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BASES SOCIAIS E SIGNIFICADO DA DITADURA MILITAR: A CONTRA-REVOLUÇÃO PREVENTIVA

PARTE I: REPOSICIONAMENTO TEÓRICO-PRÁTICO

2. AUTOCRACIA: ESTRUTURA DE PODER E DOMINAÇÃO

2.3 BASES SOCIAIS E SIGNIFICADO DA DITADURA MILITAR: A CONTRA-REVOLUÇÃO PREVENTIVA

Como vimos, a autocracia como estrutura histórica do capitalismo dependente é resultado da forma como se incorporam, especificamente, o “poder” e a “dominação” da classe burguesa periférica. Um processo que ocorre como desdobramento de uma sociedade patrimonialista, cuja estrutura econômica é orientada para fora, que terá sua identificação como classe já em um período muito avançado do capitalismo em nível mundial e sob uma luta de vida e morte com o comunismo. A autocracia e sua manutenção seriam o resultado de uma dada mentalidade que visa preservar a concentração de poder, riqueza e privilégios, por “entender” que os destinos particulares destes burgueses representam o próprio destino da Nação.

No plano prático, a estrutura autocrática é fundamental para funcionalizar a dependência, dando uma carga excessivamente política à classe burguesa, de forma que esta possa atrelar o país às necessidades de seus aliados externos, ainda que fique como “sócia menor” de todo o processo.

Assim, só é possível entendermos a ditadura militar em Florestan Fernandes tendo em vista este quadro geral. Os militares não podem ser compreendidos como os paladinos da democracia que, temendo um golpe da esquerda frente às vacilações de um “governo débil”, se levantam para instaurar a ordem e garantir o progresso. O golpe militar foi a resposta de uma burguesia em pânico; foi mecanismo de defesa e modernização da estrutura autocrática que impera no Brasil desde sua colonização e, através dela, se consolida a particularidade histórica da “autocracia-burguesa”. Assim, a ditadura acumulou não só a função de preservar tal estrutura, mas de modernizá-la de forma segura para as classes dominantes.

A ditadura, para Florestan, é uma expressão da estrutura autocrática arcaica, cuja principal função foi a de frear um movimento que tendia à superação desta mesma estrutura; sofrear uma promessa de movimento que tendia a “completar” a revolução burguesa no Brasil. Por isso o golpe militar é entendido pelo autor como uma contra-revolução preventiva.

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Ainda de acordo com a análise contida em A revolução burguesa, pode-se dizer que nunca se chegou, no pré-64, a uma situação pré-revolucionária; “a situação existente era potencialmente pré-revolucionária”, na medida em que havia uma desarticulação e desorientação da dominação burguesa.

A adaptação da dominação burguesa às condições históricas emergentes, impostas pela industrialização intensiva, pela metropolização dos grandes centros humanos e pela eclosão do capitalismo monopolista, processou-se mediante a multiplicação e a exacerbação de conflitos e de antagonismos sociais, que desgas- tavam, enfraqueciam cronicamente ou punham em risco o poder burguês.256

Os conflitos no seio da própria burguesia “rasgavam as fendas pelas quais a instabilidade política se instaurava no âmago dos conflitos de classes”; ainda que não colocasse em risco a dominação burguesa, enfraquecia e inibia o poder burguês, além de, em parte, propiciava que “os conflitos tolerados e contidos ‘dentro da ordem’” se agravassem continuamente.

Cria-se, assim, “várias órbitas em permanente atrito, em torno das quais gravitavam os projetos de revolução nacional”, sem que a classe burguesa chegasse a uma conciliação em torno dos interesses de toda a burguesia. Será a própria expansão da economia capitalista que suscitará “pressões políticas suficientemente fortes para despertar e fomentar a solidariedade de classes burguesas”.

As esferas democráticas e nacionalistas, ligadas ao radicalismo burguês e especificamente à demagogia populista, acabaram por ultrapassam os limites pró-burgueses; transcenderam o reformismo e o nacionalismo democrático-burguês que compatibilizava um débil ponto de equilíbrio da sociedade de classes brasileira – dependente e subdesenvolvida.

