• Nenhum resultado encontrado

A seleção do professor e o descompasso com a avaliação do MEC

No documento O mercado do livro didático no Brasil (páginas 89-96)

Capítulo III Uma década da avaliação dos livros didáticos no PNLD (1996 a

3.3 A seleção do professor e o descompasso com a avaliação do MEC

Para o PNLD/97 e para o PNLD/98, excetuando-se a categoria dos livros excluídos, todas as outras que constaram nos Guias de Livros Didáticos, incluindo a dos livros não-recomendados, poderiam ser opção do professor.

Abaixo pode ser visto o primeiro Guia de Livros Didáticos editado, que inaugurou essa prática no PNLD.

1° Guia de Livros Didáticos, publicado em 1996,

para o PNLD/1997 (168 páginas)

Em relação à escolha dos professores, inicialmente ela recaiu majoritariamente sobre os livros Não-recomendados e Recomendados com ressalvas, como pode ser visto na Tabela 3.5:

Tabela 3.5: Seleção dos professores - PNLD 1997 e 1998 (em porcentagem) Livros escolhidos PNLD 1997 Livros escolhidos PNLD 1998 Não-recomendados 71,90% 41,33% Recomendados com ressalvas 8,46% 22,15% Recomendados 19,64% 14,64% Recomendados com distinção* 21,88% Total 100% 100%

Fonte: MEC, 2000 - Dados organizados pela pesquisadora. * Esta categoria foi criada para o PNLD/1998.

Daniela Falcão, em matéria publicada em 24/09/1996, no jornal Folha de S. Paulo, observa que dos livros distribuídos pelo governo (41 milhões de unidades), no PNLD/1997, apenas 25% obtiveram boa avaliação no Guia de Livros Didáticos, podendo ser constatado que os professores ignoraram os livros recomendados no Guia. Podemos observar, na Tabela 3.5, que a jornalista está considerando como “boa avaliação” inclusive as escolhas que recaíram sobre os livros recomendados com ressalva, pois, se fossemos considerar apenas os livros bem avaliados, poderíamos falar que somente 20% da escolha do docente, para o PNLD/1997, recaiu sobre os livros considerados efetivamente bons pela equipe do MEC.

Essa evidente divergência entre a escolha do professor e os livros bem avaliados pela equipe do MEC foi objeto constante de atenção por parte do governo, já que continuou a ocorrer nos anos posteriores.

Voltemos à Tabela 3.5, e poderemos observar que houve uma aparente melhora na sintonia entre os livros bem avaliados e a escolha dos docentes, se compararmos os resultados dos anos de 1997 e 1998, que foram devidamente expostos no início do Guia de Livros Didáticos para o PNLD 2000, na interlocução com o professor:

Outro aspecto positivo desse processo pode ser observado no quadro comparativo das escolhas em 1997 e 1998, que indica como os professores vêm usando o Guia e melhorando suas opções. Trabalhando com um material de boa qualidade, tanto o professor como o aluno são beneficiados, uma vez que o livro pode contribuir para a melhoria do ensino e da aprendizagem (MEC, Guia de Livros Didáticos, PNLD/ 2000).

Porém, um olhar atento na Tabela 3.5 nos levará a identificar que majoritariamente a escolha do professorado continuou a incidir sobre os livros não- recomendados e recomendados com ressalvas.

Para o PNLD/1999, a categoria dos não-recomendados foi eliminada do Guia. Isto implica que longe de ter se estabelecido um diálogo com o professorado acerca do que justificaria sua escolha recair sobre livros que não foram julgados os mais adequados pelo MEC, eles simplesmente saíram das opções de escolha. Desse modo, o conflito estabelecido entre os resultados das escolhas dos professores e as indicações da equipe do MEC foi resolvido pela eliminação de categorias classificatórias, e, portanto, no âmbito do tratamento das informações.

Ou seja, a escolha do professorado foi se deslocando dos livros aprovados, porém mal classificados, para os simplesmente aprovados porque as categorias que distinguiam os livros aprovados, porém com restrições, foram sendo eliminadas do processo. Este movimento culmina definitivamente com o PNLD 2005, em que os livros simplesmente passaram a ser Excluídos ou Aprovados.

As explicações governamentais para esse descompasso entre as escolhas dos docentes e as recomendações do MEC, quando isso era passível de ser dimensionado, sempre se direcionaram para um apagamento da voz do professor.

Batista (2001), no documento publicado pelo MEC, Recomendações para uma política pública de livros didáticos, observa que uma visão de conjunto da escolha do livro didático feita pelo professorado indica claramente que a (mal)formação docente explica esse descompasso. Expõe que o nível de escolaridade dos professores da escola básica, apesar de ter melhorado, ainda é insuficiente e cita a pesquisa de Gatti (1994), em que se ressalta que a formação docente, em nível médio ou superior, não tem sido adequada para resultar em uma atuação profissional competente.

