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2 A COMPETITIVIDADE E A AGRICULTURA

4.1 A R EESTRUTURAÇÃO : IMPACTOS PARA OS PRODUTORES DE LEITE

4.1.1 A questão da escala de produção

A ampliação da concorrência no segmento processador da cadeia produtiva levou as empresas do segmento a buscarem a redução dos custos de produção e transação com o objetivo de manter ou ampliar sua fatia no mercado.

O principal reflexo dessa situação junto ao fornecedor de matéria-prima tem sido a política das empresas de buscar manter, preferencialmente, em seu quadro de fornecimento os produtores com maior escala de produção. Isso porque, dessa forma, seria possível a racionalização da logística das empresas, ou seja, uma mesma quantidade de leite poderia ser captada visitando uma menor quantidade de produtores, reduzindo os custos de captação. Ferrari et al. (2005) identifica como principais custos reduzidos aqueles que restariam ligados aos procedimentos de coleta (diminuição de tempo e custos relacionados ao ato de carregar o caminhão, medir volumes, coletar amostras e medir controles, tempo de deslocamento da carga). Pode-se acrescentar ainda a redução de custos de transação, que diriam respeito ao monitoramento de uma menor quantidade de fornecedores.

A Tabela 1 corrobora a afirmação anterior. Os dados demonstram que quase metade das empresas apresentadas (as sete empresas apresentadas em itálico) reduziu o número de produtores entre 2004 e 2007 e, no entanto, todas elas ampliaram a recepção anual de leite (exceto a CCL), o que demonstra que a ampliação da produção decorreu do aumento de produtividade e/ou escala dos fornecedores, como pode ser constatado nas últimas duas colunas da tabela.

Outra constatação importante é que, exceto as empresas CCL, Itambé e Laticínios Morrinhos, todas as demais tiveram ampliação da produtividade média dos fornecedores, o que demonstra a opção por racionalizar a logística de coleta de leite, reduzindo assim custos.

TABELA 1 - Maiores empresas de laticínios no Brasil: Recepção, número de produtores e produção média diária para 2004 e 2007.

Recepção Anual de Leite (mil litros)

Número de produtores Produtividade média 2004 2007 2004 2007 2004 2007 DPA (3) 1.509.067 1.800.000 6.112 5.800 509 567 ELEGÊ 717.707 1.324.007 21.402 18.801 84 130 ITAMBÉ 829.500 1.090.000 6.063 9.067 346 284 PARMALAT 406.688 725.021 4.566 4.457 173 286 BOM GOSTO - 632.735 - 9.690 - 138 LATICÍNIOS MORRINHOS 252.702 387.140 2.178 4.500 300 225 EMBARÉ 256.398 336.573 3.666 2.208 166 395 CONFEPAR 189.308 333.490 5.467 7.393 71 90 CENTROLEITE 229.135 300.095 4.920 5.265 104 156 LÍDER ALIMENTOS 151.482 248.725 4.557 5.390 85 114 CCL 338.437 247.950 4.461 2.439 185 134 BATÁVIA 209.893 246.459 3.907 4.215 147 160 FRIMESA - 225.804 - 4.847 - 123 DANONE 200.737 222.091 1.072 418 297 865 NILZA ALIMENTOS - 219.449 - 872 - 131 GRUPO VIGOR 196.425 201.300 1.510 1.213 298 313 TOTAL 5.487.479 8.292.889 69.881 86.575 20 200 1 - Classificação base recepção (produtores + terceiros) no ano 2007

2 - Posição em 31 de dezembro

3 - Números referentes a compra de leite realizada pela DPA Manufacturing Brasil em nome da Nestlé, da Fonterra, da DPA Brasil e da Itasa

4 - O total do ranking não inclui leite recebido pela ELEGÊ da CCL devido a duplicidade Fonte: LEITE BRASIL, CNA/Decon, OCB/CBCL e Embrapa Gado de Leite

As empresas vêm ainda incentivando os produtores a adotarem a tecnologia de resfriamento denominada de tanque de expansão ou tanque granelizado, que permitem a manutenção do binômio tempo/temperatura do leite (homogeneamente em todo produto existente no tanque) de forma a evitar a deterioração da matéria-prima. Além da manutenção da qualidade do leite, o uso dessa tecnologia permite que a coleta do leite, que em geral ocorria diariamente, possa ser feita a cada quarenta e oito horas, o que também contribui para a racionalização da logística das empresas (GALAN, 2002).

A própria aquisição do tanque de resfriamento a granel induziria a ampliação de escala de produção por parte dos produtores. Isso porque, em geral, a capacidade mínima de armazenamento dos tanques é elevada para produtores de pequeno porte. Assim, para compensar a compra do equipamento os produtores optam por ampliar a escala de produção para reduzir a capacidade ociosa do equipamento (MEIRELES, 2009).

Do ponto de vista do produtor, Nogueira (2010) coloca que a ampliação da escala de produção tem sido também um imperativo, à medida que os custos de produção têm estado em crescimento enquanto os preços recuam, como conseqüência do aumento da produção e da ampliação das importações de leite, achatando assim, as margens de lucros dos produtores. Dessa forma, Nogueira (2010) aponta que a única forma de superar esse problema é ampliar a escala de produção e a adoção de tecnologias, pois em ambos os casos haveria maiores chances da ocorrência de rendimentos crescentes de escala30, reduzindo o custo médio por litro de leite. No entanto, essa colocação é questionável, à medida que os custos de produção podem ser reduzidos também de outras formas, como por exemplo, pela substituição de insumos de produção de alto custo por insumos com custos menores. Assim, ao invés de se utilizar adubos químicos comprados para fertilização das terras das pastagens é possível substituir pelos dejetos de suínos e aves previamente tratados para tal, o que teria um custo muito menor se as aves e suínos forem atividades desenvolvidas nas propriedades. Outro exemplo seria a opção por produzir ração nas propriedades a partir de grãos (milho, soja e outros) produzidos internamente, ao invés de comprar de terceiros ração semelhante, o que provavelmente teria um custo superior ao produto elaborado dentro da propriedade.

