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A SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES COLETADAS

2 A COMPETITIVIDADE E A AGRICULTURA

3.3 A SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES COLETADAS

A sistematização e análise dessas variáveis foram realizadas a partir das entrevistas, mas também da pesquisa documental.

As variáveis apresentadas serão avaliadas por no máximo três perspectivas diferentes: 1) Presença ou ausência das variáveis: será avaliada se há a presença ou não da variável citada em todo material a ser analisado de forma que indique sua correlação com a competitividade da agricultura familiar da região. Por exemplo, a ausência de cursos de qualificação na temática da produção de leite por parte das instituições voltadas a esse fim na

2) As características das variáveis: será avaliada se as características que as variáveis apresentam, a partir de todo material coletado, na região influenciam em maior ou menor magnitude a ocorrência da competitividade. Assim, por exemplo, o tipo de barreira à entrada ou mesmo o tipo de concorrência que se estabelece no mercado pode interferir em maior ou menor magnitude na construção da competitividade naquela região.

3) Frequência de ocorrência das variáveis: não somente a presença ou ausência da variável poderá ser avaliada, mas também a frequência com que a mesma aparece nas entrevistas realizadas. A frequência de aparecimento da mesma denota a sua importância. Quanto maior sua freqüência maior a importância dada pelos entrevistados àquela variável.

A interpretação das informações coletadas a partir da pesquisa é desenvolvida no Capítulo 5.

O próximo capítulo se destina a refletir sobre as mudanças nos padrões de competitividade na produção leiteira que vem se consolidando na última década e quais os reflexos dessas alterações para os agricultores familiares que se dedicam a essa atividade produtiva.

4 AS MUDANÇAS NO SETOR LÁCTEO NACIONAL: NOVOS PADRÕES

DE COMPETITIVIDADE NA PRODUÇÃO DE LEITE

Um volume significativo de material bibliográfico tem sido produzido nos últimos anos, apresentando e discutindo as profundas mudanças que aconteceram e que ainda veem acontecendo no setor lácteo nacional a partir de fins dos anos de 1980 e, principalmente, nos anos de 1990.

Sinteticamente, Wilkinson e Bortoleto (1999) elencam os seguintes fatores que levaram a cadeia produtiva do leite à reestruturação ao longo da década de 1990: (1) liberalização do preço para o consumidor do leite pasteurizado, que até 1991 era tabelado com o objetivo de contribuir para a redução dos custos com alimentação, num contexto de retração de demanda e o fim de programas sociais do leite26; (2) repasse para iniciativa privada da responsabilidade de importação de leite, que até então era feita somente pelo governo federal com o objetivo de controlar o abastecimento interno; (3) integração ao Mercosul (Mercado Comum do Sul), que reduziu as tarifas de importação dos produtos lácteos entre os países que compõem o Mercosul, o que permitiu que a Argentina e o Uruguai, que são países altamente competitivos na produção do leite, exportassem para o Brasil a um preço inferior ao aqui praticado; (4) aceleração do processo de concentração industrial e de distribuição, visando reduzir os custos da estrutura e mudar a escala dos negócios para enfrentar a competição; (5) estabilização econômica após o Plano Real, que expôs os problemas das empresas e que gerou maior conscientização dos consumidores quanto aos preços relativos das mercadorias. Brandão e Leite (2002) agregam ainda os resultados das negociações do GATT/OMC, que levaram o Brasil, juntamente a outras razões27, à abertura comercial não somente com os países do Mercosul, mas também com o resto do mundo.

Portanto, o processo de reestruturação foi motivado tanto por fatores internos, mas também, externos. Do ponto de vista externo, a abertura comercial teria forçado o setor a pautar sua estrutura de custos comparativamente àquela existente em países tidos como “naturalmente” competitivos28 (BRANDÃO E LEITE, 2002).

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Um exemplo era o Programa Tíquete Leite do Governo Federal

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A abertura comercial promovida no início dos anos de 1990 foi resultado não somente das negociações no âmbito do GATT/ OMC, mas também, como forma de combater a inflação existente naquele período, através da ampliação das importações.