No documento, há ainda a discriminação de outras possíveis justificativas para o descompasso entre a avaliação do MEC e a escolha dos docentes, que dizem respeito às inadequadas condições de seleção feita no interior das escolas, em decorrência do PNLD.

Essa gama de explicações apresenta subjacente a supremacia da análise do MEC frente à escolha do professor, pois se os resultados dessa avaliação determinam o padrão da qualidade dos livros, a seleção que se manifesta contrária a ela é justificada pela mal formação do docente, desconsiderando-se desta forma qualquer manifestação da autonomia dos docentes frente à sua prática escolar. Aliás, já citamos anteriormente que

a escolha de um livro portador de uma metodologia considerada mais tradicional poderia implicar uma manifestação contrária às reformas a serem implementadas. O que, realmente, os professores quiseram dizer com suas escolhas, ao nosso ver, não chegou a ter um tratamento adequado pelo governo.

Além do mais, Munakata (1998, p.5) lança a questão sobre quem avaliaria o avaliador. O autor observa que este não é um profissional, e nem poderia sê-lo, porque seu trabalho é esporádico e que, a cada temporada de avaliação, ele recebe um treinamento rápido. Segundo o autor, o avaliador trabalha depressa, pois é remunerado por produção, e além do mais, há prazos que ele deve cumprir.

Assim, o autor afirma que o avaliador não é infalível, sendo também ele passível de erros, e exemplifica apresentando a consideração do professor Scipione Di Pierro Netto, que em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo de 11/06/1998, declara que a avaliação que o seu livro de Matemática recebeu apresentou erros gritantes, e, por esta razão, o autor lançou a questão “o que fazer, ministro? Uma avaliação com incorreções tão graves não invalida o processo?” .

Há de se considerar, ainda, as estratégias promocionais das grandes editoras, com a distribuição de materiais, palestras com autores e realização de oficinas nas escolas, por ocasião do PNLD. Ao longo do processo, alguns materiais promocionais impressionaram pela ousadia, como pode ser visto abaixo:

O suposto Guia da imagem tratou-se de uma estratégia de marketing de uma grande editora de didáticos, em que, além da capa sugestiva, só constaram títulos da própria editora, como referência para o professorado. O nome da editora que produziu tal peça promocional não vem ao caso, simplesmente porque essa mesma estratégia foi adotada por outras grandes editoras de didáticos. Assim, as escolas receberam vários Guias não-oficiais, paralelamente ao recebimento do legítimo Guia de Livros Didáticos. Essa é uma, dentre as variadas estratégias de marketing, de que as grandes editoras se valem para conseguir a adoção do livro didático pelo professor.

Essas estratégias das grandes editoras, em direção às escolas da rede pública, por ocasião do PNLD, têm considerável variação, conforme as diferentes regiões do Brasil.

É certo que investidas agressivas, como a anteriormente exemplificada, também ocorrem no Sul e no Sudeste do país, porém o esforço maior nestas regiões se dá com o objetivo de que a equipe de divulgação consiga distribuir seus livros nas escolas em tempo de serem avaliados pelos professores, visto o número impressionante das instituições de ensino públicas nessas regiões, além da expressiva quantidade de escolas particulares, que absorvem boa parte da atenção dessas equipes de divulgação no decorrer do ano.

De modo diferente ocorre no Norte e Nordeste do país, em que o assédio das grandes editoras é mais agressivo, visto que há, com maior ênfase, um esforço direcionado para escolas da rede pública,com oferta de brindes e prêmios. Nessas regiões há menor número de escolas particulares e maior número da rede pública, e estas predominam na região, assim a adoção dos livros por meio do PNLD tem maior impacto para as equipes de divulgação dessas regiões, gerando maior agressividade por parte da equipe comercial das grandes editoras.

Em artigo assinado por Demétrio Weber, no jornal O Estado de S.Paulo, de 10/05/2004, é destacado que todo o processo de escolha do livro didático na região de Roraima foi cancelado pelo MEC por denúncia de fraude, porque funcionários de uma editora teriam conseguido a senha de escolas de Porto Velho, com a finalidade de garantir a venda de seus livros ao governo, por meio do PNLD. De acordo com o artigo, fraudes semelhantes podem ter ocorrido na Paraíba e no Rio Grande do Norte, conforme pode ser visto a seguir:

Cada escola tem a prerrogativa de definir os títulos que receberá – a escolha é feita a partir de um Guia elaborado pelo MEC e as senhas servem para que os diretores façam os pedidos via internet. (...) Auditoria do Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE) constatou “fortes indícios” da irregularidade em Rondônia. “Representantes de vendas iam às escolas em horários tumultuados e, dizendo ser da Secretaria da Educação ou do MEC, pediam acesso aos dados e à senha do Programa” diz o secretário da Educação de Rondônia, César Licório.

O golpe deu certo em cinco escolas, até um diretor estranhar o procedimento e alertar a secretaria, que encaminhou denúncia ao FNDE. No mês passado, o órgão cancelou as escolhas já processadas e enviou novas senhas a todas as 2 mil escolas da rede pública do Estado.

