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3. O PRINCÍPIO DA SOBERANIA PERMANENTE SOBRE

3.2. NATUREZA JURÍDICA DA SOBERANIA PERMANENTE

3.2.2. A soberania permanente sobre os recursos naturais:

jus cogens

Certas normas de direito internacional possuem precedência sobre outras, sendo consideradas normas hierarquicamente superiores180, imperativas de direito internacional geral (art. 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados) e ainda consideradas exceção ao princípio da liberdade dos Estados em concluir tratados e regras absolutas, sendo não derrogável inter partes.

O surgimento da noção de jus cogens no direito internacional contemporâneo foi durante um período marcado pelo revisionismo jurídico defendido pelos Estados emergentes do processo de descolonização e dos Estados socialistas181.

O jus cogens é também chamado como “super lei” atribuindo-se maior importância a certas normas de direito internacional que gozam de uma posição hierárquica superior ou especial no sistema legal internacional. Portanto, no caso do PSPSRN, apenas norma de igual

177

KOSKENNIEMI, op. cit., p.434 178

Ibid., p.435 179

BROWNLIE, op. cit., p.15 180

“Recognized hierarchical relations by the substance of the rules: Jus cogens. A rule of international law may be superior to other rules on account of the importance of its content as well as the universal acceptance of its superiority. This is the case of peremptory norms of international law (jus cogens, Article 53 VCLT), that is, norms “accepted and recognized by the international community of States as a whole from which no derogation is permitted”. In: INTERNATIONAL LAW COMISSION, op. cit., p.20

181

SALCEDO, Juan Antonio Carrilo. Reflections on the Existence of a Hierarchy of Norms in International Law. European Journal of International

natureza poderia derrogá-lo, o que lhe confere ascendência perante outros princípios de direito internacional.

Embora seu caráter superior o jus cogens também encontra limites, pois “a mera rotulagem de uma norma como ‘peremptória’ ou como ‘não-depreciativa’ não é suficiente, devendo-se verificar a cada vez a prática do Estado e sua opinio iuris”182. Apenas com a análise desses elementos externos – somadas a uma interpretação adequada de um tratado aplicável -, haveria então a possibilidade de produzir o efeito específico que os tribunais são chamados a julgar. O que deveria ser considerado, portanto, além do caráter peremptório e inderrogável da norma é o efeito a que se pretende produzir.

Os juristas internacionais defendem a categorização das normas em ordinária internacional e jus cogens devido à suas consequências legais. E nesse contexto, enquanto as normas ordinárias de direito internacional podem ser simplesmente suprimidas ou modificadas, as normas jus cogens não estariam propensas a tais alterações, indicando um processo muito mais solene para essa ocorrência, ou seja, a criação de uma nova norma com a mesma natureza e mesmas características. Esse efeito é o que Linderfalk sustenta ser a Teoria das Consequências Legais como Critério183.

A propósito do tema, Verdross divide o jus cogens em três grupos distintos184:

(i) regras de interesse da comunidade internacional como um todo, o que também significa a exclusão de normas proibidas pelo próprio jus cogens, a usurpação de poderes

182

FOCARELLI, Carlo. Promotional Jus Cogens: A Critical Appraisal of Jus Cogens' Legal Effects. Nordic Journal of International Law, Leiden, v.77, pp. 429-459, 2008, p. 459.

183

“[...]a Teoria das Consequências Legais como Critério implica que a normatividade do direito internacional é bipolar. Ela sugere que as normas jurídicas internacionais são ou anuláveis ou não-anuláveis, e que, por isso, pode-se falar de dois tipos de normas: normas do direito internacional comum e as normas de jus cogens. Na realidade, a diferença entre jus cogens e do direito internacional ordinário é mais uma questão de graus do que de espécie.” In: LINDERFALK, Ulf. What Is So Special About Jus Cogens? On the Difference between the Ordinary and the Peremptory International Law.

International Community Law Review, Leiden, v.14, pp.3-18, 2012. p.15

184

VERDROSS, Alfred. Jus dispositivum and jus cogens in international law.

American Journal of International Law. Washington D.C. v. 60, pp. 59-60,

de terceiros Estados, ou imposição de restrição de liberdades que impossibilite a esses Estados de cumprirem suas obrigações perante a comunidade internacional; (ii) regras com propostas humanitárias, sem distinção de cor,

credo, gênero; e

(iii) regras inerentes ao uso da força, que foram introduzidas pela Carta da ONU: absterem-se os Estados da ameaça (exceção à defesa coletiva e individual); solução de controvérsias internacionais por meios pacíficos e assistir às Nações Unidas em ações realizadas com base na Carta, o que significa não prestar auxílio a Estados aos quais tenham sido aplicadas sanções internacionais pelo Conselho de Segurança.

É essencial compreender-se a universalidade do jus cogens e a extensão dos efeitos da soberania permanente se classificada nesses termos. Embora com respeitáveis opiniões dissonantes185, a soberania permanente enquanto jus cogens encontra grandes reverberações na doutrina. Para Sands, o PSPRN (juntamente com o princípio da ação preventiva) está suficientemente estabelecido de modo até mesmo a motivar uma demanda internacional, refletindo uma obrigação legal costumeira internacional, segundo a qual sua violação poderia originar uma ação judicial186. Esta também é a opinião de Brownlie, conferindo ao princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais – juntamente com o princípio da autodeterminação -, o status de jus cogens187.

Enquanto a maioria das normas de direito internacional são comumente classificadas como jus dispositivum, ou seja, regras ordinárias e desprovidas de um caráter mais solene, a classificação do princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais como jus cogens sem dúvida o reveste com importância fundamental perante o imenso aparato normativo que permeia o direito ambiental internacional. Sobretudo, deixa ainda mais perceptíveis os direitos e obrigações inerentes ao princípio, corolário da classificação superior frente às demais normas.

185

SCHRIJVER, op. cit., p.377 186

SANDS, op. cit., p.231. 187