• Nenhum resultado encontrado

Práticas comerciais das grandes editoras de didáticos

No documento O mercado do livro didático no Brasil (páginas 184-191)

Capítulo III Uma década da avaliação dos livros didáticos no PNLD (1996 a

7.3 Práticas comerciais das grandes editoras de didáticos

Notadamente a partir da década de 1990, com a consolidação do PNLD, as Editoras Saraiva, FTD, Nacional, do Brasil, Ática, Scipione, Moderna, Atual e o IBEP, apesar de terem suas respectivas identidades como empresa, ao compartilharem o mercado brasileiro por meio da venda do mesmo tipo de produto, passaram a apresentar muitas características similares em suas práticas comerciais e, conseqüentemente, adquiriram um formato específico e homogêneo de se relacionar com as escolas públicas e particulares do país, assim como com o Poder Público.

Por causa de a adoção dos livros didáticos e paradidáticos ser feita na instituição escolar é que existem esforços tão intensos das editoras em direção à escola, fazendo parte do cotidiano das unidades de ensino a presença diária dos divulgadores – profissionais que não vendem diretamente os livros para o professor ou coordenador pedagógico, mas doam tais produtos, mantendo presença constante na instituição escolar – durante o ano inteiro, em especial nas escolas particulares. Assim, a venda se concretiza na livraria ou pela compra direta feita pelo governo, mas é decidida no momento em que o livro é adotado na escola, tendo como regra a figura do professor como o protagonista dessa escolha.

Desse modo, há um movimento da equipe de divulgação que varia conforme o período do ano, movimento este que é nacional e comum a todas as editoras. Assim, existe um ciclo anual de trabalho dividido em um período de cadastramento das escolas públicas e particulares de todo o Brasil; um período direcionado à divulgação do material para a rede pública, devido às compras governamentais (PNLD e PNLEM); um período de divulgação dos livros no planejamento das instituições particulares, entre outras atividades. A essência de todas esses esforços é a divulgação (e não a venda direta) do livro didático e paradidático na instituição escolar.

As estratégias das grandes editoras de didáticos variam conforme a rede a ser atingida, isto é, a divulgação para as escolas da rede pública é diferente da que é feita para as escolas da rede particular de ensino, o que é natural numa prática comercial,

dada a grande diferença existente entre as duas redes de ensino. Além disso, temos de considerar que também há esforços feitos em direção aos sujeitos que estão nas arenas decisórias do governo.

No caso da rede particular de ensino, a venda é sazonal e acontece no início do ano letivo escolar, período em que é comprado o material discriminado na lista de adoção de material, em que constam os livros que serão usados no próximo ano letivo. Normalmente essa lista é entregue para os pais e/ou responsáveis no ato da matrícula do aluno e os livros didáticos são comprados, quase sempre, nas livrarias.

Para os profissionais do setor de didáticos, esse período é chamado de safra, pois as vendas concentradas do início do ano implicam colher o fruto do trabalho desenvolvido nas escolas particulares durante o ano inteiro.

Esse tipo de venda representa um grande filão para as editoras de didáticos, porque os alunos das escolas particulares constituem cerca de 10% de toda a rede de ensino brasileira, e o preço pago pelos livros didáticos adquiridos nesse processo é expressivamente superior ao preço pago pelos mesmos livros pelo governo, por ocasião do PNLD. De acordo com Wander Soares, então vice-presidente da Abrelivros, em declaração feita para o jornal Folha de S.Paulo, em 24/05/1996, “um livro de primário é vendido para o MEC por um preço médio de R$ 3. A mesma obra, em uma livraria, custa R$ 15. A vantagem de vender para o governo é que, como a compra é grande, o livro fica popular. E o pagamento é imediato”.

Visando, então, ao controle do mercado das escolas particulares, anualmente os divulgadores retiram as listas de adoção do material escolar feitas nessas escolas particulares, pois a tabulação da totalidade dessas listas é a fonte que permite às grandes editoras de didáticos delimitar o ranking das vendas originárias da rede particular de ensino.

Tal mapeamento é feito anualmente e é possível porque todas as grandes editoras têm um cadastro preciso da totalidade das escolas privadas de todo o Brasil, na medida em que essas empresas renovam, anualmente, o cadastro de todos os profissionais da rede particular de ensino (todos os professores - por níveis de ensino e por disciplinas; coordenação pedagógica; direção; funcionários da secretaria, etc.), assim como atualizam a totalidade dos dados dessas escolas (número de alunos, número de salas, recursos pedagógicos disponíveis, etc.).

