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A rodovia Cuiabá-Santarém: via terrestre de comunicação ao distrito

Em Castelo de Sonhos, não há aeroporto; por isso, não há vôos de linha regular para o lugar. Para chegar ao povoado, via aérea, somente é possível mediante o frete de um avião, tornando onerosa a viagem.

Já a viagem terrestre é o que se pode chamar de uma verdadeira aventura. A única estrada que dá acesso a Castelo é a rodovia BR-163. Fazendo o trajeto no sentido Cuiabá/MT –Santarém/PA, é possível sentir o “cheiro da aventura” assim que passa por Guarantã do Norte/MT. Dali em diante, todo o trecho está em estrada de chão. Na maior parte do trecho localizado na Serra do Cachimbo, há profundas voçorocas, às margens direita e esquerda da BR-163, as quais ameaçam invadir a pista, exigindo atenção redobrada dos motoristas para evitar qualquer deslize. Orrico (2004) faz um resumo do quadro viário da BR-163:

A fraca conectividade ao longo do eixo rodoviário não é representada strictu sensu pela ausência de ligações viárias (existem muitos ramais e vicinais) e nem mesmo pela ausência de linhas de transporte coletivo (é sempre possível comprar passagem rodoviária par quase todo o Brasil), mas sobretudo pela instabilidade das condições viárias, pela baixa freqüência dos serviços resultando evidentemente em baixo volume de transporte entre as localidades da área.

Nos longos períodos chuvosos, algumas empresas que fazem o trajeto suspendem as viagens para o trecho paraense, pela impossibilidade de se deslocar na via. Funcionam apenas os veículos alternativos, como as caminhonetes D20 tracionadas e, em certos casos, as vans.

Dessa forma, trafegar pela rodovia – se é que se pode dizer que a estrada naquelas condições é uma rodovia – exige tranqüilidade e paciência: pelo tempo despendido na lenta velocidade do veículo, em virtude das condições adversas da estrada; pelas altas probabilidades do veículo quebrar ou atolar no trajeto; pelas paradas para “arrumar” as pinguelas que servem de ponte para atravessar os igarapés; e pelo inadequado ou péssimo estado dos veículos de condução de passageiros – ora pelos rudimentares ônibus que fazem a conexão ao distrito82, ora pelas carrocerias das “pick ups”, onde são impropriamente transportados os passageiros, muitas vezes de forma “amontoada”. E, ainda, pela falta de pousadas, hotéis e restaurantes à beira da estrada, o que é um outro problema para os viajantes da BR-163.

82 Os veículos que têm linha de transporte operando na parte paraense da BR-163 são ruins e sem ar-

condicionado. Devido à péssima condição da rodovia, os veículos trafegam sem os pára-choques e o pára-lamas e com a suspensão levantada.

A solidariedade torna-se, então, um elemento essencial pelos que trafegam na estrada: para trocar os pneus; empurrar os veículos, tirando-os dos atoleiros; emprestar lanternas ou pilhas; consertar as pinguelas; trocar e/ou dar alimentos, água ou outra bebida. Mas, além da solidariedade, os motoristas de ônibus acrescentam um outro elemento, a fé: “Só Deus mesmo para nos proteger dessa rodovia”, disse um deles.

Nota-se, assim, que a construção da BR-163, um dos fatores que impulsionou a formação de Castelo de Sonhos, é uma espera de mais de três décadas. As dificuldades de locomoção das populações lindeiras à rodovia são grandes. Mello (2006) se impressiona com a situação crítica facilmente perceptível de ligar as pessoas pela estrada. Para ela, “A imagem mais forte é a dificuldade das pessoas saírem e chegarem nessas regiões”.

