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2 A COMPETITIVIDADE E A AGRICULTURA

4.1 A R EESTRUTURAÇÃO : IMPACTOS PARA OS PRODUTORES DE LEITE

5.1.3 O desenvolvimento do agronegócio na região

A ocupação da região originalmente foi indígena. No entanto foi somente em fins do

FORNECEDORES DE INSUMOS Indústria de máquinas e implementos - mercado nacional e regional. - via cooperativas e empresas.

PRODUÇÃO PROCESSAMENTO COMERCIALIZAÇÃO CONSUMO

Venda de sementes para pastagem - cooperativas; - comércio local de produtos agropecuários. Alimentação animal - indústria regional e cooperativas; - produtores. Produtores - individuais, em sua maioria da agricultura familiar. Indústrias formais - regionais de grande, médio e pequeno portes, formais. Indústrias informais - locais de pequeno porte, informais. Indústrias cooperativas - regionais ligadas às cooperativas de produção Produtores - cooperativa, produtores na maioria da agricultura familiar. Atacadistas - centrais regionais e nacionais de venda no atacado Supermercados - locais - centrais de abastecimentos Pequeno varejo - varejo local de bairros. Consumidor - local Consumidor - regional - nacional Pequeno varejo - feiras

núcleos de colonização na região. Os primeiros colonos a se instalar na região foram os italianos e posteriormente os alemães e em algumas regiões holandeses. A instalação dos imigrantes em pequenos lotes associada a capacidade de expansão das famílias descendentes marcou a estrutura fundiária na região, à medida que ao longo do tempo as propriedades foram sendo subdivididas em função das partilhas por herança, em que um pedaço de terra constituía-se no único bem disponível para passar aos filhos. Além disso, as técnicas de preparação do solo, cultivo e colheita, resultantes da experiência, eram transmitidas de uma para outra geração, que lentamente foram aperfeiçoando-se e tornando o trabalho menos penoso (BRUM, 1988).

Os colonos inicialmente adotaram as mesmas técnicas de produção dos caboclos. Esta se caracterizava pela queimada e pela rotação de terras, aproveitando a fertilidade natural do solo. Se a fertilidade natural do solo dispensava o uso de adubos, a expansão da produção exigia mais trabalho. Dessa forma, os agricultores colonos recorriam a inovações tecnológicas para melhorar o desempenho do trabalho. A utilização destas ocorria tão logo o apodrecimento dos troncos e das raízes de árvore derrubadas permitisse a utilização de implementos agrícolas (ZARTH, 1997 apud FRITZ FILHO, 2009).

Uma importante relação surge nessa época que é aquela existente entre comerciantes e colonos. As casas de comércio (secos e molhados) quando necessário forneciam artigos para os colonos que pagavam por estes na época da colheita (FRITZ FILHO, 2009). Essa relação de confiança foi importante, posteriormente, para o desenvolvimento de uma profunda relação entre comerciantes, produtores e indústria que permitiu o desenvolvimento de complementaridades nos processos produtivos, com a formação de categorias empresariais ligadas às agroindústrias, cooperativas, frigoríficos, e ao monopólio de comércio de determinados produtos regionais (TEDESCO et al., 2005).

A partir de 1850, o trigo passa a ser cultivado no Rio Grande do Sul. Os colonos italianos foram os responsáveis pela retomada da produção de trigo na região, mesmo que em pequena escala, dado que suas propriedades eram constituídas de pequenas áreas. Dal´Moro e Rückert (2004, p.34) colocam que “a produção de trigo nas colônias italianas, entretanto, manteve-se ao nível da cultura de auto-abastecimento das zonas rurais produtoras. O cultivo sem semente adaptadas às nossas condições ecológicas e a falta de maiores conhecimentos técnicos por parte dos colonos (...) acabaram por resultar em produção em pequena escala”.