Essa tabulação das listas de adoção é feita para todas as escolas particulares do Brasil, por meio de programas informatizados que relacionam os dados das listas de

adoção com os cadastros das escolas, fornecendo, assim, informações de ordem geral e específica acerca do mercado nacional dos livros didáticos.

Além da prospecção das vendas que terá, o cadastro também permite às grandes editoras de didáticos planejar uma divulgação personalizada ao longo do ano, inclusive dos paradidáticos. Dessa forma, delimita-se a atenção que cada estabelecimento deverá ter durante o ano letivo que entrará, ou seja, profissionais de grandes escolas particulares que adotam didáticos e paradidáticos provavelmente, terão mais atenção do que os que atuam em escolas médias ou pequenas, que adotam apenas didáticos. Desse modo, escolas com potencial de gerar mais vendas terão atendimento mais atencioso das editoras.

Assim, com o objetivo de conquistar e/ou manter seus livros na lista de adoção das escolas particulares, as grandes editoras de didáticos se organizam, normalmente, no período de agosto a dezembro, de modo que seus divulgadores (profissionais que, dentro das editoras, mantêm o contato direto com os educadores nas escolas) visitem todas essas instituições nessa época do ano, com a finalidade de fazer a divulgação específica tanto dos livros didáticos já existentes em catálogo, quanto dos lançamentos. Esse movimento ocorre porque é nessa época que os professores geralmente fazem o planejamento para o ano seguinte, e o livro didático, como recurso privilegiado no ensino-aprendizagem, é escolhido nesse processo. Por isso, tal etapa é conhecida, nas grandes editoras, como período de planejamento

De forma geral, as editoras enviam uma coleção de todos os seus lançamentos para os professores que dão aulas na rede particular de ensino, e, estrategicamente, também distribuem livros já constantes em catálogo, com etiqueta nominal aos distintos professores. Tais livros, de preferência, devem ser entregues nas mãos dos docentes, por intermédio dos divulgadores. Estes profissionais mantém uma rede de relacionamento pessoal na maioria das instituições privadas da região pela qual são responsáveis. Nesse sentido, é comum que todas as grandes editoras mantenham uma equipe de divulgação, e que cada divulgador seja responsável por determinada região. Dessa forma, são construídos os laços estreitos de relacionamento citados anteriormente, entre os divulgadores e os profissionais das escolas particulares. Quando termina esse período do planejamento, começa o período de coleta das listas de adoção.

No caso da rede pública há também um cadastramento, mas ele não é tão minucioso como o feito nas escolas particulares, em razão, principalmente, do tamanho dessa rede e à rotatividade dos professores. Nesse caso, as editoras procuram mapear,

pelo menos, os dados das escolas públicas (número de de alunos, número de salas, etc) e das pessoas-chave no estabelecimento, para que essas instituições possam ser minimamente diferenciadas e para que o material (livros didáticos para análise, folders, brindes, etc.) possa ser direcionado adequadamente por ocasião do PNLD.

Na realidade, apesar de a compra governamental resultar de uma negociação direta entre editoras e Poder Público, a decisão dos livros didáticos que serão comprados é feita por meio das indicações provenientes das instituições escolares públicas de todo o país. Nesse caso a escolha dos livros didáticos é feita diretamente pelos professores, nas escolas, mas com a orientação governamental, até porque os professores só podem escolher os livros constantes no Guia de Livros Didáticos.

Ou seja, a atenção dos divulgadores para a rede pública se dá, notadamente, no curto período em que os professores estão escolhendo os livros que serão comprados pelo governo, o que costuma ocorrer nos meses de agosto e setembro. Tal período é pequeno porque é parte da gigantesca operação da compra governamental (PNLD e PNLEM), em que os livros adquiridos deverão ser entregues em todas as escolas públicas brasileiras antes de o ano letivo iniciar, como foi visto na primeira parte deste trabalho. Lembremos, ainda, que a divulgação que as grandes editoras fazem nas escolas públicas tem variações significativas se considerarmos as diferentes regiões do país.