Certamente para evitar situações como essas, entre outras, é que foi publicada a Portaria 2.963, em 29/08/2005, instituindo normas de conduta para o processo de execução dos programas do livro, que em 5/04/2007 foi substituída pela Portaria n°7, que ampliava as restrições para a divulgação das editoras, além de prever medidas punitivas no caso do descumprimento da lei, por parte das editoras.

No § 3º da Portaria Normativa n° 7 é disposto que proibições se destinam aos autores, ou aos seus representantes legais (as editoras), cujas obras foram selecionadas nos programas do livro os 12 itens abaixo relacionados:

I. oferecer vantagens de qualquer espécie a pessoas ou instituições vinculadas ao processo de escolha, no âmbito dos Programas do Livro, a qualquer tempo, como contrapartida à escolha de livros ou materiais de sua titularidade;

II. distribuir presentes ou brindes a pessoas ou instituições vinculadas ao processo de escolha, no âmbito dos Programas do Livro, a qualquer título, após a publicação do resultado da avaliação ou a divulgação dos guias de escolha pelo MEC/FNDE, até o final do período de escolha pela internet e pelo formulário impresso;

III. produzir e distribuir catálogo, ou outro material, com características gráficas ou outras características que induzam os professores a acreditar que se trata de material oficial, produzido pelo MEC/FNDE;

IV. utilizar logomarcas oficiais, selos dos Programas do Livro, ou marcas e selos graficamente semelhantes, para efeito de propaganda, publicidade e divulgação, ou qualquer outro que induza ao entendimento de que se trata de material oficial do MEC/FNDE;

V. distribuir exemplares de livros utilizados na divulgação, com textos ou imagens que induzam ao entendimento de que os mesmo são indicados, preferencialmente, pelo Ministério da Educação para adoção nas Escolas, em detrimento de outros;

VI. utilizar, nas formas de divulgação, livros de conteúdo (imagens e textos) diferente dos livros inscritos e selecionados para os programas, bem como livros com especificações técnicas diferentes daquelas estabelecidas no Edital;

VII. utilizar a senha de escolha ou o formulário impresso de escolha enviados pelo FNDE às Escolas;

VIII. realizar pessoalmente a divulgação ou entrega de qualquer material de divulgação dos livros, diretamente nas Escolas, após a publicação do resultado da avaliação ou a divulgação dos guias de escolha pelo MEC/FNDE, até o final do período de escolha pela internet e pelo formulário impresso, sendo permitida, durante esse período, a divulgação pelo envio de livros, catálogos, folders e outros materiais, exclusivamente por remessa postal, definida como a entrega de materiais de forma impessoal, pelos Correios ou forma equivalente, sem a presença do Editor ou seu preposto ou outrem com vínculo funcional evidente com o Titular de Direito Autoral;

IX. realizar orientação pedagógica nas Escolas ou Secretarias de Educação, após a publicação do resultado da avaliação ou a divulgação dos guias de escolha pelo MEC/FNDE até o final do período de escolha pela internet e pelo formulário impresso;

X. imprimir informação na quarta capa dos livros utilizados na divulgação além do Hino Nacional e do número do ISBN, e imprimir qualquer informação na segunda e terceira capas desses livros;

XI. transcrever para os materiais de divulgação, total ou parcialmente, os conteúdos constantes dos guias ou catálogos de escolha dos livros;

XII. patrocinar com qualquer quantia, material de propaganda (brindes, blocos, canetas, guardanapos, etc.), ou qualquer outro benefício, os eventos relativos aos Programas do Livro realizados pelas Escolas ou Secretarias de Educação. ( Portaria Normativa n° 7, de 05/04/2007)

Assim, com a publicação dessa Portaria, há na instância legal o reconhecimento dos abusos operados pelas editoras, assim como o objetivo declarado de contê-los.

Apesar disso, vale aqui a consideração da forte articulação instaurada entre Poder Público e as grandes editoras de didáticos. A própria centralização advinda do PNLD, em que o governo adquire e distribui livros para todo o alunado do fundamental já é um indicador dessa afirmativa. Some-se a isto o fornecimento de livros, de modo universal, para os alunos do ensino médio, inédito até então.

Além disso o aumento da concentração do mercado editorial, agora composto por poucos e grandes grupos editoriais, sendo alguns oriundos de potentes grupos midiáticos (a espanhola Santillana e o Grupo Abril), alteram sobremaneira as estratégias destas editoras em direção às escolas. Uma surpreendente parceria estabelecida entre essas editoras e o governo, na formação dos professores, é parte das novas situações que os ares do século XXI nos trouxeram.

Porém, antes de entrarmos mais diretamente na análise conjuntural do mercado editorial dos didáticos no Brasil, que será tratada na parte dois do nosso estudo, vale a pena ainda relatar os discursos em disputa originários das classificações oriundas das avaliações, antes que estas tivessem sido eliminadas.

No documento O mercado do livro didático no Brasil (páginas 89-96)