A extrema concentração social da riqueza e do poder não conferia à burguesia nativa espaço político dentro do qual pudesse movimentar-se e articular-se com os interesses sociais mais ou menos divergentes. Ela só podia, mesmo, mostrar-se “democrática”, “reformista” e “nacionalista” desde que as “pressões dentro da ordem” fossem meros símbolos de identificação moral e política, esvaziando-se de efetividade prática no vir a ser histórico.257

Tornava-se impossível, naquele momento, que estratos de classe burgueses pudessem se servir do radicalismo burguês para buscar apoio das massas populares “sem arriscar os

256 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar,

1975, p. 322.

257 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar,

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fundamentos materiais e políticos da ordem social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvido”.

Ao mesmo tempo, ocorria a “emergência e a difusão de movimentos de massa antiburgueses, nas cidades e até em algumas áreas do campo”, que, ainda que não apresentassem um perigo imediato, intimidavam o poder burguês; além do que contaminavam a pequena burguesia formada por estudantes, sacerdotes, militares entre outros elementos, que somados à miséria e à pobreza generalizadas, criavam uma situação de possível convulsão social.

O papel do Estado nacional tem grande relevância neste contexto, pois sendo

[...] irrefreavelmente intervencionista, por efeito da extrema diferenciação e do crescimento congestionado de suas funções econômicas diretas e de suas múltiplas funções culturais, converteu-se numa formidável ordem administrativa (por causa de seu corpo de funcionários e de técnicos) e numa considerável força sócio-econômica (por causa da massa das empresas estatais e das inúmeras áreas em que incidiam, coativamente, os “programas especiais do Governo”).258

O poder da burguesia dependia, em grande parte, deste Estado, com o “transbordamento do radicalismo burguês na direção do poder estatal”, devido os governos de “base populista”, surge um novo temor da perda do controle burguês sobre o Estado:

As recentes origens patrimonialistas da burguesa brasileira, com seu agressivo particularismo e seu arrogante mandonismo conserva- dor, impediam uma compreensão mais ampla ou flexível do pro- blema [...] A simples autonomização institucional das funções básicas do Estado e a mera ameaça de que isso iria acarretar uma verdadeira nacionalização de suas estruturas administrativas ou políticas e servir de fundamento a um processo de centralização independente do poder, apareciam como uma clara e temível “revolução dentro da ordem” antiburguesa. 259

Temor não infundado, segundo Florestan, pois caso ocorresse uma transformação política, a burguesia perderia o controle do Estado e “o poder burguês se esvaziaria se perdesse o monopólio do poder estatal”, já que não era fundado em bases econômicas e sociais sólidas.

Soma-se, como elemento crucial neste contexto, o papel da industrialização intensiva e a eclosão do capitalismo monopolista. Tais fatos, nascidos da dinâmica do capitalismo em nível mundial, ampliavam “de maneira explosiva, as influencias externas sobre o desenvolvimento capitalista interno, exigindo das classes e estratos de classe burgueses novos

258 Ibidem. 259 Ibid., p. 325.

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esquemas de ajustamento e de controle daquelas influências”. Cabia à burguesia nacional enfrentar seus efeitos políticos, “pois se a irradiação do capitalismo competitivo, de fora para dentro, não atingia diretamente as estruturas de poder político da sociedade brasileira, o mesmo não sucedia com a irradiação do capitalismo monopolista”.260

A burguesia nacional não poderia se indispor com seu aliado principal; era necessário ampliar a associação aos capitais externos e, ao mesmo tempo, impor um limite de interdependência que garantisse seu status “em parte mediador e em parte livre de ‘burguesia nacional’”; este status era, para a classe burguesa, mais importante que o próprio desenvolvimento capitalista e a diferenciava de uma burguesia-tampão, típica de países coloniais e neocoloniais:

Deste ângulo, percebe-se claramente o quanto o referido status é importante para uma burguesia dependente. Ele constitui a base material de autoproteção, autodefesa e auto-afirmação dessa burguesia, no plano das relações internacionais do sistema capitalista mundial. Privadas desse status, as burguesias nativas da periferia não contariam com suporte e funções políticas, que o monopólio do poder estatal lhes confere, para existir e sobreviver como comunidade econômica. Daí a perturbadora evolução política do desafio externo, para uma burguesia tão empenhada em atingir o ápice da transformação capitalista através da “colaboração externa” e da “associação com os capitais estrangeiros”.261