Lembramos, ainda, que estamos nos referindo à negociação de expressivo volume de livros (que normalmente ultrapassa os 100 milhões de exemplares ao ano, número este que certamente irá aumentar de modo considerável, dada à implementação do PNLEM em 2005). Assim, há um esforço das editoras tanto para que seu livro seja aprovado pelas comissões de avaliação dos livros didáticos, do MEC; como há também a divulgação feita no interior das escolas, notadamente pela distribuição dos livros didáticos para serem analisados pelos professores.

Essa distribuição gratuita dos livros, porém, não esgota as estratégias de marketing das grandes editoras em decorrência das compras governamentais, apesar de, aparentemente, ser a principal. As editoras se valem também, entre outras iniciativas, da distribuição de folder promocional e do oferecimento de palestras com os próprios autores dos livros didáticos, ou de assessores pedagógicos.

No caso do folder, as editoras se valem de campanhas das mais diversas ordens – éticas ou não – que despertem a atenção do professorado, para que ele opte pela adoção de livros didáticos de determinada editora em vez de outra.

Assim, podemos relembrar o período em que as estrelas eram utilizadas para aferir a qualidade dos livros didáticos comprados pelo governo – por meio da avaliação feita no PNLD – em que muitas editoras se valiam desse ícone, ou seja, as estrelas, para agregar um valor positivo ao seu material. Desse modo, mesmo livros que haviam recebido apenas uma estrela, correspondentes à categoria dos livros que foram recomendados com ressalva pela equipe de avaliadores do governo, muitas editoras propagavam que eram livros estrelados. De certa forma, esse recurso invertia o significado da avaliação, pois, descontextualizada, essa peça publicitária elevava o livro mal avaliado ao patamar de obra estrelada, abstraindo o fato de que todas as obras que integram o Guia de Livros Didáticos eram, no início da avaliação feita pelo MEC, obrigatoriamente, estreladas, e a diferença entre as obras se dava pelo número de estrelas recebido. Como esse tipo de folder é um material que possivelmente chegou às mãos do professor, considerando-se que seguiu juntamente com o livro avaliado, talvez esse tipo de publicidade possa ter exercido alguma influência na escolha do livro didático feita pelo corpo docente, nessa época.

Além dos materiais promocionais impressos, outra estratégia de que as grandes editoras de didáticos se valem é o oferecimento de palestras dadas pelos próprios autores dos livros constantes no seu catálogo, ou dadas por especialistas (normalmente professores universitários), que discorrem sobre algum tema de interesse das escolas. Tais palestras, quando aceitas, são realizadas, normalmente, nos órgãos governamentais centrais (Diretorias de Ensino, Coordenadorias, etc.) e não nas unidades escolares. Vale considerar que é no período em que a seleção do livro didático é feita nas escolas da rede pública, por ocasião do PNLD, que as grandes editoras oferecem tais palestras para os profissionais dessas escolas.

As palestras ministradas pelos próprios autores normalmente versam sobre algum tema importante na educação, ainda que seja apresentado o material elaborado por esse autor, muitas vezes com oficinas práticas de como utilizá-lo com maior eficácia.

Em relação às palestras com os especialistas, de modo geral as editoras se valem de grandes temas (os Parâmetros Curriculares Nacionais -PCNs, por exemplo), que são apresentados por professores universitários, e estes, geralmente, no final da palestra, apresentam o material da editora patrocinadora do evento.

O custo oriundo da divulgação realizada pelas grandes editoras de didáticos é expressivo. Em especial porque requer a produção de considerável volume de livros

para serem doados (e não vendidos) aos professores, como também porque é obrigatório contar com uma equipe de divulgação não só para fazer a distribuição desses livros, como também para operacionalizar as outras ações diretas de relacionamento das editoras com as escolas, algumas mencionadas anteriormente. Por isso, dificilmente alguma editora de porte pequeno ou médio tem recursos para disputar com igualdade o mercado brasileiro dos didáticos.

Já citamos anteriormente que em razão dos abusos cometidos por parte das editoras em suas práticas de divulgação, que se manifestam de variadas formas, o MEC instituiu a Portaria 2.963, em 29/08/2005, contendo normas de conduta para as editoras participarem do processo de execução dos programas estatais de livros. Como muitas das tradicionais práticas de divulgação das editoras se mantiveram, em 5 de abril de 2007 essa Portaria foi substituída pela Portaria Normativa n° 7, em que as normas de condutas para as editoras ficaram mais rígidas, prevendo-se multas punitivas e até suspensão do contrato estabelecido entre o MEC e a editora infratora, no caso de reincidência no descumprimento da Lei. Desse modo, por ocasião do PNLD, ficaram proibidas as palestras dos autores dos livros didáticos constantes no Guia, em espaços do ensino público; as visitas dos divulgadores nas escolas públicas para a entrega dos livros , entre outras medidas, sendo permitido, porém, o envio dos livros pelo correio, para a avaliação dos professores.