Os vários anúncios feitos pelos representantes políticos de que a rodovia seria asfaltada ao longo dos últimos anos já levaram a população a deixar de criar expectativa83. A comunidade, com seus diversos atores – embora com interesses diversos –, anseia pela pavimentação da estrada, mas entende que essa obra não passa de uma promessa política reafirmada a cada campanha eleitoral, para cooptar votos. Por isso, não acredita no asfaltamento, o qual, para sua maioria, representa um palanque político. O depoimento do jornalista Douglas Araújo elucida a descrença na pavimentação:

Esse asfaltamento da BR-163, ele é muito articulado na questão do corredor do que seria para a soja; e que seria um marco de tudo para o nosso País: seria o asfaltamento da BR-163. Mas ele se transformou em um curral eleitoral, de alto escalão. Porque todos os presidentes e os presidenciáveis, a primeira bandeira que eles levantam é a pavimentação da BR-163. [...] Então, esse corredor que eles tanto pregam, que é a transformação desse elo com o Porto de Santarém, não passa de um curral eleitoral para os políticos.

A própria comunidade, diversas vezes, já se uniu para “melhorar” a rodovia, deixando-a em condições de trafegabilidade. Outrora, para manter a BR-163, no auge da corrida do ouro, era cobrado um pedágio dos veículos que saiam do distrito, como registrou o Jornal Folha de Colíder84:

Lá existe um sistema de pedágio que é cobrado na saída da cidade no valor de 25 até 50 cruzados novos, dependendo do porte do veículo, com a finalidade de conservação das estradas. A Prefeitura e o Estado até então nada fez para Castelo

83 As reportagens também registram a descrença da população, como a matéria “A estrada do Abandono” da

Revista Istoé, nº 1826, de 6 de outubro de 2004, p. 55: “A expectativa da população, a grande maioria migrante, que vive às margens da rodovia, oscila entre a esperança e a descrença. Com asfalto e manutenção, a estrada traria desenvolvimento econômico para a região, mas eles não acreditam que isso possa acontecer, uma vez que são trinta anos de promessas não cumpridas”.

de Sonhos. Agora, com o crescimento da cidade começam a surgir os primeiros problemas como a falta de água, de energia e a necessidade de se construir esgotos. Nos anos de 2004 e 2005, os moradores castelenses, segundo a Comissão Pró- Emancipação, arcaram com 78,73% dos gastos para “arrumar” a estrada, no trecho que vai da divisa do Estado de Mato Grosso até Castelo de Sonhos. Esse valor foi calculado a partir da estimativa do valor das diárias das máquinas cedidas pelos empresários locais. Em contrapartida, as prefeituras municipais de Novo Progresso e Altamira e o governo do Estado do Pará forneceram óleo diesel para alimentar as máquinas na operação (Quadro 13). O intrigante é que, embora se tratasse de uma rodovia federal, a União não teve nenhuma participação na manutenção desse trecho da BR-163, no período mencionado.

Quadro 13 – Participação dos segmentos no melhoramento da BR-163, do Trecho de Castelo de Sonhos à divisa com Mato Grosso, nos anos de 2004 e 2005

SEGMENTO VALOR DA PARTICIPAÇÃO PORCENTAGEM DA PARTICIPAÇÃO FORMA DA PARTICIPAÇÃO Empresas privadas de Castelo $357.169,57 78,73%

Locação das máquinas e camionetes utilizadas para a execução dos serviços

Prefeitura Novo

Progresso $6.000,00 1,32% 3.000 litros óleo diesel

Prefeitura Altamira $32.500,00 7,16% 15.000 litros óleo diesel

Estado do Pará $58.000,00 12,79% 30.000 litros óleo diesel

Total $453.669,57 100%

Fonte: Elaborado a partir de dados encaminhados pela Comissão de Pró-Emancipação de Castelo de Sonhos ao GTI/BR-163.

Essa realidade, tão diferente daquilo que foi um dia prometido e sonhado, provoca um sentimento de desconsolação, pessimismo e revolta: “Este lugar está crucificado a não desenvolver”, como desabafou um morador.

O sentimento procede, pois ao mesmo tempo a população assistia aos anúncios do Governo Federal destinando verbas para a manutenção da rodovia BR-163. Como previu o próprio Plano, o Ministério dos Transportes investiu “R$ 40 milhões em 2005/06 para a manutenção das BR-163 e BR-230, garantindo condições de trafegabilidade” (BRASIL, 2006c).