Não podemos deixar de lembrar aqui, mais uma vez, a influência weberiana. Se apontamos no capítulo anterior a importância da “situação de classe” na análise florestaniana, não podemos deixar de lembrar, com a passagem acima, a ideia de “situação de status”. No entanto, a situação de status está vinculada à “honra social” (ou prestígio), que nas palavras de Weber, “em contraste com a ‘situação de classe’, determinada de forma puramente econômica, queremos designar como ‘situação de classe’ todo componente típico do destino dos homens determinados por uma estimativa social específica, positiva ou negativa, de honra”.262 Mas a situação de status ocorreria dentro dos “grupos de status” ou, como Florestan utiliza, dentro dos “estamentos” e não de sociedades competitivas:

Para todos os efeitos, a estratificação por status caminha de mãos dadas com uma monopolização de bens ou oportunidades materiais e ideais, de uma forma que aprendemos a considerar como típica. Além da honra de status específica, que sempre repousa sobre a distância e a exclusividade, encontramos toda sorte de monopólios.263

260 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar,

1975, p. 326.

261 Ibid., pp. 326-327.

262 WEBER, Max. Classe, “Status”, Partido. In: VELHO, Gilberto; et all. Op. Cit., pp. 70-71. 263 Ibid., p. 76.

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Ou seja, Florestan cria um meio termo ou uma nova tipificação de caráter weberiano para dar conta da particularidade do modelo brasileiro no qual:

[...] a dimensão estamental é incorporada pela classe burguesa como traço estrutural na forja do processo histórico da sociedade. Isto tem conseqüências profundas na atuação dessa classe em todos os campos, especialmente nas áreas que mais importam, que são a econômica e a política. A mais importante delas é a orientação particularista, voltada para o privado e portanto mais consentânea com posições estamentais do que com posições de classe historicamente revolucionárias.264

Mas, retomando o raciocínio anterior, dentro deste contexto geral, a burguesia necessitava usar seu poder de classe para travar uma batalha que já não mais podia ser adiada e, assim, espantar todos os “fantasmas” reais e imaginários que perturbavam seu autoprivilegiamento que parecia ameaçado.

Nos países de modelo democrático-burguês, prevaleceu “uma ampla correlação entre radicalismo burguês, reformismo e ‘pressões dentro da ordem’ de origem extra burguesa (procedentes do proletariado urbano e rural ou das ‘massas populares’)”, já que as bases materiais de poder da burguesia deste modelo de capitalismo comportavam esta correlação, permitindo a manifestação das classes assalariadas, que se objetivava socialmente através do movimento sindical, dos partidos operários, etc.265 O radicalismo burguês poderia absorver as

pressões dos trabalhadores enquanto estas fossem compatíveis com a “revolução dentro da ordem”, dando certa elasticidade para a adaptação da ordem competitiva:

raramente as classes burguesas se viram na contingência de ter de empregar as “pressões dentro da ordem” e as “pressões contra a ordem” da classe operária (ou das massas destituídas) como um expediente normal de auto-privilegiamento em face de outros setores burgueses ou como técnica sistemática na obtenção de vantagens esporádicas.266

Desta forma, “o grau de diferenciação vertical e de integração horizontal” das classes burguesas garantia o poder burguês em bases materiais e políticas firmes, elásticas e estáveis, permitindo que o padrão de reação às pressões contra a ordem pudessem ser, “normalmente, mais tolerante, flexível e democrático”.

264 COHN, Gabriel. Florestan Fernandes - A revolução burguesa no Brasil. In: MOTA, Lourenço Dantas. (org.) Op. Cit.,

p. 399.

265 “Em conseqüência, o radicalismo burguês acabou refletindo, ao nível estrutural-funcional tanto quanto ao nível

ideológico, pressões que tinham uma origem operária, proletária ou sindical, as quais, com freqüência, transcendiam e colidiam com os interesses de classe especificamente burgueses. Isso tornou, muitas vezes, ambíguas as relações do radicalismo burguês com o socialismo reformista (e chegou a fomentar, mesmo, o que Lênin caracterizou como uma ‘infecção burguesa’ do marxismo)”. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 328.

