em Toronto, The Latin American in residence lectures.156

Figura 4 – Fichamento para palestra datada de 12 de março de 1971, intitulada: The Social Costs of

Development, escrito para exposição no The Latin American Committee and Department of Sociology, Harvard University. Escrita no período do exílio em Toronto. Colesp-UFSCar – Fundo Florestan Fernandes.

154 FERNANDES, Florestan. Carta para Barbara Freitag, S. Paulo, 6 abr. 1967. In: FREITAG, Bárbara. Florestan por ele

mesmo. Estudos Avançados - IEA-USP, São Paulo, n. 26, 1996, p. 158.

155 Ver principalmente o subitem 2 onde Florestan destaca, entre outras coisas, as contribuições de Weber, Marx e Durkheim

para a análise do subdesenvolvimento: A explicação macrossociológica do subdesenvolvimento econômico. In: Ib.,

Sociedade de classe e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.

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O desdobramento destas reflexões “híbridas”, principalmente as do final dos anos 60, terá em A revolução burguesa seu desaguadouro, ainda que incompleto. Trata-se de uma obra fundamental para suas análises posteriores; porém discordamos dos analistas que acreditam que Florestan constrói, a partir dela, uma espécie de camisa de força conceitual à qual ficará preso até o final de sua vida.

Esta ideia de paralisia na análise de Florestan pode ser vista em Carlos Nelson Coutinho, no seu artigo Marxismo e a “imagem do Brasil” em Florestan Fernandes.157 Para ele, Florestan não leva em consideração as mudanças que ocorreram na realidade entre o fim dos anos 70 e o começo dos 90; o que teria acarretado grandes equívocos na sua leitura de sobre a democratização do país. Coutinho trata em seu texto de pontos relevantes para uma problematização sobre nossa temática central, sendo um dos primeiros a fazê-lo, diga-se de passagem. Tomaremos, portanto, sua análise como uma primeira problematização do tema, para, na seqüência, nos aproximarmos da análise desenvolvida por Florestan.

Segundo Coutinho, a “imagem de Brasil” que Florestan desenvolve em A revolução burguesa busca se opor à imagem de Brasil formulada pelo PCB, que se pautava em um etapismo, no qual o país deveria transitar de um suposto feudalismo para o capitalismo – compondo, assim, uma via clássica de transição, como no caso da Inglaterra. Porém, Coutinho afirma que, para Florestan, a “via” de desenvolvimento capitalista no Brasil não se deu de forma clássica, aproximando-se nisso de Lenin e Gramsci, que trataram de analisar vias distintas para a consolidação do capitalismo em países como a Alemanha e a Itália. Todavia, mesmo dando mostra de haver tido um amplo contato com categorias e conceitos destes marxistas – como o de “via prussiana” de Lenin e de “revolução pacífica” de Gramsci –, o sociólogo paulista, em suas análises, não os utiliza ou “parece não ter apreendido corretamente o sentido dessa noção gramsciana”.158 Da mesma forma, “os termos ‘hegemonia’ e ‘sociedade civil’, nunca os emprega no sentido específico com que os mesmos são utilizados na obra de Gramsci”159 – categorias estas fundamentais para estruturar adequadamente a análise de uma via não clássica do desenvolvimento capitalista. No entanto, mesmo sem partir deste repertório analítico, Florestan acertaria ao apontar que a origem do Brasil não foi capitalista, uma vez que o capitalismo brasileiro nasce de uma sociedade que denominou como patrimonialista.

157 COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. 158 Ibid., p. 250.

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O ponto principal da não-classicidade do caso brasileiro, em Florestan, “residiria sobretudo nesse caráter dependente e subalterno de nossa formação social” – que gera o traço perverso de uma autocracia burguesa –, mas também do caráter tardio do capitalismo nacional – levando as classes dominantes a buscar apoio nos militares e não nas classes subalternas. Estes dois elementos centrais no pensamento de Florestan, são questionados pelo sociólogo baiano. Isto porque, a Alemanha e o Japão, por exemplo, também possuem um capitalismo tardio “e isso não impediu que Alemanha e Japão se tornassem [...] países imperialistas”, além do que:

para Lenin (e, de certo modo, também para Gramsci), o fato decisivo na geração de uma via “não clássica” para o capitalismo é um fator interno, residindo sobretudo no modo pelo qual o capitalismo resolve a “questão agrária”: a via clássica implica uma solução revolucionária [...] enquanto o caminho “não clássico” tem lugar quando a grande propriedade e a velha classe fundiária se conservam, introduzindo progressivamente e “pelo alto” novas relações capitalistas.160

