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A situação de «muito baixa» fecundidade da sociedade portuguesa em

Dinâmicas demográficas do envelhecimento: análise retrospectiva e questões actuais *

1. Breve análise descritiva da evolução da natalidade e da alteração dos padrões de fecundidade em Portugal

1.6. A situação de «muito baixa» fecundidade da sociedade portuguesa em

Para concluir esta análise descritiva da evolução da natalidade e da transfor- mação dos padrões de fecundidade portuguesa, e na medida em que os dados da situação demográfica de 2012 foram divulgados pelo INE no exacto mês em que o presente estudo irá ser entregue, entendemos útil apresentar alguns valores que retratam bem aquela situação.

Em 2012, o número de nascimentos ocorrido no nosso país foi o mais baixo desde que existem registos, tendo o ISF atingido, também pela primeira vez, um valor de 1,28 filhos por mulher, tal como a taxa bruta de reprodução (que mede o número de filhas que cada mulher deixa na população – indicador extraordinariamente interessante em termos de dinâmica populacional) não ultrapassou o valor de 0,62.

Há mais de trinta anos que deixámos de conseguir substituir as gerações (sendo o valor do ISF necessário para que tal possa ser assegurado igual a 2,1, dadas as condições de baixa mortalidade infantil, juvenil e até à idade repro- dutiva da população portuguesa); nos últimos dezanove anos (desde 1994,

com excepção para o ano de 2000 por circunstâncias ainda não claramente explicadas), temos registado um nível de fecundidade abaixo do limiar crítico de 1,5 filhos por mulher. O valor para 2012 surpreendeu pela queda agravada do indicador relativamente aos anos anteriores, mesmo num quadro de baixa fecundidade.

Portugal tornou-se assim, em 2012, um dos países com mais baixa fecun- didade na Europa e mesmo no mundo: apenas a Bulgária, a Letónia, Singapura e a Coreia do Sul registaram o valor de 1,2 e Tawain, o mais baixo com 1,1 (excluímos desta ordenação a China, Hong Kong, China, Macau e outros pequenos Estados).

O adiamento continuou, inelutável, o seu progresso. Quando admitía- mos que os nascimentos que vinham a ser adiados pelas mulheres mais jovens pudessem vir a ser recuperados nas idades mais tardias, quando supúnhamos que o limite biológico feminino iria pressionar a natalidade, imaginando inclusive que essa pressão viesse a contrariar a inevitável queda experimentada habitualmente pela fecundidade em períodos de crise financeira e recessão económica, tal não veio acontecer… ainda.

O Gráfico 316 mostra como a fecundidade em 2013 se distribuiu ao longo dos distintos grupos de idades quinquenais em que tradicionalmente subdividimos o intervalo fértil da população feminina.

Gráfi co 3.16 Distribuição das taxas especifi cas de fecundidade por grupos de idades quinquenais, Portugal em 2012 0 20 40 60 80 100 45-49 40-44 35-39 30-34 25-29 20-24 15-19 9 1 83 71 38 12 43

Fonte: INE. Elaboração própria.

Além do reduzido número de nascimentos por mulher, a classe etária que apresenta o valor mais elevado é a correspondente aos 30-34 anos, não ultra- passando 83 nascimentos por cada 1000 mulheres; por ordem decrescente de importância, a classe etária seguinte é a respeitante aos 25-29 (71 nascimentos por 1000 mulheres), seguida pela dos 35-39 (43 nascimentos por 1000 mulheres) e em antepenúltimo, o grupo dos 20-24 anos com 38 por mil. A fecundidade a partir dos 40 anos de idade é muito reduzida e depois dos 45 torna-se marginal.

As idades médias quer ao nascimento dos filhos, quer especificamente ao nascimento do primeiro filho, elevaram-se ainda mais em 2012 e aproximaram- -se ainda mais tendo alcançado os valores de 31 e 29,5 anos, respectivamente. Actualmente, a diferença entre as taxas é de apenas 1,5 anos. Estes resultados tornam evidente o acentuar de um padrão de comportamento: a generalidade das mulheres portuguesas tem hoje apenas, e tardiamente, um único filho.

Podemos ainda acrescentar que a probabilidade de que esse filho nasça numa união de facto e consequentemente fora de uma relação matrimonial institucional é cada vez maior. Afirmamo-lo por duas razões: a crescente pro- porção de nados-vivos fora do casamento que em 2012 representou já 46 % do total de nascimentos ocorridos em Portugal, e pela diferença extraordinaria- mente significativa, como comprova o Gráfico 3.17, da distribuição dos nados- -vivos entre dentro e fora do casamento segundo a idade das mães. Note-se a importância comparativa dos grupos de abaixo dos 30 anos.

Gráfi co 3.17 Distribuição dos nados-vivos dentro e fora do casamento por grupo etário das mães, em Portugal, em 2012

Dentro do casamento Fora do casamento Dentro do casamento Fora do casamento 0 5000 10 000 15 000 20 000 25 000 45-49 40-44 35-39 30-34 25-29 20-24 15-19

Fonte: INE. Elaboração própria.

