• Nenhum resultado encontrado

SUMÁRIO

2 A GESTÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DE RISCO

2.2 O RISCO AMBIENTAL É DEMOCRÁTICO? O DIREITO NO EMBATE ENTRE AS DIMENSÕES SOCIAL E

2.2.1 A sociedade de risco superou a sociedade da escassez?

Não obstante o grande mérito da teoria de Ulrich Beck em colocar em evidência os problemas ambientais surgidos pela aplicação da ciência e da tecnologia, ela não deixa de ser alvo de críticas por outros autores, sob os mais diferentes enfoques. Dentre essas diversas críticas, que perpassam questões epistemológicas, metodológicas e alcançam, inclusive, algumas definições principais para a obra do autor, existe uma crítica mais ampla que precisa ser enfrentada e

posteriormente complementada por leituras relacionadas a ela39. Trata- se, eminentemente, da questão representada pela pergunta do presente subtítulo: a democrática distribuição do risco ambiental e fatores relacionados.

Para isso, iniciar-se-á com certos matizes da teoria de Ulrich Beck que em certo momento foram bastante evidentes, ainda que posteriormente tenham passado por reformulações. Mantêm-se como relevantes na medida em que desvelam as posições a partir das quais a teoria foi formulada originalmente e, em essencial, porque se apresentam intimamente relacionadas com a crítica principal a ser desenvolvida.

O século XX mostrou aos teóricos sociais que teorias gerais de matiz universal e determinista não são capazes de explicar a realidade e os caminhos trilhados em direção ao futuro. Diagnósticos sobre o fim e o nascimento de sistemas de produção e instituições não se concretizaram; as transformações sociais aceleraram-se, gerando maior heterogeneidade e fragmentação social; a rígida separação entre objeto e observador é questionada; afirma-se ser o fim das “grandes narrativas”. Estrelam essas conclusões, em especial, os debates entre marxismo e liberalismo; nesse caso, segundo Rocha, tem-se que as perplexidades decorrem

[...] epistemologicamente do paradoxal fato de que estas duas teorias antagônicas possuem perspectivas metodológicas positivistas, centradas na crença da objetividade da idéia de totalidade – axioma que permitiria a elaboração de teorias gerais, metalinguagens sintático-semânticas da política, explicativas de todos os fenômenos sociais (ROCHA, 2003, p. 173).

Nesse sentido, tentativas de explicar a realidade social com base em argumentos oriundos de perspectiva biológica e física – eminentemente na idéia de “evolução” – reproduzem o mesmo erro já cometido nos séculos anteriores. Esse é um primeiro problema existente na origem da teoria da sociedade de risco formulada por Ulrich Beck: a

39 A escolha dos elementos a serem analisados dá-se pela importância que eles possuem frente

à realidade brasileira, na medida em que tal teoria não corresponde absolutamente ao verificado na práxis. Assim, faz-se necessário apresentar tais ressalvas para que a teoria da sociedade de risco possa ser adotada sob um viés crítico, buscando-se evitar a simples “importação” de teorias estrangeiras não condizentes com o contexto nacional.

percepção de sua ocorrência de forma evolutiva, linear, quase inevitável, como conseqüência da sociedade industrial.

Segundo Costa, esse “[...] problema está relacionado com a apresentação das diferentes modernidades numa linha cronológica, como se à sociedade industrial se seguisse inevitavelmente a segunda modernidade [...]” (2004, p.4). Dessa forma, ainda que não de maneira expressa e intencional, na obra de Beck (2010) a descrição da passagem da sociedade industrial para a de risco assume um caráter um tanto linear e determinista, especialmente considerando a quase inexistência de indicação de descontinuidades ou não ocorrência desse processo. Ressalte-se que as descontinuidades ou rupturas são claramente apontadas no que se refere à própria sociedade industrial, à modernização simples, na medida em que o autor salienta a existência de elementos de contramodernidade.

Com a ocorrência da segunda modernidade, por sua vez, o autor salienta a continuação do processo de modernização da sociedade, como se a consolidação da sociedade de risco representasse o próximo momento dessa evolução. Nesse sentido, Costa (2004) afirma que a primeira modernidade assumiria a dimensão do ser, da realidade empírica, enquanto a segunda modernidade – a sociedade de risco – representaria o dever-ser, numa perspectiva normativa, a ser alcançada.