266 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar,

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No caso de países dependentes e subdesenvolvidos, a situação é o contrário da descrita, pois “o grau de diferenciação vertical e de integração horizontal das classes e estratos de classe burgueses não era suficientemente alto e complexo para engendrar qualquer modalidade de consenso burguês, médio de tipo democrático”.267 Nestes casos, a burguesia

não tem condições de “articular e absorver interesses antagônicos ou semidivergentes das demais classes”, uma vez que a massa que compõe as classes burguesas é tão pequena que não pode fazer da condição burguesa uma estabilidade econômica, política e social:

Isso acirra o temor de classe e torna a inquietação social algo temível. Por conseguinte, a reação societária às pressões dentro da ordem obedeceu à natureza de uma mentalidade política burguesa especial, inflexível e intolerante mesmo às manifestações simbólicas e compensatórias do radicalismo burguês, e disposta a impedir ou bloquear o seu avanço, em particular, o impacto que elas poderiam ter sobre a aceleração da revolução nacional.268

Este temor de classe se funda, não em um obscurantismo intelectual e político, mas na compreensão de que a pressão dentro da ordem pode tirar a “revolução brasileira” de seu “ponto morto”; mas este padrão de reação acaba indo longe demais e, por assimilar as “pressões dentro da ordem” como “pressões contra a ordem” e o próprio radicalismo burguês “esclarecido” se confundir com a subversão e com o comunismo, já as pressões “contra a ordem” tornam-se ilegais e imorais.269

Esta versão da sociedade de classe impede que se estabeleçam articulações flexíveis com as pressões das classes dominadas dentro da ordem e absorção de suas pressões contra a ordem. Desta forma:

A dominação burguesa e o poder burguês ficam, em conseqüência, estreitamente confinados aos interesses e aos meios de ação das classes burguesas. E o consenso burguês não pode alargar-se em função do suporte direto ou indireto das demais classes, que não são articuladas à burguesia, quer mediante impulsões igualitárias de integração nacional, quer através dos dinamismos materiais de participação econômica ou dos dinamismos sociais de participação cultural e política. Ao se fecharem sobre si mesmas, as classes e os estratos de classe burgueses comprimem seu campo de atuação histórica e o seu espaço político criador, propriamente reformista ou revolucionário.270

267 Ibid., p. 329. 268 Ibid., p. 330.

269 “Não se tratava, porém, de um imobilismo histórico ou de uma defesa obstinada do estancamento. Ao contrário, os vários

estratos da burguesia se abriam tanto para as alterações da ordem, a partir de dentro, quanto para a ‘modernização dirigida de fora’, desde que as condições e os efeitos de tais processos estivessem sob controle conservador”. Ibid., p. 330.

270 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar,

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Cria-se uma sociedade competitiva que só está aberta para os que “se classificam positivamente, para as classes possuidoras, ou seja, para os ricos e poderosos” e que só se dá, no plano histórico, com a neutralização ou a exclusão das demais classes. “Não obstante, esse encadeamento liga entre si o senhor e o escravo, fazendo com que o destino daquele se realize através deste”. Para ganhar maior espaço político, as classes burguesas procuram pontos de apoios materiais e políticos nas classes operárias e excluídas e “esse não é, apenas, o fundamento da ‘demagogia populista’. Nele se acham a essência do regime republicano, com seu presidencialismo autoritário, e o fulcro do ‘equilíbrio da ordem’ durante toda a evolução da sociedade de classes”.

Apesar de toda a riqueza, segurança e estabilidade, “o centro de equilíbrio do mundo burguês desloca-se para o núcleo infernal de uma sociedade de classes extremamente injusta e desumana, cujo despertar surge como a derrocada final” – o que acaba por empobrecer e limitar o consenso burguês que se fecha sobre si próprio frente a qualquer desafio histórico.

A crise que se viveu no Brasil não advinha de qualquer movimentação das classes burguesas no sentido de uma consolidação da democracia burguesa no país, mas das pressões sociais que, dado o quadro acima, não poderiam ser representadas pelas classes burguesas como um problema de democratização, mas sim a necessidade de salvar as bases daquela ordem estabelecida.