Ou seja, Florestan erraria ao não ressaltar o elemento interno da questão agrária para desenvolver sua ideia de “via não-clássica”, colocando em seu lugar a ideia de dependência externa. Assim, ao articular intimamente este caráter tardio com a dependência econômica ao mercado internacional, sua posição se aproxima de outros autores marxistas brasileiros

que, embora por caminhos nem sempre semelhantes aos de Florestan, também insistem em definir nossa “não-classicidade” na transição para o capitalismo recorrendo prioritariamente a tais determinações provenientes da dependência do Brasil ao mercado internacional. É o caso, por exemplo, de J. Chasin [...], de Ricardo Antunes [...] e de Antonio Carlos Mazzeo, que se referem a uma “via colonial” ou “colonial-prussiana” para definir a modalidade de nossa “revolução burguesa”.161

Ao desenvolver esta análise sobre a obra de Florestan, é compreensível que Coutinho discorde da posição do autor, na medida em que discorda do que seria a particularidade do desenvolvimento do Brasil e suas conseqüências em nível estrutural.

Dentre os autores citados pelo próprio Coutinho, vale que retomemos a análise de José Chasin, que desenvolverá uma ampla reflexão, em O Integralismo de Plínio Salgado, sobre o que denomina de “via colonial”, pois, através de sua análise, supera algumas das argumentações de Coutinho e se aproxima de Florestan Fernandes.

Para Chasin, diferente da Alemanha, que teve um desenvolvimento capitalista tardio, o Brasil se desenvolve de forma hiper-tardia, ou seja, historicamente ainda mais tarde que

160 COUTINHO, Carlos Nelson. Op. Cit., p. 256. 161 Ibidem.

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Alemanha e Itália. Por outro lado, a diferença dos elementos que antecedem a consolidação do capitalismo industrial entre Brasil e Alemanha é fundamental na constituição de suas burguesias, que apresentarão disposições distintas para a efetivação do capitalismo. Enquanto a Alemanha rumará ao capitalismo pelo que Lenin denominou de via prussiana – desenvolvendo uma conciliação entre burguesia e feudalismo e se pautando em elementos internos para isso – o Brasil realizará uma conciliação entre burguesia e latifundiários, o que o mantém subordinado ao capital externo; pois, enquanto o feudalismo alemão já havia criado um mercado nacional, os latifúndios brasileiros estavam atrelados ao mercado internacional. Assim, a via colonial, da mesma forma que a via prussiana de Lenin, efetua uma conciliação do historicamente velho com o historicamente novo; no entanto, devido à estrutura econômica brasileira estar, desde sua origem, subordinada à dinâmica externa do capital, sua burguesia não terá condições de impulsionar internamente a ruptura com os países imperialistas e levar a cabo a constituição de um capitalismo autônomo.

Apesar de haver diferenças entre Chasin e Florestan, ao recuperarmos alguns elementos próximos, a via não-clássica de Florestan não parece mais ser tão problemática como Coutinho nos apresenta; isto porque, ambos os autores não partem, como Coutinho sugere, de uma superposição categorial: não é porque Lenin e Gramsci apontam, corretamente, que no caso da Alemanha e Itália a via não-clássica se deu internamente, que todas as vias não-clássicas, necessariamente, terão que repetir o caminho prussiano.

A análise de Chasin, apesar de corretamente cumprir a função de superar a posição de Coutinho, não deve ser imputada à análise de Florestan, pois seria enviesar a compreensão do ideário florestaniano. Isso fica claro, por exemplo, ao tratarmos de uma “via não-clássica” em Florestan, substituindo ou dissolvendo o caráter modelar da revolução burguesa, como faz Coutinho. Ao procedermos desta forma, sem mediações, estamos retirando a especificidade da análise de Florestan que não parte e articula seu conceito de “revolução burguesa” através da ideia de via (que teria um caráter diacrônico), mas sim de modelo (que possui um caráter sincrônico), mais apropriado à realização de uma análise comparada.