Ainda, para além dos elementos teóricos referidos, a realidade social brasileira – e de tantos outros povos e países – é capaz de demonstrar que uma perspectiva linear como essa é inconcebível. Já é possível sentir os riscos decorrentes da aplicação da tecnologia (lógica da distribuição de riscos), embora não tenha sido alcançado o patamar de distribuição de riquezas (sociedade industrial) apresentado como pressuposto lógico para a passagem à sociedade de risco, mediante o processo de reflexividade apontado – o que pode ser percebido diante do caso concreto em estudo, conforme será apresentado.

Entretanto, segundo Guivant (2001, pp.95-112), parte dos enganos cometidos na obra trabalhada foram redimidos em trabalhos mais recentes do autor, ao traçar uma teoria global dos riscos40 (uma teoria sobre globalização). Dentre outros elementos apresentados por Beck para fugir da perspectiva linear, o autor, conforme Guivant, “[...]

40 Apesar de a teoria global do risco não ser o foco primordial desse trabalho, é necessário

reconhecer a dimensão global do problema ambiental e, também, no que se refere a críticas ao autor, faz-se necessário apontar as reformas parciais por ele implementadas. Para saber mais a respeito, vide: BECK, 1999.

tem enfatizado que a contribuição da sua teoria da sociedade global de riscos consiste em demonstrar que tanto as sociedades ocidentais quanto as não ocidentais podem enfrentar, simultaneamente, os mesmos desafios da segunda modernidade” (2001, pp. 97-8).

A crítica referente à perspectiva evolucionista/linear é acompanhada de muito perto pelo segundo aspecto relevante, na medida em que, em parte, aquela decorre deste: a perspectiva eurocêntrica, que implica a pretensiosa universalização da realidade alemã, no máximo européia, em detrimento de particularidades locais. O problema representado pelo eurocentrismo decorre, essencialmente, no entendimento de Santos (2002, p. 200-5), dos limites da representação do conhecimento, que são definidos a partir da determinação da relevância.

Em resumo, aponta-se que essa determinação resulta de uma escolha do pesquisador/observador, em conformidade com seus objetivos de análise, de modo que o fenômeno estudado apresenta-se na medida daquela escolha. Disso resulta que o conhecimento será sempre parcial e que essa parcialidade pode, deliberadamente, ser operada com a intenção de esconder outros aspectos que, em função de algum interesse, não devem ser apresentados à discussão.

No caso específico, a sociedade alemã, que serve de cenário para a elaboração desta teoria por Beck, já se apresenta bastante estruturada no que se refere à provisão das condições mínimas de qualidade de vida pelo processo conduzido pelo Estado de bem estar social. Nesse sentido, a sua adoção como parâmetro – e a consideração da Europa em igualdade de condições – apresenta-se como problema, visto que possui como repercussão negativa, ainda que não intencional, o tangenciamento do problema da desigualdade – mais comumente tratada como desigualdade de classes, ainda que não se reduza a ela.

Dessa maneira, na perspectiva do que foi ressaltado acima a respeito da formação do conhecimento, a ampliação para outros cenários possibilita a dispensa da consideração a respeito da debilidade de grupos específicos que sofrem com maior intensidade os efeitos dos riscos.

Frente a essas colocações, alcançamos o grande questionamento que pode ser colocado à teoria da sociedade de risco – e, inclusive, à questão ambiental da maneira como ela é compreendida predominantemente41: é possível afirmar que os problemas decorrentes

41A respeito desse tratamento predominante da questão ambiental, serão feitos maiores

da emergente sociedade de risco significam a superação das dificuldades observadas no contexto de sociedades de escassez?42 A resposta que se entende como adequada a essa questão é negativa; buscar-se-á, frente a isso, apresentar as razões de cunho teórico e prático que permitam fundamentar esse entendimento, assim como as considerações decorrentes disso.

Inicialmente, entende-se relevante destacar o que se considera uma necessidade, que Cavedon (2010, p. 161-186) observa como uma tendência, consistente na aproximação das concepções teóricas de direitos fundamentais e da questão ambiental.

De certa forma, a questão ambiental propõe, dentre outras, uma reflexão profunda em busca de novas bases éticas que ressaltem a importância dos membros não racionais da vida e a indispensabilidade do seu tratamento por uma visão menos instrumental. Assim, em certo sentido, a questão ambiental, ao proporcionar o questionamento da concepção moderna hegemônica (antropocêntrica43) a respeito da relação do ser humano com a natureza, coloca em contestação a visualização daquele como único sujeito a ser protegido pelo direito.