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“Naturalmente competitivo” diz respeito àqueles países que são competitivos na produção de leite sem, para tanto, precisarem recorrer a elevados gastos com políticas e subsídios para o setor.

No entanto, como argumenta Wilkinson (1996) a liberalização e a integração aos mercados internacionais aceleram a tendência à especialização e a busca pela ocorrência de economias de escala, dada a concorrência a que são submetidos os produtores agropecuários.

Como consequência desse processo teria havido (WILKINSON E BORTOLETO, 1999): (1) integração dos mercados, intensificando a concorrência; (2) intenso processo de reestruturação das empresas, dos produtores e da distribuição, em direção à concentração, seleção e especialização; (3) a sobrevivência das empresas que passa a depender cada vez mais de sua capacidade competitiva; (4) a distribuição das margens da comercialização ao longo da cadeia passa a ser realizada via negociação entre os diferentes segmentos, onde o consumidor assume a direção do processo de determinação de padrões de qualidade, preços e fluxos de produtos.

Assim, a reestruturação do setor baseou-se, principalmente, no fim da intervenção no setor, seja regulando preços, estoques ou importações e destruiu o modelo que norteava as relações entre os atores da cadeia, ou seja, as relações entre consumidores, estado, produtores e indústria. E até hoje essas relações ainda não foram claramente redefinidas e estabilizadas, o que ainda tem trazido esse processo de reestruturação até os dias atuais (SOUZA, 2007).

Outra importante consequência deste processo de reestruturação foi o enfraquecimento do sistema cooperativo, que até final dos anos era bastante forte no setor, e, por outro lado, a ascensão das empresas multinacionais. Segundo Wilkinson (1993) a crise no sistema cooperativo teria ocorrido pelos seguintes fatores: 1) em virtude do fim do tabelamento no preço do leite pasteurizado, à medida que as cooperativas tinham sua produção centralizada nesse produto e não teriam garantia de preço, 2) o fato das cooperativas, em virtude do ambiente protecionista criado em torno do setor lácteo, não estarem preparadas gerencialmente para o fim da intervenção estatal no setor, 3) as cooperativas tinham o compromisso de comprar todo leite dos sócios, mesmo quando existia excesso de oferta, tendo dessa forma, que arcar com os custos de estocagem. Assim, as cooperativas que até então vinham sendo apoiadas pelo Estado de diversas formas, se viram de forma repentina expostas à concorrência do livre mercado, para o qual não estavam preparadas. Já as indústrias de derivados, como dirigiam sua produção aos setores de mais alta renda, foram mais resistentes aos efeitos da crise.

Até final dos anos de 1980 o setor lácteo nacional era notadamente dominado por empresas nacionais. Nos anos noventa, as empresas multinacionais passam a ampliar a sua

empresas nacionais e principalmente cooperativas. Segundo Pinazza e Alimandro (1998) somente a Parmalat (empresa de capital italiano) comprou 14 laticínios em vários estados brasileiros entre 1989 e 1996.

De Negri (1997), coloca que o aumento da verticalização das multinacionais estaria vinculado não somente ao enfraquecimento cooperativismo, mas também, à estratégia de produção final dessas firmas, pois horizontalmente a estratégia delas se baseia em produtos de maior valor agregado e numa quantidade demandada de matéria-prima menor, porém as exigências de qualidade são maiores. Dessa forma, essas empresas buscam se verticalizar, tendo em vista bacias leiteiras que permitam uma estabilidade e qualidade no fornecimento de matéria- prima.

As mudanças no hábito dos consumidores têm provocado reflexos também na cadeia produtiva do leite, principalmente, relacionado a três aspectos: desenvolvimento de novos produtos, maior qualidade dos produtos existentes e concentração varejista. A mudança na estrutura familiar, decorrente de uma crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, impõe uma nova dinâmica familiar, aumentando a preferência por alimentos preparados ou semi- preparados em nome da praticidade. Além disso, a ampliação da renda, o maior acesso à informação e a preocupação com a saúde tem tornado o consumidor mais exigente em termos de qualidade dos produtos consumidos.