Até 1940 a produção de trigo no Estado manteve-se estagnada, atendendo basicamente o autoconsumo de quem produzia. A partir de então é posta em prática uma série de incentivos governamentais com o objetivo claro de expandir a produção de trigo, que tinha por objetivo manter o abastecimento de pão a preços menores, bem como, reduzir a dependência em relação ao produto importado (DAL´MORO E RÜCKERT , 2004). Como coloca Fritz Filho (2009, p. 131)

O incremento nesta produção foi possível através da ação conjunta entre fortes investimentos na agricultura (financiamentos e créditos agrícolas), na pesquisa agropecuária e nas formas associativas de produção. Este novo modelo, que se denominou modernização da agricultura brasileira, predominou também na região do Planalto Médio do Rio Grande do Sul (...). Na região do Planalto Médio a nova política nacional do trigo foi, da mesma forma, baseada, a exemplo do Brasil e do Estado do Rio Grande do Sul, por um tripé composto pela pesquisa agropecuária, sistema cooperativo e sistema financeiro.

O fortalecimento da produção de trigo instaurou ainda uma nova dinâmica que viria a se fortalecer na região, que é a associação entre pecuária e agricultura, que foi se disseminando entre os antigos e decadentes criadores de gado que resistiram a total adoção da triticultura. (DAL‟MORO RÜCKERT, 2004).

Além de antigos pecuaristas e colonos que passaram a produzir trigo surge um novo personagem na dinâmica agrária da região que são os granjeiros. Segundo Dal‟Moro Rückert, (2004) esses novos atores seriam em sua maioria descendentes de colonos policultores que passaram a produzir trigo no inverno e outros grãos no verão, em grandes fazendas nas áreas de campo que foram mecanizadas, denominadas de granjas. Os granjeiros, na sua maioria, eram descendentes dos imigrantes (imigrantes de segunda geração) que saíram da Serra Gaúcha (colônias velhas), dada a escassez de terra, rumo a região de Passo Fundo. Eram assim, produtores com experiência em comércio e na produção, que já tinham contribuído para o desenvolvimento da Serra Gaúcha. As granjas surgem a partir das medidas do Estado nacional para encorajar a cultura do trigo. Atenção deve ser dada ao fato de que grande parte dos granjeiros possuía senso para os negócios, pois a maioria já tinha desenvolvido atividades não agrícolas outrora, o que contribuiu para que os mesmos viessem a se tornar empresários posteriormente. A esse respeito Mantelli (2006, p.94) coloca

Portanto, o aumento populacional, condicionado pela pressão demográfica sobre as primeiras áreas de colonização - “colônias velhas” - e o maior acesso aos mercados, possibilitou a transformação de áreas de floresta em áreas agricultáveis, ocasionando uma expansão da produção agrícola regional, que até então vivia em dificuldades quanto à circulação de mercadorias e dinamização econômica.

Além disso, passa-se a constituir na região, a partir da disseminação da produção de trigo um setor a montante da agricultura, com o objetivo de fornecer máquinas, equipamentos e demais insumos necessários a essa cultura comercial. Dal`Moro e Rückert (2004, p.52), em sua análise sobre a agricultura na região do Planalto Médio Riograndense, apresenta esse novo agente econômico que passa a se fazer presente:

No cenário social nacional e regional, passa-se a ter, agora, além dos industriais da farinha e dos colonos tradicionais, dos novos empresários da agricultura – “granjeiros”-, aqueles ligados à produção de inputs para agricultura mecanizada. Em Passo Fundo, por exemplo, a Empresa de Implementos Agrícolas Menegaz S/A, que desde 1937 já fabricava carrocerias para ônibus, instalações para serrarias, máquinas para curtume, moinhos para trigo e milho, moinhos para cana e descascadores de arroz, em 1952 já passou à fabricação de implementos agrícolas.

Nesse sentido, o desenvolvido do trigo e de forma complementar outros grãos (principalmente soja) traz uma nova dinâmica agroindustrial para a região, porque simultaneamente ao desenvolvimento da agricultura passa a se desenvolver setores a jusante e a montante atraídos pelas oportunidades ligadas à atividade.

Nas décadas de 1959 e 1960 a triticultura começa a entrar em declínio. Dal´Moro e Rückert (2004) apontam como fatores que levaram à crise: a) Problema técnico agronômicos: clima desfavorável, aparecimento de doenças, solos inadequados, dentre outros; b) Problemas econômicos: dificuldades de comercialização, armazenamento e transporte da produção, bem como alterações na conjuntura econômica do país.