Em alguns aspectos, tal contestação pode gerar certa oposição entre os direitos fundamentais em seu caráter subjetivo44 e a questão ambiental, em sua demanda por proteção do meio ambiente. As dificuldades de articulação entre os direitos subjetivos fundamentais e a proteção à natureza, em termos epistemológicos, residem exatamente no deslocamento do ser humano do centro do mundo – ou, mais

42

Não se ignora a breve referência de Beck, na obra aqui trabalhada, ao fato de que aqueles que possuem maiores acessos à informação e poder aquisitivo razoável têm melhores condições de se proteger dos riscos. Também, destaca-se que em obras mais recentes o autor reforça essa ressalva, já que “[...] passou a reconhecer que seria muito simplista afirmar que a ecologia teria suplantado a questão de classe, enfatizando que elas podem se sobrepor e se agravar mutuamente [...]”.GUIVANT, 2001, p. 97. Porém, entende-se que essas ressalvas são apresentadas como se fossem exceção à realidade global.

43Designa-se por antropocentrismo o entendimento hegemônico a respeito da relação do ser

humano com a natureza que se elaborou no processo de constituição da modernidade como resultado da concepção paradigmática cartesiano-mecanicista de mundo. Nesse sentido, o antropocentrismo implica o entendimento de que está reservado ao ser humano o direito de dominar e aproveitar-se dos recursos naturais em razão da sua capacidade de pensar e agir embasado na razão. A respeito do tema, vide CAPRA, 2006.

44 Refere-se, especificamente, ao caráter subjetivo com o intuito de conferir destaque à

dimensão dos direitos fundamentais relacionadas com o sujeito, portanto, o ser humano, tendo em vista a existência – em especial no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – de uma dimensão objetiva que amplia o seu conteúdo para englobar a proteção dos seres vivos não humanos. Esses aspectos serão aprofundados no próximo capítulo.

especificamente na área do direito, como único alvo de proteção por parte dos Estados.

De fato, a questão é demasiado complexa e parece refletir a dificuldade existente em definir o limiar de distinção entre o vínculo e o limite45 que relaciona os dois elementos: natureza e ser humano. Entretanto, é justamente para o caráter complexo da relação, refletido no embate jurídico de proteção do meio ambiente e dos direitos subjetivos fundamentais, que se pretende direcionar a atenção neste momento. Ainda, conforme se abordará abaixo, as dificuldades para a tutela jurídica de ambos podem ser muito bem representadas pelo seguinte questionamento, proposto por Acselrad: “[...] como conquistar legitimidade para as questões ambientais, quando, com frequência, a preocupação com o ambiente é apresentada como um obstáculo ao enfrentamento do desemprego e à superação da pobreza?” (2010a, pp.103-4).

Entretanto, não é pelo fato de essa tutela jurídica conjunta ser complexa que a dimensão social e a dimensão ambiental devam ser colocadas como opostas. Impõe-se trabalhar essas ideias em busca do que Ayala (2010, p. 235) chama de um diálogo possível:

O possível deixa, dessa forma, de ser socialmente reproduzido como expressão que identifica condições de imobilismo ou de impotência perante um futuro ainda inacessível, desconhecido e incompreensível, para assumir a qualidade de objetivo e compromisso jurídico tendente à concretização, tarefas que dependem da satisfação de severos compromissos de solidariedade. Nesse sentido, compreende-se como necessária tal aproximação visto que, conforme Cavedon (2010), ela pode proporcionar uma perspectiva mais ampla e potencialmente completa a respeito dos conflitos existentes, na medida em que procura conjugar as dimensões social, política, econômica, cultural, dentre outras, à dimensão ambiental. Igualmente, nesse processo, torna-se possível ampliar a perspectiva a respeito de direitos subjetivos para incluir a proteção ao meio ambiente e possibilitar uma renovação de sua leitura, em consonância com a realidade atual em que a busca por soluções para o problema ambiental é tarefa inexorável. Também, segundo Cavedon (2010), a aproximação entre essas duas dimensões viabiliza a

consideração simultânea e com igual relevância dos problemas oriundos da sociedade da escassez junto à sociedade de risco, na medida em que aproxima o social do ambiental.

