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De uma forma geral, a elaboração de políticas públicas para a Amazônia, ao longo da história, tinha uma concepção de planejamento, que desconsiderava seus aspectos naturais e culturais. Na verdade, a Amazônia quase nunca estruturou seus próprios interesses, pois estes ocupavam uma posição periférica diante do rol de prioridades do governo federal. A observação abaixo traduz, sinteticamente, essas mazelas das políticas públicas na região:

As políticas públicas para a Amazônia têm carecido, ao longo de décadas, de referência institucional com capacidade de articular e integrar os esforços necessários para reverter as contradições e as desordens socioambientais acumuladas pelos diferentes ciclos de ocupação. Além das limitações institucionais, as restrições orçamentárias e o alcance limitado dos serviços e instrumentos econômicos oficiais diminuem o efeito de políticas, mesmo quando bem formuladas (BRASIL, 2006a, p.25).

Esse ponto de vista de planejamento regional e de implementação de obras de infra- estrutura não foram exclusividade do governo militar, mas, uma constante nos vários projetos. Mesmo as políticas recentes deram prioridade ao viés econômico, em detrimento do social e do ambiental, como o Programa Avança Brasil (2000-2003) do Governo Fernando Henrique Cardoso. Ele tratava-se de um “mega-projeto de desenvolvimento”, que apresentou um pacote de medidas que compreendiam basicamente (i) a integração internacional do norte; (ii) a logística na região do Madeira-Amazonas; (iii) a logística no Brasil Central; e (iv) a geração de energia hidrelétrica e linhas de transmissão. O Programa foi, então, concebido apenas em termos de crescimento econômico, sem maiores preocupações com as vertentes social e econômica. Como nos programas anteriores, não houve mudança para o desenvolvimento sustentável (KOHLHEPP, 2002; PAGNOCCHESCHI, BERNARDO, 2006).

A pavimentação da BR-163 era contemplada nesse Programa e referida como um “eixo nacional de integração e desenvolvimento” e um importante “corredor econômico”. Essa abordagem se assemelhava à concepção do Programa de Integração Nacional (PIN), proposto pelo governo militar, nos anos 1970, e que levou à abertura da rodovia Cuiabá-Santarém, para ligar o Norte ao Centro-Sul do País (KOHLHEPP, 2002).

Em meio à emergência das discussões sobre política ambiental e à estruturação das ONG’s na região amazônica, o Programa Avança Brasil apresentou-se indigesto pela sua estratégia de implementação “de cima para baixo”, indiferentemente às questões ecológicas e às demandas sociais básicas. Dele, “restou, basicamente, o desgaste governamental de ter

construído uma pauta de investimentos para a atração do capital privado, desprovida de cuidados ambientais adequados e carente de marco legal que permitisse sua implementação” (PAGNOCCHESCHI, BERNARDO, 2006, p. 117).

No Governo Lula, a pavimentação da BR-163 voltou à pauta de prioridade política. O Plano Plurianual (PPA)24 2004-2007, chamado de Plano Brasil de Todos, previu orçamentos para a pavimentação da BR-16325. Investimentos em infra-estrutura foram colocados como medidas necessárias para “eliminar os principais gargalos do setor produtivo e reduzir os custos de logística, e no setor exportador, para sustentar a expansão das vendas brasileiras no mercado internacional”. Isso seria alcançado por meio do portfólio de projetos estruturantes, desenvolvidos com base na macrorregião em que estão inseridos, visando a alcançar a integração das regiões do País entre si e com a América do Sul, e a fortalecer as vantagens competitivas (BRASIL, 2003).

Até aí, o Plano Brasil de Todos, do ponto de vista teórico, aproxima-se bastante do que era apresentado no Avança Brasil. A diferença está na insistência da abordagem teórica de uma concepção de planejamento estratégico para a Amazônia, caracterizada pelo discurso da ação transversal e integrada de órgãos de governo, particularmente no que diz respeito à estrutura de tratamento da questão ambiental, para se alcançar a sustentabilidade. Essa idealização da transversalidade pode ser facilmente apreendida, como no trecho abaixo:

O esforço da atual gestão do Governo Federal [Lula], liderado pelo MMA, sinaliza no sentido de buscar uma ação integrada “transversal”, para reduzir as contradições das políticas públicas e otimizar os meios disponíveis. Com este propósito a área ambiental do Governo Federal vem utilizando as lições aprendidas e as experiências-piloto que a cooperação internacional proporcionou, principalmente através do programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PP-G7), para rever as atuações dominantes, e com o suporte da Casa Civil da Presidência da República, mobilizar os meios para implementação dos programas descritos acima. (BRASIL, 2006a, p.25).

