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Os desafios da política ambiental em Castelo de Sonhos

3.9 Enfim, a questão ambiental

3.9.3 Os desafios da política ambiental em Castelo de Sonhos

Toni e Kaimowitz (2003) explicam que, para que um município tenha êxito na sustentabilidade ambiental, é necessário que ele atenda a um conjunto de fatores, dentre os quais pode-se citar:

(i) estar fora da região de fronteira;

(ii) não ter uma elite política onde predominem madeireiros, pecuaristas e grileiros; (iii) não ter grandes conflitos pela posse da terra nem elevada concentração fundiária; (iv) ter movimentos sociais fortes;

(v) contar com um prefeito que tenha uma atitude ambiental positiva e que desfrute de um bom relacionamento com o governador de seu estado e outros políticos influentes;

(vi) ter uma boa infra-estrutura administrativa na área ambiental/florestal;

(vii) oferecer condições favoráveis para a instalação de escritórios de ONGs e agências governamentais; e

(viii) contar com a colaboração de atores externos, o que na prática é quase uma conseqüência natural dos fatores anteriores.

Com base nesses elementos, Castelo de Sonhos está longe de ter uma gestão ambiental efetiva, pois não atende a nenhum requisito. O distrito se localiza justamente na ponta de lança de expansão econômica vinda do norte-matogrossense, com a predominância de um grupo de grandes fazendeiros. Como já visto, o povoado ergueu-se sobre a grilagem das terras da União e possui graves conflitos fundiários, que já fez várias vítimas. Não há um movimento social forte. Aliás, ali, além das igrejas, localiza-se apenas um sindicato de trabalhadores e outro patronal, além da Associação das Mulheres Trabalhadoras de Castelo de Sonhos (AMTCS). Mas, a ameaça constante aos trabalhadores sindicais e outros militantes não permite sua atuação efetiva.

A pouca articulação dos castelenses com o governo estadual e do governo federal – mais especificamente por meio do GTI da BR-163 – está ligada à luta pela emancipação do distrito. Se o órgão de meio ambiente de Altamira já é incipiente, em Castelo de Sonhos é inexistente.

Tampouco há um diálogo da população local com ONGs e outras instituições. Uma representante de uma ONG nacional influente na região na Amazônica e que atua com as causas socioambientais, aos ser indagada sobre a não-atuação em Castelo de Sonhos, esclareceu: “Reconhecemos que não atuamos no local e nem conhecemos ninguém ali. Mas é difícil estarmos presentes em todos os locais”. Assim, Castelo de Sonhos aparenta ser um distrito invisível, tanto para o poder público, como para as ONGs. As principais suposições para isso estariam no receio de se estar em uma “terra sem lei”, acrescida ao fato do distrito não ser um ente político-administrativo autônomo.

Com essa falta de amparo e desprezo, os próprios líderes locais que se preocupam com as questões ambientais e sociais não encontram suporte nem aliança de atores externos para modificar a realidade local e tomar um novo rumo no desenvolvimento de Castelo de Sonhos. Sem essa aliança, torna-se impossível a concretização das políticas ambientais no distrito e em toda a extensão do território altamirense. Até mesmo porque sua efetividade envolve o

diálogo e a gestão compartilhada de responsabilidade dos diferentes atores. É o que afirmam Toni e Kaimowitz (apud ROCHA, BARBOSA, 2003, p.102):

Dado o tamanho territorial do município de Altamira e a variedade de problemas a serem enfrentados, torna-se necessário fazer planos e articulações além do poder municipal e dos atores locais. Grande parte das questões ambientais mais relevantes do município dizem respeito às várias áreas do governo e dependem da articulação entre os diversos órgãos nas três esferas de poder e destes coma sociedade civil. Além da articulação entre esferas e agências de governo, faz-se necessário, também, uma articulação horizontal entre Altamira e os municípios circunvizinhos, ora que se construa uma visão mais regional de intervenção.

Leroy (1993) também entende que a efetivação das políticas públicas implica a abertura de espaços institucionais adequados à sua negociação entre os atores sociais e o Estado, com o devido respaldo técnico-operacional, bem como a disposição para captar os recursos financeiros necessários à concretização dos elementos pactuados.

Isso significa que, para haver a implantação do Plano BR-163 e de outras políticas

públicas de desenvolvimento sustentável, o abandono de Castelo de Sonhos não pode

prosseguir como está. Os atores locais não dispõem de poder político, nem econômico ou administrativo, capaz de suprir a ausência e/ou insuficiência de todas as esferas de instituições do poder público.

A preocupação quanto à continuidade dos rumos insustentáveis que a dinâmica local pode seguir intensificam-se, pois embora Castelo de Sonhos seja só um distrito, ele se encaixa no conceito que Toni e Kaimowitz (2003, p.411) chamaram de “Municípios de risco”, ou seja, aquele que tem “situação sociopolítica tensa, em geral localizados na faixa de fronteira agrícola e com forte atividade madeireira”. Nesses casos, é primordial uma “ação estatal incisiva”; porém, flexível e gradual.

Diz Gutberlet (2002) que, para as políticas ambientais e sociais surtirem efeitos, elas precisam “descer” para o nível local, aproximando-se de quem deveria dar as soluções. É claro que existe o risco da burocracia, da corrupção, da ganância e da falta de comprometimento tomar conta do processo. Por isso, é necessário organização e estruturação participativas e transparentes para o exercício do controle das políticas e das tomadas de decisões.