Há, em Florestan, a particularização do capitalismo em um modelo, cujo caso clássico é o Brasil, mas que serve como referencial analítico também para a América Latina em geral; trata-se do modelo do capitalismo dependente, que se diferencia do modelo clássico ou normal que, segundo Florestan, Marx identifica no capitalismo inglês. Florestan busca, desta forma, resgatar um modelo adequado para explicação do caso brasileiro – travando assim uma aproximação entre história e sociologia – o que “significa, apenas, que se precisa usar conceitos, categorias analíticas e interpretações clássicas tendo em vista uma situação

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histórica peculiar, na qual a realidade se apresenta de outra maneira (e exige uma redefinição do modelo que alimenta as suposições axiomáticas da descrição sociológica)”.162

Por isso, quando Florestan expõe o porquê de não caracterizar o modelo de capitalismo brasileiro como colonial ou neocolonial,163 podemos entender que sua preocupação é a de enfatizar a revolução burguesa no Brasil como uma preocupação de caracterização sociológica; o que, partindo deste prisma, está correto: não faria sentido falar em capitalismo colonial ou neocolonial, uma vez que já não é a estrutura colonial a que opera no país. O que ele faz é, prioritariamente, criar uma ferramenta para a análise sociológica; ainda que, no intuito de superar as posições conservadoras, resgate também as estruturas históricas que geraram e atravessaram tal modelo:

O primitivo capitalismo mercantilista, que impregnou as atividades econômicas no período colonial e na transição neocolonial, não se evapora: ele continua entranhado no espírito dos agentes econômicos externos e internos, todos orientados por uma mentalidade especulativa predatória. [...] A descolonização nunca pode ser completa, porque o complexo colonial sempre é necessário à modernização e sempre alimenta formas de acumulação de capital que seriam impraticáveis de outra maneira. Contudo, quando a revolução burguesa se torna estruturalmente irreversível, ela sedimenta um mundo capitalista inconfundível, que possui duas faces igualmente essenciais para a existência e a sobrevivência do capitalismo na América Latina.164

O problema é que, partindo desta perspectiva “modelar” e não de via de desenvolvimento, Florestan não ressalta o processo de transição capitalista em sua forma histórica mais ampla, e sim “deixa transparecer uma supervalorização do conteúdo essencialmente revolucionário da transição capitalista em detrimento da forma histórica especificamente contra-revolucionária que este movimento tende a assumir em todas as transições retardatárias”.165 Ou seja, ao fixar elementos da estrutura capitalista em um modelo, este acaba ficando desarticulado com o desdobramento do capitalismo em nível mundial e acaba ressaltando uma revolução ou modernização no Brasil. Florestan acaba mediando este problema ao integrar este modelo às estruturas históricas de longa duração, mesmo assim, de

162 FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na America Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1973,

p. 35.

163 “Tem-se discutido se o capitalismo dependente é ‘colonial’ ou ‘neocolonial’ [...] Existem vários tipos de colonialismo e de

neocolonialismo. Não seria difícil, portanto, descobrir similaridades significativas entre o antigo sistema colonial, a transição neocolonial e o capitalismo dependente propriamente dito. O conhecimento resultante de semelhantes comparações apenas apanharia certas determinações estruturais de significado geral, fora e acima dos contextos histórico-sociais através dos quais seria possível apreender sua importância específica, para a formação e o desenvolvimento do mercado, do sistema de produção e da sociedade global, nas três fases apontadas. Seria, em suma, um conhecimento sociológico pouco útil à compreensão e à transformação da realidade”. Ibid., pp. 45-46.

164 Ibid., pp. 51-52.

165 PAIVA, Aguedo Nagel. Capitalismo dependente e (contra) revolução burguesa no Brasil: um estudo sobre a obra de

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um posicionamento marxista – tendo como referência a utilização do termo revolução e contra revolução em Marx e também em Lenin –, trata-se de uma utilização problemática do termo.

Ora, esta revolução burguesa no Brasil é mais atrasada e contra-revolucionária do que no caso prussiano, do qual Marx já tratava nos seguintes termos:

bem longe de ser uma revolução europeia, era apenas o retardo eco débil de uma revolução europeia num país atrasado. Ao invés de estar à frente de seu século, atrasara-se mais de meio século em relação a ele. Era desde o princípio secundária, mas é sabido que as doenças secundárias são mais difíceis de curar e ao mesmo tempo exaurem mais o corpo do que as moléstias primárias. Não se tratava de uma nova sociedade, mas do renascimento berlinense da sociedade morta em Paris.”166

Assim, com razão, Paiva, pontua tal paradoxo em Florestan Fernandes, ao resgatar suas contribuições para uma particularização do desenvolvimento histórico do capitalismo brasileiro e comparar a categoria revolução burguesa em Florestan com a utilização da categoria em Lenin e Marx, demonstrando à impropriedade do modelo “revolução burguesa” para o caso brasileiro dentro da tradição marxista. Porém, não coadunamos com sua