Nessa perspectiva da transversalidade e diálogo, o governo federal traçou outros planos e programas para a Amazônia. Embora com objetivos gerais distintos, muitas das ações previstas para a Amazônia no PPA 2004-2007 se sobrepõem espacialmente, atribuindo um

24 O PPA, previsto no artigo 165 da Constituição Federal, consiste em um instrumento de planejamento

estratégico do governo federal que estabelece de forma regionalizada, as diretrizes, os objetivos e metas da Administração Pública Federal nos investimentos, nas inversões financeiras e na transferência de capital e para as despesas relativas aos programas de duração continuada. “Elaborar o PPA é decidir quais são os investimentos mais importantes dentro de um projeto de desenvolvimento que a nação brasileira ainda busca definir, com prazo que ultrapasse os períodos de quatro anos de governo” (FERREIRA, PINTO, 2006, p. 317).

25 No orçamento de 2007, há em torno de R$100 milhões de reais previstos para a pavimentação da BR-163, que

foi inclusive uma promessa de campanha política do governo federal para o período de 2007-2010. Há uma pretensão de se realizar a obra por meio de uma Parceria Público-Privada (PPPs).

leque de responsabilidades a diversos órgãos e esferas de governo. A concretização dessa transversalidade da questão ambiental exigirá um verdadeiro esforço do Governo Federal, diante dos diversos interesses que existem “na e para a região”. No âmbito do poder público federal, essa visão, na verdade, é restrita a poucos órgãos, como o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Integração Nacional.

Esses Ministérios são exatamente os órgãos principais que são responsáveis pela elaboração das ações previstas no PPA 2204-2007. São elas o Programa Amazônia Sustentável, o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal e o Plano BR-163 Sustentável.

1. Programa Amazônia Sustentável (PAS)

O PAS é um conjunto de diretrizes, estratégias e linhas de ação, estabelecidas pelo governo federal em parceria com os Estados da Amazônia Legal e que se intitula como a “primeira iniciativa de articular as ações de vários ministérios em torno de uma estratégia compartilhada de desenvolvimento para a Amazônia”26 (BRASIL, 2006b, p.5).

Tem como base de modelo de desenvolvimento a integração de cinco eixos temáticos: (i) gestão ambiental e ordenamento territorial;

(ii) produção sustentável com inovação e competitividade; (iii) inclusão social e cidadania;

(iv) infra-estrutura para o desenvolvimento; e (v) novo padrão de financiamento para a região.

2. Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal Diante das altas taxas de desmatamento, o governo federal, por meio do Decreto de 03 de julho de 2003, criou um Grupo Permanente de Trabalho Interministerial (GPTI), integrado por 13 órgãos27, coordenados pela Casa Civil da Presidência da República, com a finalidade

de propor um conjunto de ações visando à diminuição das taxas de desmatamento na Amazônia Legal. Tem como diretrizes básicas a valorização da floresta, o ordenamento fundiário e territorial, o planejamento estratégico da infra-estrutura, o monitoramento e controle ambiental e o melhor uso das áreas desmatadas.

26 O PAS tem como coordenação institucional os seguintes órgãos: Ministério da Integração Nacional, Ministério

do Meio Ambiente, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e Casa Civil da Presidência da República.

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Fazem parte do GTPI os seguintes ministérios: Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Integração, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério de Ciência e Tecnologia, Ministério de Minas e Energia, Ministério dos Transportes, Ministério da Justiça, Ministério da Defesa, Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio Exterior, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério das Relações Exteriores.

Parte significativa das ações propostas no Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal tem como área geográfica de atuação a região de influência da Cuiabá-Santarém.

3. Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a área de influência da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), mais conhecido como Plano BR-163 Sustentável

No âmbito do PAS, foi desenvolvida uma experiência pioneira de planejamento e desenvolvimento – o Plano BR-163 Sustentável –, com o objetivo de planejar o desenvolvimento territorial na faixa da Cuiabá-Santarém, mediante a minimização dos impactos socioambientais que podem advir com a pavimentação da rodovia, propondo um modelo de desenvolvimento sustentável para a região, como detalharemos nas próximas linhas.

2.4. O PLANO BR-163 SUSTENTÁVEL: EM BUSCA DE UM MODELO ALTERNATIVO