Sachs (2002) diz também que é crucial uma abordagem negociada e participativa em áreas sensíveis. Porém, não parece, a partir dos dados coletados e já apresentados, que esse ponto foi rigorosamente observado na adoção das medidas do Plano BR-163 Sustentável – pelo menos quanto ao grau de negociação. Como diz Ferreira e Pinto (2006, p.321),

[...] é importante ressaltar a distância entre a retórica e a prática no que diz respeito à participação universal de atores em ações que requerem consenso e convergência de propósitos. Os interesses de grupos, de corporações e de setores específicos da sociedade em geral, tornam processos de legitimação social em atividades complexas, com múltiplas variáveis, sugerindo que o país ainda está distante das premissas do desenvolvimento sustentável que tanto povoam o discurso contemporâneo de modernidade do Estado brasileiro.

A pequena quantidade de entrevistados cientes do conteúdo do Plano representa o pouco envolvimento participativo da comunidade. Apenas 15,1% dos entrevistados responderam ter ouvido falar sobre o Plano BR-163 Sustentável, mas não souberam explicar sobre o que se tratava. Apenas 2,0% conseguiram dizer genericamente sobre o que se travava o Plano (Quadro 14).

Quadro 14 – Pessoas que conhecem o Plano BR-163 Sustentável

NUNCA OUVIRAM

FALAR JÁ OUVIRAM FALAR GENERICAMENTE CONHECEM Número de

pessoas 121 22 3

Fonte: Pesquisa de campo em maio de 2006.

A observação sobre o envolvimento das comunidades – às quais o Plano se dirige – é importante para que os problemas e impactos das principais atividades econômicas verificadas no local – ou em vias de implementação – sejam geridos de forma adequada e os atores sejam a consensos – pelo menos em alguns aspectos – de forma a assegurar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O Quadro 14 apresenta várias atividades econômicas e os possíveis impactos socioambientais que vem sendo desenvolvidos sobre a floresta, as nascentes e as margens de rios ou solos frágeis. E a maior parte delas tem produzido um grande desperdício de recursos naturais.

Mas, no distrito, não há nenhuma instituição – pública ou privada – que atue voltada para o meio ambiente. Dessa forma, a ausência de política ambiental adequada no local, toda a riqueza natural do distrito torna-se uma arma de cobiça, destruição e conflitos.

Ressalta-se que a criação, em si, das unidades de conservação e outras áreas protegidas no entorno da BR-163 não é garantia de plena proteção da floresta. Por um lado, sabe-se que elas têm um papel ímpar na proteção de recursos naturais e evitam, ainda, que os efeitos das frentes de expansão econômica sobre a floresta sejam piores. Mas, para que elas tenham efetividade, é necessário despertar as comunidades do interior das áreas, como de seu entorno,

para o leque de atividades econômicas em bases sustentáveis que podem ser implantadas, em substituição a outras degradantes anteriormente desenvolvidas no local. Também, é preciso adotar políticas públicas que proponham, incentivem e apóiem essas alternativas econômicas sustentáveis, para garantir a sobrevivência da população (PINTO, 2005).

Enfim, convém retomar a percepção ambiental dos moradores, descrita no tópico anterior. Os castelenses fizeram fortes associações do meio ambiente com o desemprego e sua fonte de subsistência – a floresta. Isso significa que a questão ambiental implica, necessariamente, a busca por melhores condições de vida e de trabalho. Por isso, as medidas ambientais não devem ser tomadas de modo isolado, mas de forma transversal e concomitante a outras políticas vinculadas às agendas social e econômica.

Quadro 15 – Principais atividades econômicas em Castelo de Sonhos e possíveis impactos socioambientais negativos

Fonte: Adaptado a partir de Gutberlet (2002).

ATIVIDADES/IMPACTOS COBERTURA VEGETAL SOLO RECURSOS HÍDRICOS E ATMOSFERA OUTROS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS

Garimpo de ouro Desmatamento, facilitando o avanço do fogo Erosão regime hidrográfico, poluição Assoreamento e alteração do hídrica e do ar por mercúrio

Impactos na saúde, problemas sociais, criminalidade, prostituição, violência, percursos para a expansão

da ocupação Expansão da extração ilegal

de recursos da floresta

Corte seletivo, perda de biodiversidade, aumento do

risco e incêndio

Erosão pontual pela extração e expansão das vias de transporte

Assoreamento e processos erosivos pontuais

Pressão sobre as áreas protegidas e privação das populações tradicionais

de usar a floresta Extração de minérios transporte e ocupação) Desmatamento (por Erosão

Assoreamento e alteração do regime hidrográfico, contaminação do lençol freático

pelo uso de agentes químicos.

Precursor para outras atividades de extração e exploração, impactos da

ocupação antrópica Projetos convencionais de

assentamento Desmatamento e queimadas na floresta

Erosão e perda de fertilidade de solo por

práticas inadequadas

Poluição hídrica pelo uso de agrotóxicos e por esgoto e lixo, assoreamento de rios e igarapés pelo desmatamento das florestas

de galeria

Avanço da fronteira agrícola com a ocupação de áreas florestadas.

Graves problemas sociais e econômicos (pobreza, miséria,

desilusão etc.). Mecanização e monocultivo Desmatamento e queimadas principalmente no cerrado Compactação do solo e perda de nutrientes atmosférica por agrotóxicos, Contaminação hídrica e

assoreamento

Abandono das atividades da pequena produção e migração para a cidade Expansão da pecuária

extensiva

Desmatamento (florestas e cerrado), queimadas

regulares Erosão e lixiviação

Contaminação e assoreamento de igarapés, produção de gás

metano

Grilagem, expansão irregular da atividade e conflitos de terra Asfaltamento da BR-163 Desmatamento, facilitando

o avanço do fogo Erosão

Assoreamento e processos erosivos pontuais; intensificação

da poluição do ar e do braulho

Grilagem, problemas sociais, criminalidade, prostituição, violência, percursos para a expansão