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3. O PRINCÍPIO DA SOBERANIA PERMANENTE SOBRE

3.2. NATUREZA JURÍDICA DA SOBERANIA PERMANENTE

3.2.1. A soberania permanente e sua força como Resolução

Em um mundo com mais de 190 Estados, multicultural, de diferentes orientações políticas, interesses e sistemas legais, torna-se extremamente difícil a tarefa de identificar uma prática universal como um costume. Decidir o que pode ser considerado costumeiro requer uma pesquisa não apenas das legislações estatais e declarações, acordos e atos bi e multilaterais, como também decisões de Cortes e as “ações de relevantes organizações quanto a específicos assuntos, políticas e condutas desses organismos internacionais”170. E esse trabalho obviamente inclui a ONU e suas agências especializadas.

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O princípio não pode ser dissociado de seus dois elementos intrínsecos sem mudar-se fundamentalmente seu senso e efeitos.

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SANDS, op. cit., p. 236 170

BIRNIE, Patricia; BOYLE, Alan. International Law & the Environment. 2.ed. Oxford: Oxford, 2002. p.17.

Se as Resoluções da Assembleia Geral têm o caráter compulsório de um costume ou se na verdade incluem o grupo de normas conhecidas como soft law, o que realmente importa é o caráter de universalidade com que são revestidas as Resoluções. Birnie argumenta que há uma interpretação ilusória de que os instrumentos considerados como soft law (declarações, por exemplo), não podem ser considerados como lei171. A condição de lege ferenda das Resoluções parece, em um primeiro momento como uma característica própria, relegando sua natureza normativa a um segundo plano.

Um ponto de vista contemporâneo do direito internacional defende que alguns fóruns multilaterais - como a Assembleia Geral das Nações Unidas -, onde representantes de Estados e de outros organismos internacionais discutem os problemas e soluções da ordem global, são determinantes para a construção do direito internacional172. Garibaldi observa que podem ser verificados dois tipos de opiniões quanto à compulsoriedade das Resoluções: uma forte (strong claim) e uma fraca (weak claim)173.

A forte defende que algumas Resoluções são compulsórias per se, não importando se estas estão ou não de acordo com outras normas definidas através de tratados ou mesmo pelo direito costumeiro. Já as Resoluções “fracas” são consideradas aquelas compulsórias pela especial conexão que porventura tenham com outras fontes tradicionais de direito internacional. Classificando as Resoluções da Assembleia Geral como strong claims, significaria defender uma modificação no próprio sistema jurídico internacional, acrescentando decisões do órgão (que nem sempre são unânimes) ao mesmo patamar hierárquico de tratados e costumes. Não parece ser este o critério de validade corrente. De outro modo, classificando-as como weak claims, as Resoluções gozariam também de força e representatividade no sistema jurídico internacional, no entanto sem precisar alterar sua substância. Nesse sentido, as Resoluções seriam “adequações” de situações pré-existentes (ou mesmo tendências prestes a acontecer), cujas circunstâncias de votação e atitude dos atores também exercem influência. Garibaldi ainda oferece alguns exemplos de Resoluções como sendo weak claims174:

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BIRNIE; BOYLE, op. cit., p.17 172

PERREZ, op. cit., p.1195 173

GARIBALDI, Oscar M. The Legal Status Of General Assembly Resolutions: some conceptual observations. American Society of International Law, Cambridge, v.73, pp. 324-327, 1979, p. 325.

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(i) que as Resoluções da AG são interpretações de uma norma já existente no sistema;

(ii) que as Resoluções são declaratórias de normas;

(iii) que as Resoluções são evidências de uma norma pré- existente ou, se ainda inexistente, uma norma futura. Embora seja uma discussão aparentemente inócua (pois os Estados participantes da comunidade internacional se sujeitam a “ganhar” ou “perder” enquanto partes de um sistema integrado e multilateral)175, verifica-se uma tendência de maior ou menor força das Resoluções, a depender da representação que estas tiveram em suas votações pela Assembleia Geral. O tribunal arbitral do caso Texaco Overseas Petroleum vs Libya deu uma interessante dimensão nesse sentido, ao considerar a “força” das Resoluções baseadas nas condições de voto (ampla ou pequena maioria), representatividade geográfica e econômica176.

Porém, não há como desprezar o fato de que as ações dos Estados necessitam de uma interpretação mais restrita. As votações da Assembleia Geral demonstram que nem sempre um voto significa necessariamente uma posição sedimentada sobre algum preceito normativo. O jogo político, o “afrouxar e apertar”, faz parte das políticas internacionais, dos interesses e alianças. Koskenniemi salienta que os Estados votam de acordo com suas próprias convicções apenas quando possuem uma “certeza virtual que ninguém oporá as Resoluções entre

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“Prestige or power outside the Assembly can therefore be translated into influence within. For example, a state with high "moral stature" may be able to deny legitimacy to a resolution by opposing it. If the sponsors are aware of this situation in advance, they may find it desirable to consult with that state before formally presenting their resolution”. In: KEOHANE, Robert O. The study of political influence in the General Assembly. International Organization, Cambridge, v. 21, pp. 2210-237. mar. 1967, p.228.

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A disputa surgiu em 1973 quando a Líbia promulgou decretos com a pretensão de nacionalizar todos os direitos, interesses e propriedades de duas empresas internacionais de petróleo em seu território. As companhias alegaram a violação dos atos de concessão que lhes foram outorgadas anos antes. O governo líbio fez-se valer das Resoluções da ONU sobre a soberania permanente sobre as riquezas e recursos naturais, confirmando seu direito soberano de nacionalizar seus próprios recursos. Disponível em: < http://translex.uni-koeln.de/output.php?docid=261700>. Acesso em: 20 out. 2012.

si como norma compulsória”177. Ainda, que a interpretação e valoração de uma Resolução seria apenas possível após uma avaliação da real vontade dos Estados ao disporem seus votos na Assembleia Geral178.

De qualquer forma, presume-se que quando uma Resolução exprime opiniões acerca de normas gerais de direito internacional, a aceitação pela maioria é o suficiente para demonstrar uma evidência de constituição do próprio direito internacional. Nesse sentido, as Resoluções “fornecem uma base para o progressivo desenvolvimento do direito e a rápida consolidação de normas costumeiras”179.