O que entrava em questão era, portanto, o problema da autocracia (embora dissimulado sob a aparência ambígua da “democracia forte”). Só assim ela podia deter os processos incipientes ou adiantados de desagregação da ordem, passando de uma ordem burguesa “frouxa” para uma ordem burguesa “firme”. Aí, o ele- mento político desenhava-se como fundamento do econômico e do social, pois a solução do dilema implicava, inevitavelmente, transformações políticas que transcendiam (e se opunham) aos padrões estabelecidos institucionalmente de organização da eco- nomia, da sociedade e do Estado. As “aparências da ordem” teriam de ruir, para que se iniciasse outro processo, pelo qual a dominação

burguesa e o poder burguês assumiriam sua verdadeira identidade, consagrando-se em nome do controle absoluto das relações de produção, das superestruturas correspondentes e do aparato ideológico.271

A impotência burguesa de resolver as pressões dentro da ordem faz com que ela possua saídas históricas limitadas; não podendo resolver as mudanças essenciais para desenvolver-se como uma sociedade de classes independente, resta-lhe apenas o enrijecimento que sobrepunha a classe à Nação. A dificuldade de tal enrijecimento está

271 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar,

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justamente na capacidade coletiva das classes, pois “o grau de diferenciação vertical e de integração horizontal dessas classes estava aquém das ‘exigências históricas’”, de forma que a unificação da burguesia se dá a partir do elemento que possuíam em comum, que é o seu status enquanto classe possuidora. Por outro lado, o padrão de articulação burguês advinha dos dinamismos econômicos, sociais e políticos que ampliavam as contradições da burguesia, levando a que prevalecesse “a ‘regra de ouro’ de que aquilo que é bom para o agente individual também é bom para a burguesia como um todo, com o seu corolário prático: é melhor arcar com os efeitos negativos das tendências centrífugas, que assim se fortalecem, que lutar contra elas e submetê-las a controle deliberado, mas de implicações limitativas”.272

Erguia-se, assim, uma barreira que impedia qualquer transformação política da própria burguesia, o que não era novo para a burguesia brasileira; ela não é

[...] nem a primeira nem a última que tem de enfrentar esse ‘dilema de juventude’. Todavia, as classes e estratos de classe burgueses se viram diante do dilema, no Brasil, em uma época de crise estrutural e histórica do poder burguês. Não tinham tempo para esperar que os processos naturais de diferenciação vertical, de integração ho- rizontal e de articulação das classes burguesas promovessem, em um quarto de século [...], a maturação da ordem social competitiva e produzissem, assim, um padrão mais complexo e plástico de solidariedade de classe”.273

Desenvolve-se, assim, uma aglutinação mecânica que compõe uma hegemonia agregada; “impotentes para compor e superar suas divergências, eles deslocam o foco da unidade de ação, transferindo-o das grandes opções históricas para o da autodefesa coletiva dos interesses materiais comuns, que compartilhavam como e enquanto classes possuidoras”.274

As classes burguesas acabam por realizar, desta forma, uma aceleração burguesa da história, “sem modificar substancialmente a si próprios, à Nação e ao seu relacionamento material com as demais classes”, uma vez que descobrem um equivalente estrutural e dinâmico que não estava historicamente ao seu alcance, pois sem alcançar patamares de diferenciação, integração e articulação conseguem por

via política, uma unificação que permitiria atingir os mesmos fins, pelo menos durante o período de desgaste imprevisível e de risco supostamente mortal do poder burguês. Por elementar e tosca que seja, essa forma de hegemonia burguesa transferiu para as mãos da burguesia o controle do tempo, do espaço e da sociedade, fixando os ritmos internos do impacto da industrialização intensiva e da

272 Ibid., pp. 334-335. 273 Ibid., p. 335. 274 Ibidem.

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eclosão do capitalismo monopolista sobre a ordem social compe- titiva existente.275

Destarte, a burguesia contorna diversos problemas, pelo menos de forma transitória, superando sua impotência histórica e promovendo uma mudança qualitativa das forças