Este gráfico representa, sem dúvida, não apenas a perda de importância do casamento como condição para o início da vida em comum, como também o crescente desinteresse por parte dos mais jovens (em particu lar 20-24 e 25-29 anos) em legalizar uma situação de união de facto mesmo após o nascimento dos filhos.

Embora a maioria dos nascimentos fora do casamento ocorra em casais coabitantes, podemos apontar, como característica diferenciadora dos últimos anos, um aumento do número de nascimentos sem coabitação dos pais. Em 2012, este representou 28 % do total.

Em função da idade da mãe, a distribuição de acordo com a filiação evidencia igualmente uma maior relevância dos nascimentos sem coabitação dos pais quer nas idades mais jovens, como tínhamos assinalado com idades inferiores aos 30 anos, quer nas idades mais avançadas (Gráfico 3.18).

Várias poderão ser as razões que motivam este crescimento, de certo modo contrário às expectativas de evolução das relações de conjugalidade: perda da importância do casamento enquanto instituição, mas manutenção da importância de se viver com um parceiro, numa relação de conjugalidade emocionalmente estável, idêntica à de um casal casado legalmente. A crise eco- nómica, a precariedade das relações laborais e as elevadas taxas de desemprego jovem podem estar na base desta nova tendência, não permitindo aos jovens sequer arrendar uma habitação em que coabitem; podemos, igualmente, estar a assistir a uma alteração de comportamento das portuguesas relativamente à indispensabilidade de ter um parceiro coabitante para a tomada de decisão de ter um filhos; ou ainda, os elevados níveis de emigração masculina pode- rão ser causa da não coabitação dos pais (os homens representaram 77 % dos emigrantes temporários e mais de 66 % dos permanentes, em 2012, segundo o INE). Se esta razão for de facto a explicativa, poderemos estar prestes a reviver quadros familiares característicos das décadas de forte emigração do século passado, considerados perdidos, inconcebíveis num Portugal desenvolvido, europeu, do século xxi15.

Finalmente, mostramos no Gráfico n.º 3.18 o diferente comportamento dos nascimentos, de acordo com a filiação, em função da idade da mãe.

Gráfi co 3.18 Evolução dos nados-vivos fora do casamento, com e sem coabitação dos pais, por grupos de idade, em 2012

Dentro do casamento Com coabitação dos pais Sem coabitação dos pais Dentro do casamento

Com coabitação dos pais Sem coabitação dos pais

<15 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ 100% 80% 60% 40% 20% 0%

Fonte: INE. Elaboração própria.

Complementarmente, mostramos no Gráfico 3.19 o diferente compor- tamento dos nascimentos, de acordo com a filiação, em função da idade da mãe. Ao que parece, o maior adiamento verifica-se nos nascimentos dentro do casamento, enquanto os fora do casamento são, em ambos os casos, mais precoces e registam um maior variância, ou seja, distribuem-se num intervalo de idades mais largo.

15. Este tema ainda não está suficientemente estudado, uma vez que os efeitos da recessão económica se estão a fazer sentir no presente momento. No entanto, não quisemos deixar de o referir desde já. Os argumentos apresentados foram debatidos com Vanessa Cunha e Conceição Picoito, a quem agradecemos os contributos originais provenientes das suas próprias pesquisas.

Gráfi co 3.19 Curvas de fecundidade, em função da fi liação, em Portugal, em 2012

Dentro do casamento Fora do casamento Com coabitação dos pais Sem coabitação dos pais Dentro do casamento

Fora do casamento Com coabitação dos pais Sem coabitação dos pais

<15 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 0,06 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+

Fonte: INE. Elaboração própria.

Finalmente, recaindo a escolha (voluntária ou involuntária) dos portu- gueses em descendências de um único filho, vejamos a proporção de nasci- mentos segundo a ordem e a sua distribuição por idades das mães em 2012 (Gráfico 3.19, Gráfico 3.20).

Gráfi co 3.20 Nascimentos em Portugal, em 2012, por ordem

4.º + filhos 3.º filho 2.º filho 1.º filho 3 9 34 54

INE. Elaboração própria.

A proporção de primeiros filhos represento u mais de metade, ou seja, 54 % do total, enquanto apenas 12 % das mães decidiram ter mais do que dois filhos.

Na sociedade portuguesa actual, o primeiro filho nasce tardiamente, perto dos 30 anos de idade, o mesmo acontecendo necessariamente com os nascimentos de ordem superior.

Gráfi co 3.21 Curvas de fecundidade, por ordem dos nascimentos, em Portugal, em 2012 1º filho 2º filho 3º filho 4º + filhos 1º filho 2º filho 3º filho 4º + filhos <15 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ 0,00 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05

Fonte: INE. Elabor ação própria.

A nupcialidade, assim como a divorcialidade, podem ser considerados factores influenciadores das trajectórias de fecundidade, daí que apresentemos, em seguida, uma análise breve da evolução destes dois fenómenos em Portugal.