Essas considerações são reforçadas na medida em que a problemática apresentada, segundo Acselrad, Mello e Bezerra (2010b, pp.11-15), converte-se em estratégia para naturalizar certo entendimento a respeito da questão ambiental e torná-lo senso comum predominante: a idéia de que todos são igualmente afetados pelos efeitos da crise ambiental, ou, em outras palavras, a compreensão de que o risco ambiental é democrático. Essa percepção é problemática visto que, semelhantemente às consequências relacionadas para a perspectiva antropocêntrica, ela viabiliza o isolamento da dimensão ambiental em relação às demais dimensões, excluindo do debate os cenários em que se produzem e nos quais são sentidos os problemas ambientais.

Além disso, segundo Acselrad (2010b), ao identificar a todos como igualmente afetados, também induz a compreensão de que todos se apresentam homogeneamente como responsáveis pela produção dessa realidade. Disso resulta que o problema assim apresentado direciona a solução nos exatos limites em que foi definido, de modo a excluir as demais dimensões, em especial a social. Tal limitação conduz, portanto, à elaboração de instrumentos e políticas públicas ambientais de amplitude reduzida.

Referida estratégia, cujo intuito é produzir um entendimento predominante, segundo Acselrad (2010a), está embasada em uma razão utilitária, que compreende o meio ambiente como recursos naturais a serem apropriados para a reprodução do sistema econômico – desprovido de elementos sociais e culturais múltiplos. Não questiona a finalidade existente na apropriação dos recursos naturais, mas somente os meios (mais eficazes e rentáveis) a partir dos quais isso é feito.

Igualmente, para essa concepção, o meio ambiente é visto de forma homogênea e, portanto, os efeitos deletérios causados em sua apropriação também o são, de modo que a poluição e o risco ambiental se apresentam como democráticos. Dessa perspectiva decorre, conforme Acselrad, Bezerra e Mello (2010b), uma atuação direcionada pela afirmação do mercado, pela crença sobre o progresso técnico46 e por um

46Essa concepção está bastante relacionada com a teoria sociológica da modernização

ecológica. Essa teoria também não nega a modernidade como processo, pelo contrário, aponta a sua continuação mediante a substituição de tecnologias poluidoras por tecnologias limpas. Para saber mais: HANNIGAN, 2004, pp. 47 – 8.

falso consenso político. Quanto ao primeiro, impõe-se a regulação da escassez dos recursos naturais por meio da atribuição de preço (valoração monetária) a esses bens47. No que se refere à segunda, significa que as soluções advindas da própria tecnologia, no tempo adequado, serão hábeis a resolver os problemas por ela gerados. A respeito do terceiro, implica a despolitização das lutas48 decorrentes desse cenário, por meio de decisões falsamente negociadas, visando à estabilidade.

Nessa linha de argumentação, o mercado seria capaz de orientar os processos de apropriação dos recursos naturais a fim de, por meio da lógica da eficiência, impedir o desperdício – causa principal do problema ambiental segundo essa perspectiva. Como consequência, tem-se a desregulamentação desses processos, de modo que os direitos cedem aos interesses que circulam nas operações mercadológicas. É nesse ínterim que se conformam práticas desiguais de apropriação dos recursos naturais e de deposição de resíduos/exposição a riscos em espaços geográficos economicamente mais rentáveis – ou seja, que não sofrem os efeitos da especulação imobiliária.

Igualmente, por meio dessa perspectiva, fortalece-se a estratégia empresarial que se pode chamar de “chantagem locacional”, a qual, segundo Acselrad, Mello e Bezerra (2010), estrutura-se por meio de pressões – seja para a manutenção do empreendimento onde está ou para sua implantação em certo município, região ou país – tendo em vista a liberação de cumprimento de normais sociais e ambientais, além de vantagens tributárias. Assim, o investimento instala-se junto “[...] às populações mais destituídas ou a governos com maiores índices de desemprego e ameaça de crise social [...]” (ACSELRAD, MELLO, BEZERRA, 2010), impondo-lhes uma falsa liberdade de escolha de se submeter a tais condições e riscos.