Por volta de 1965, a dinâmica agroindustrial da região é intensificada com o aumento da lavoura empresarial da soja, estimulada por uma gama de incentivos fiscais e políticas de financiamentos públicos. “Na década de 1970, a produção de soja é expandida, assumindo a primazia do processo de modernização da agricultura da Região. O desenvolvimento dessa cultura apoiou-se no crescimento da indústria nacional de óleos e na expansão da demanda externa, estabelecendo novas condições para a intensificação do processo de capitalização do setor rural” (BEUX, 2003, p.51).

Nesse momento consolida-se a existência do binômio trigo-soja voltado à comercialização em detrimento do enfraquecimento do policultivo. “A cultura da soja valeu-se da infra-estrutura de produção e comercialização do trigo. Além de usar a mesma terra, em rotação sazonal de culturas, utiliza intensamente os recursos produtivos, e diminui a ociosidade das máquinas que permanecem disponíveis em boa parte do ano, nas áreas de pequenas propriedades” (MANTELLI, 2006, p.98).

Como ambas as atividades atendiam tanto ao mercado interno quanto externo recebiam incentivos agrícolas facilitando o processo de adoção de técnicas mais avançadas. (MANTELLI, 2006)

É importante ainda ressaltar que o processo de industrialização via substituição de importações, conduzido pelo governo Juscelino Kubitschek (1956 e 1961), incentivou a produção interna de máquinas e equipamentos implantando assim a indústria nacional nesse setor, o que fortaleceu ainda mais a mecanização das lavouras de soja.

Um importante elemento que Fritz Filho (2009) ressalta no processo de desenvolvimento de soja e trigo na região do Planalto Médio é o cooperativismo. As funções da cooperativa se alargam em razão da inserção da cultura da soja, com investimentos na produção, nos estoques e na comercialização do produto, tornando-se assim uma importante intermediária entre produtores e o mercado, papel até então assumido pelo Estado. Dal´Moro e Rückert (2004) apontam que o desenvolvimento do cooperativismo no Rio Grande do Sul pode ser observado como resultante da interação entre as políticas de estímulo à produção de grãos e os anseios, esforços e capacidade de auto-organização dos produtores.

O intenso desenvolvimento da agricultura comercial se, por um lado, beneficiou uma parte dos agricultores mais consolidados economicamente e com maiores extensões de terra, por outro lado, fragilizou os pequenos produtores da região que não tinham nem muita terra nem recursos disponíveis para aplicar numa lavoura mecanizada de soja. Mantelli (2006) argumenta que a introdução do padrão tecnológico chamado “moderno”, no Rio Grande do Sul ocorre justamente com o desenvolvimento da produção de soja na região, à medida que durante a década de cinqüenta, a agricultura gaúcha encontrava-se estagnada por um lado, e, por outro, a produção de soja exigia o uso de tecnologias mais modernas na época. Nesse sentido, estabeleceu-se um processo seletivo mais intenso entre os agricultores, dado que estes tinham que se adequar ao

padrão produtivo moderno da soja ou deixar a agricultura, dada a inexistência de outras atividades produtivas de caráter comercial.

Tendo em vista a necessidade de viabilizar a pequena produção e reduzir a pressão social crescente, fortaleceu-se um processo de diversificação agrícola e a integração lavoura-pecuária. O objetivo principal dessa consorciação era a redução dos custos de produção dos pequenos produtores familiares, através da adoção de tecnologias que restringisse o uso de insumos de origem externa à propriedade (RÜCKERT, 2003).

No entanto, como aponta Mantelli (2006) a expansão da produção de trigo e soja na região atingiu seu limite, dado seu modelo extensivo de crescimento da agricultura que se contrapõem às bases de produção “minifundiárias” da região. “A reduzida extensão de terra configura-se num dos fatores restritivos, inclusive à utilização mais intensa de técnicas modernas, que visam um aumento da produtividade agrícola” (MANTELLI, 2006, p.98).