Por outro lado, essa nova dinâmica familiar também tem influenciado em outra mudança no setor, que é a centralização das compras de alimentos, e outros produtos domésticos, em grandes redes varejistas. Em nome da praticidade, dos preços (muitas vezes mais baixos que nas lojas de pequeno varejo) e das promoções, os consumidores têm preferido realizar a maior parte das compras em grandes redes varejistas. Segundo Fava Neto et al. (2005), até o final dos anos 1980 somente cerca de 20% das compras de varejo eram realizadas em supermercados. Ao final dos anos de 1990, esse percentual aumentou para cerca de 90%. Além das compras estarem centralizadas nas grandes redes varejistas, existe no mercado poucas redes, o que acaba dando- lhes maior poder econômico, porque se tornaram um canal privilegiado de distribuição de alimentos. Segundo pesquisa da FGV Consulting (FAVA NETO et al., 2005), encomendada pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) aponta que cerca de 70% do faturamento do setor varejista está concentrado em apenas cinco redes. Esse poder do setor varejista acabou por alterar as relações de forças na comercialização dos lácteos, onde as

empresas de laticínios passaram a ser o lado mais fraco da relação com os supermercados, tendo que arcar com custos extras29 para manter seus produtos nas gôndolas das grandes redes (MEIRELES, 2009).

Outra mudança importante foi o desenvolvimento do leite longa vida. O maior tempo de prateleira do leite longa vida eliminou as limitações na distribuição. Segundo Meireles (2009) o advento do leite longa vida ampliou o mercado de leite fluido, que estavam estagnadas.

O sucesso desse produto está relacionado tanto aos hábitos dos consumidores, mas também aos benefícios desse produto em termos de logística. Por parte do consumidor, o leite longa vida traz praticidade, pois tem alta durabilidade e pode ser conservado fora da geladeira, além do que, teria maior higiene comparativamente ao leite de saquinho. O preço do leite longa vida também estaria bastante próximo ao preço do leite pasteurizado. Por parte da indústria, o leite longa vida trouxe ganhos de logística, pois superou a perecibilidade, podendo ser armazenado por mais tempo e a embalagem cartonada que facilita o transporte. Além disso, por ter superado os problemas de perecibilidade, ele passou a ser vendido fundamentalmente em supermercados, e não mais em padarias, integrando-se à lógica da distribuição moderna (WILKINSON, 1993). Assim, o mercado do leite fluido tornou-se um mercado nacional e não mais regional como era até então com o leite fluido.

Meireles (2009) destaca dois fatores que marcaram a reestruturação do setor lácteo nacional a partir de 2003, dentre estes podemos destacar: 1) a ampliação e melhor distribuição da renda que levaram a ampliação do consumo de produtos lácteos que saltou, segundo o autor, de 126,5 litros/habitante/ano em 2003 para 139,7litros/habitante/ano em 2007; b) isenção de PIS e COFINS em produtos lácteos de consumo popular (leite fluido, leite em pó e queijos de consumo mais popular), o que contribuiu para o fortalecimento da indústria nacional.

Segundo Carvalho (2008) a ampliação do consumo de produtos lácteos nos países em desenvolvimento, como o Brasil, está associada aos seguintes fatores: a) incremento da renda e inclusão de consumidores; b) elevada elasticidade renda da demanda por produtos láteos; c) aumento populacional; d) ampliação do consumo de alimentos funcionais e com baixo teor de

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Esses custos extras dizem respeito a exigências contratuais feitas pelas redes varejistas aos seus fornecedores, tais como pagamento de aluguel por espaço nas gôndolas (dependendo da localização na gôndola varia o valor do aluguel), pagamento especial destinado ao lançamento de um novo produto no supermercado, pagamento pelo não fornecimento de promotores ou

gordura e dietéticos; e) mudanças de hábitos; f) propriedades dos produtos lácteos (como por exemplo, alto teor de cálcio).