Nessa medida, tais investidores subvertem o ordenamento jurídico em seu favor e definem coercitivamente – sob o manto de um aparente consentimento – os limites de aceitação de riscos

47 Esse entendimento está profundamente relacionado com a perspectiva de necessidade de

privatização de todos os recursos naturais, tendo como base um mito fundador: “A tragédia dos comuns”. Escrita por Garrett Hardin, em 1968, trazia em sua essência a idéia de que os bens que são de todos são negligenciados; diferentemente, quando o bem é de somente um indivíduo, este se mostra mais prudente e cuidadoso. OST, 1995, pp. 149-150.

48

Uma séria crítica a táticas de negociação direta, empregadas em casos concretos, como estratégia de desestruturação de conflitos sob a égide neoliberal, vide: ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2010, pp. 94 – 103.

socioambientais, o que implica, indiretamente, a exclusão da dimensão social e cultural de construção social do risco e de seus limites de tolerabilidade. Percebe-se, diante do explicitado, que esse conjunto de consequências decorrentes da predominância da perspectiva utilitária a respeito da questão ambiental promove processos de desigualdade ambiental.

Diante desse contexto, entende-se que o embate entre as dimensões social e ambiental deve ser pensado com base em diferentes fundamentos, aproximando-as com a finalidade de compreender os conflitos sob uma perspectiva mais ampla, não tendente a mascar desigualdades sociais e/ou ambientais e que recupera o papel do direito na regulação dos conflitos. Na busca por um planejamento e uma gestão realmente eficazes do risco ambiental, torna-se indispensável ampliar a conformação do problema – o que se pretende realizar por meio do novo conceito, teórico e prático, de justiça ambiental.

2.2.1.1 As lutas por justiça ambiental: a reaproximação (crítica) das dimensões social e ambiental

Os questionamentos a respeito da desigualdade ambiental configurada pelas formas monopolistas de apropriação de recursos naturais e pelas opções discriminatórias de alocação de dejetos e exposição a riscos iniciam-se com reivindicações realizadas por movimentos de base social que, nos Estados Unidos, passam a questionar a localização de indústrias químicas em regiões povoadas essencialmente por negros, conforme esclarece Bullard49. Nota-se, portanto, que os componentes teóricos que serão apresentados são desenvolvidos tendo em vista a busca por respostas a uma demanda criada nas próprias bases da sociedade, por meio das lutas por direitos (humanos) civis da população afrodescendente norte-americana.

No Brasil, com a expansão do movimento e o desenvolvimento de explicações teóricas à própria realidade, identificou-se como causa original apta a explicar o processo de vulnerabilização50 de certos

49 Sobre essas reivindicações são realizados estudos empíricos a partir dos quais foi possível

definir a predominância do fator raça como elemento de definição dos grupos alvo de medidas de imposição de alocação de resíduos tóxicos e seus riscos. Por essa razão, inicialmente, o movimento surgiu relacionado com a discriminação institucionalizada consistente no racismo ambiental. Para saber mais,vide: BULLARD, 2004, pp. 41 – 68.

50 O processo de vulnerabilização deve ser entendido como o conjunto de condições

grupos – não obstante a existência de discriminação de raça, etnia e gênero – a desigualdade social. Dessa forma, segundo Acselrad, “as gigantescas injustiças sociais brasileiras encobrem e naturalizam um conjunto de situações caracterizadas pela desigual distribuição de poder sobre a base material da vida social e do desenvolvimento” (ACSELRAD, HERCULANO, PAIVA, 2004, p. 10).

Esse processo de vulnerabilização de certos grupos sociais – com especificidades decorrentes de cada contexto – pode ser visualizado nos diversos conflitos socioambientais retratados no Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil (FIOCRUZ, s.d), o qual busca identificar e qualificar os mesmos, atualizando as informações periodicamente. Dentre os mais de trezentos casos apresentados, pode-se referenciar o Projeto de mineração da Indústria Fosfateira Catarinense (IFC) em Anitápolis/SC, que visa extrair cerca de 540 mil toneladas/ano de Superfosfato Simples Granulado (SSP-G), voltado à monocultura de soja transgênica, destinado especialmente às multinacionais Bunge Fertilizantes S.A. e Yara Brasil Fertilizantes S.A. Para isso, seria realizado desmatamento de porção de mata atlântica e inundadas áreas para a construção de barragens de rejeitos.

A população atingida é constituída basicamente de agricultores familiares, moradores de bairros atingidos por acidentes ambientais e 50