O objetivo da Portaria Normativa n° 7 foi a preservação dos profissionais das escolas públicas frente às tradicionais estratégias de marketing adotadas pelas editoras. Porém, com a reconfiguração do mercado dos didáticos, que passou a ser composto pelos grandes grupos, há contrapartidas para medidas governamentais como essas, realizadas, sobretudo, por meio de inovações nas estratégias de marketing por causa do considerável poder de investimento que têm tais grupos. Além disso, a comercialização de novos produtos desenvolvidos pelas editoras de didáticos, até então inéditos no segmento dos didáticos do Brasil, como os sistemas de ensino e os núcleos de negócios para formação de professores, tem ampliado o campo de atuação desses grupos, notadamente em direção às escolas públicas..

Dentre as novas estratégias de divulgação das editoras, no início do século XXI, podemos relembrar a publicidade lançada em horário nobre da Rede Globo de Televisão (e também em outras emissoras), que contou com o famoso cartunista Ziraldo como garoto- propaganda dos livros do Grupo Positivo; por ocasião do PNLD/2007.

Outro exemplo de estratégia que inova é a realização dos Congressos Internacionais de Educação organizados pela Editora Moderna, que têm atingido anualmente número significativo de profissionais da educação de São Paulo, a maioria pertencente à rede pública. A realização desse tipo de evento iniciou-se em 2003, quando a Moderna já pertencia ao Grupo Santillana, e em março de 2007 a empresa já realizava a quinta edição desse evento, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, congressos esses que fazem parte de práticas do Grupo Santillana em diversos países onde tem suas empresas.

Assim, os exemplos anteriormente apresentados são estratégias que têm forte poder de convencimento e que não ferem os dispositivos legais.

A constatação de que o oligopólio no mercado brasileiro dos livros didáticos passou das empresas familiares para o dos grandes grupos nos impõe a necessidade de um novo olhar para entender tal mercado, à medida que novas questões são postas. A origem desses grandes grupos é sensivelmente diferente, não só entre si – porque alguns deles são verdadeiros impérios midiáticos – mas também em relação ao que vimos a respeito da origem das nove editoras que dominavam o setor dos didáticos nas últimas décadas do século XX. Tais editoras, guardadas as devidas proporções, apresentavam muitas similaridades, o que não é mais uma realidade da nova concentração existente no mercado brasileiro, como já se mencionou..

Retomemos que, no início do século XXI, cinco são os grupos que dominam o mercado nacional dos didáticos: Grupo Saraiva (Editoras Saraiva, Atual e Formato), Grupo Abril (Editoras Ática e Scipione), Grupo Santillana (Editoras Moderna, Salamandra, Objetiva, Richmond Publishing), Grupo IBEP/ Cia Editora Nacional e FTD (Editoras FTD e Quinteto), e acrescentemos a estes o Grupo Positivo, que tem entrada mais recente na disputa por esse mercado. Quanto à Editora do Brasil, apesar de ter tradição – pois já se viu que foi fundada em 1943 e se consolidou no mercado nacional dos didáticos – ao que tudo indica não tem o mesmo poder de investimento dos grupos anteriormente citados, ainda assim, há de ser considerada ao lado de tais grupos pela participação que ainda mantém nesse mercado.

Todos os grupos anteriormente mencionados mereceriam um olhar mais atento, mas os limites de tempo deste trabalho não nos permitem fazê-lo, de modo que optamos, como já se disse, por trazer com maior detalhamento, alguns elementos da inserção das Editoras Moderna (Santillana - Grupo Prisa) e Nova Didática (Grupo Positivo), no mercado dos livros didáticos do início do século XXI. Em especial, porque

a primeira nos dá oportunidade de reflexão acerca da entrada do capital internacional espanhol no Brasil, em setor vinculado à educação; quanto à segunda, advém de um grande grupo que tem comprovada tradição na elaboração e comercialização de sistema de ensino, além de fabricar e exportar computadores, e, ao que tudo indica, é uma das reações nacionais existentes no país à entrada do capital internacional.

No documento O mercado do livro didático no Brasil (páginas 184-191)