As empresas têm ainda induzido os produtores de leite a ampliar a escala de produção através das bonificações por quantidade produzida, ou seja, o produtor que entrega maior quantidade de leite recebe mais por unidade de produto comparativamente àqueles que entregam menor quantidade de produto. Essa política de bonificação permite uma maior segurança no planejamento da indústria, bem como, racionalização dos custos de coleta (SBRISSIA E BARROS, 2004).

Da mesma forma que a bonificação por quantidade, funcionaria a política de cobrança de frete do produtor. O valor do frete depende do volume de leite produzido recolhido por

distância percorrida. Assim, considerando a mesma quantidade percorrida, quanto maior a quantidade produzida menor é o valor cobrado pelo frete do produtor (TESTA et al., 2003).

Além da redução de custos, Testa et al. (2003) coloca que o sistema de bonificação por quantidade também tem sua existência justificada pela disputa de matérias-primas, à medida que as empresas buscam pagar melhor os maiores produtores com o objetivo de mantê-los em seu quadro de fornecimento, evitando assim, a migração desses para outras empresas.

O fato é que a pressão por ampliação da escala de produção tem surtido efeito em nível nacional também. A Tabela 2 apresenta os dados nacionais relativos a produtividade, que apontam um aumento da produção ao longo do período analisado passando de uma produção de cerca de 14,5 bilhões de litros em 1990, para uma produção de cerca de 27 bilhões de litros em 2008. Esse aumento da produção teria sido puxado pelo aumento de produtividade que persistiu ao longo do período passando da casa de 759 litros/vaca/ano para 1.261 litros/vaca/ano.

TABELA 2 - Produção de Leite, Vacas Ordenhadas e Produtividade no Brasil para anos selecionados. Ano Produção de Leite (milhões litros/ano) Vacas Ordenhadas (mil cabeças) Produtividade (litros/vaca/ano) 1990 14.484 19.073 759 1995 16.474 20.579 801 2000 19.767 17.885 1.105 2001 20.510 18.194 1.127 2002 21.643 18.793 1.152 2003 22.254 19.256 1.156 2004 23.475 20.023 1.172 2005 24.621 20.820 1.183 2006 25.398 20.943 1.213 2007 26.134 21.122 1.237 2008* 27.083 21.484 1.261

(*) Estimativa Embrapa Gado de Leite/ CNA/ CBCL. Fonte: IBGE (PPM) / FAO

Elaboração: R. Zoccal - Embrapa Gado de Leite

O que se percebe é que com todo o processo de transformação da cadeia do leite, a produção primária tem se tornado crescentemente dependente da indústria, perdendo autonomia sobre seus processos produtivos e escala de produção, sendo o segmento mais frágil da cadeia (WILKINSON E BORTOLETO, 1999). Assim, quem mais estaria suscetível aos impactos dessas transformações seriam os produtores de leite da agricultura familiar e suas organizações, à

medida que este segmento teria maior dificuldade de acompanhar o processo de especialização que vem ocorrendo na atividade.

Ferrari et al. (2005) define como sendo a produção especializada aquela de grande escala, intensiva em capital, sofisticada em material genético, instalações, equipamentos e com alimentação concentrada e mão-de-obra contratada. Por produção familiar compreende aquela baseada, basicamente, na produção interna de insumos.

Por especialização Jank e Galan (1998) compreendem a aplicação de recursos financeiros em elementos que ampliam a produção de leite em termos de volume e qualidade, como por exemplo, o uso de vacas especializadas, alimentos volumosos de alta produção, equipamentos de ordenha, misturadores, resfriadores de leite, etc.

Já por produtores especializados, Jank e Galan (1998) definem como sendo aqueles que têm como atividade principal a produção de leite, sendo este obtido a partir de rebanhos leiteiros especializados, com investimentos em tecnologia, economias de escala e mesmo diferenciação do produto. Por produtores não-especializados os autores compreendem aqueles que trabalham com tecnologia rudimentar e para os quais o leite ainda é um “subproduto” do bezerro de corte e, portanto, são capazes de suportar grandes oscilações de preços. Trata-se, em na sua maioria, de produtores que encontram no leite uma atividade de subsistência não- empresarial, da qual retiram uma fonte mensal e adicional de renda e onde os custos monetários são, em geral, reduzidos.

Mello (1998, p.21) argumenta em seu trabalho, realizado no Oeste catarinense, que “a produção de leite especializada e em grande escala é aquela em cuja propriedade existem mais de quarenta vacas e que a atividade leiteira contribua com mais de 70% da renda total. Enquanto produção diversificada com escala média considera-se aquela propriedade que possui entre seis e dez vacas e cuja renda da atividade leiteira não supere 50% da renda total”.

O aumento de escala de produção numa determinada atividade produtiva implica que, ao longo do tempo, haja uma maior especialização naquela atividade, já que os recursos produtivos existentes na propriedade serão cada vez mais designados para o desenvolvimento da respectiva atividade.