A partir dos anos de 1990 novas atividades passam a fazer parte da realidade agrária da região, sendo complementares a produção de grãos, e tendo um caráter alternativo à produção de grãos que cada vez mais se consolidava nos maiores estabelecimentos agrícolas. Destaca-se a produção de suínos e posteriormente de aves através de sistemas de integração, que são arranjos produtivos adotado entre produtores, sobretudo familiares, e indústria intermediados por contratos, onde se estabelece os direitos e deveres das partes envolvidas na transação.

No início dos anos 2000 a suinocultura que vinha, até então, sendo considerada a alternativa em relação à produção de grãos entra numa crise. As constantes pressões baixistas dos preços do produto associado aos elevados custos de produção41 que caracterizam o setor, em grande medida, decorrente das exigências impostas pelas empresas integradoras levaram muitos produtores a desistirem da atividade.

Outra atividade que passa a se fortalecer na região é a produção de aves, atividade esta que ganha espaço dada a ampliação do consumo de frango pela população. Da mesma forma que a produção de suíno, a produção de aves tinha inicialmente um caráter de autoconsumo das famílias ganhando, posteriormente, status de atividade comercial. Da mesma forma que a suinocultura, a produção de aves se estabelece nos moldes do sistema de integração. Fernandes

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Dentre estes destacam-se os elevados investimentos em infra-estrutura capital necessário para instalar as pocilgas e/ou comprar as matrizes para constituir uma unidade de dimensão suficiente do ponto de vista da indústria, os gastos com alimentação, mão- de-obra dentre outros.

Filho e Queiroz (2003) colocam que as principais características do modelo de integração avícola que vem sendo praticado nos últimos anos são: alto nível de automação dos aviários; alto volume de aves confinadas por aviário/ produtor integrado; redução significativa no número de produtores integrados para cada planta industrial; produtores integrados de tipo médio ou grande decorrente da exigência de que os integrados tenham maior capacidade de alavancagem de financiamento em função do aumento significativo nos custos de instalação de novos aviários; uso predominante de mão-de-obra assalariada nos aviários; e re-espacialização das agroindústrias integradoras em função da necessidade de se localizar em regiões que tenham características fatores como concentração de um número significativo de produtores com maior capacidade de alavancagem de financiamento e que queiram se integrar e concessão de incentivos, dentre outras. Nesse sentido, da mesma forma que na soja e mesmo na suinocultura tem havido no setor avícola um abandono, por parte dos pequenos produtores da atividade, dada a incapacidade destes de se adequarem às crescentes exigências das empresas integradoras.

É importante destacar, que simultaneamente a todo esse processo há um fortalecimento da produção de milho, à medida que este é produzido em associação com a soja não se estabelecendo um conflito entre tais culturas. Além disso, a produção de milho é uma atividade que tem estreita relação com a produção de aves e suínos, dado que o milho é utilizado como importante fonte alimentar para tais criações.

No final dos anos de 1990 e início dos anos 2000 uma outra atividade que existia enquanto atividade de subsistência, mas tem sua produção ampliada na região é a produção de leite, que passa a representar uma importante fonte de renda adicional às demais atividades comerciais. O leite passa então a ser a nova alternativa de produção comercial dentro da policultura que se apresenta na região e desde então vem se fortalecendo como opção dentro dos sistemas produtivos, como será mais bem visto na sequência. Segundo Barat (s/a) “Esta produção se expandiu bastante, devido certamente, à baixa necessidade em capital fixo inicial (comparativamente com outras opções produtivas), ao próprio potencial multiplicador do rebanho existente nas propriedades e às ações de incentivo das cooperativas tradicionais, de industriais locais ou de organizações econômicas vinculadas com os movimentos sociais”.

A partir desse breve histórico do desenvolvimento do agronegócio na região, o que se observa, como bem coloca Mantelli (2006), é que em áreas de pequenas propriedades, apesar de a

autoconsumo e voltadas à comercialização, na verdade, apresentam uma produção agropecuária encabeçada por um ou mais produtos de maior valor comercial, sendo que esses produtos variam conforme as condições de produção, sua valorização e a maneira como se integram ao mercado.