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O licenciamento ambiental como instrumento para a gestão do risco ambiental

SUMÁRIO

4 A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO OSX-ESTALEIRO/SC

4.1 O PROJETO DO OSX-ESTALEIRO EM BIGUAÇU/SC

4.1.1. O licenciamento ambiental como instrumento para a gestão do risco ambiental

A emergência da sociedade de risco provoca modificações em muitas searas do conhecimento e da vida humana – dentro da própria ciência, na sua relação com a práxis e o espaço público, na concepção dos limites da política – dentre elas, na (compreensão da) relação do ser humano com a natureza. Portanto, segundo Beck,

[...] a sociedade, como todos os seus subsistemas, economia política, família, cultura [...], deixa de ser concebível como ‘autônoma em relação à natureza’. Problemas ambientais não são problemas do meio ambiente, mas problemas completamente – na origem e nos resultados – sociais, problemas do ser humano, de sua história, de suas condições de vida, de sua relação com o mundo [...] (2010, p. 99).

Nessa linha de raciocínio, nos termos da visão dialética sobre o ser humano e a natureza esboçada no início deste trabalho (OST, 1995), o planejamento e a gestão do meio, com seus recursos naturais, espaço urbano e natural como um todo, devem ser pensados principalmente, segundo Leite e Ayala (2010, pp. 27-29), como uma administração dos riscos ambientais. Tais processos de tomada de decisão precisam incorporar o potencial político e a incerteza científica que marcam os novos riscos e, com isso, assumir uma dimensão fortemente preventiva, precaucional e democrática.

A operacionalização dessa tarefa deve ocorrer por meio de instrumentos que possuam condições potenciais de fomentar a realização da administração dos riscos ambientais sob essas novas

perspectivas. Para isso, primeiramente, impõe-se compreender sob que prisma se visualiza a implementação de instrumentos que culminem em um processo de administração dos riscos ambientais, aproximando-se, em termos teóricos, dos conceitos de planejamento e gestão.

Destaca-se que, considerando os objetivos desse trabalho, torna- se dificultoso aprofundar as discussões a respeito das diferentes perspectivas teóricas existentes sobre planejamento e gestão, inclusive com relação ao seu percurso histórico-político. Entretanto, tendo em vista a relevância de situar o conhecimento produzido em seu contexto social e político, serão feitas as observações indispensáveis no que se refere à perspectiva teórica aqui adotada, com base em Souza (2006).

Inicialmente, cabe destacar que uma concepção a respeito do que é e de como deve ser o planejamento e a gestão urbanos não pode se apresentar como processos a serem dirigidos unilateralmente por cientistas e estudiosos. Assim, Souza defende a “valorização crítica simultânea das dimensões política e técnico-científica do planejamento e da gestão, sem superestimação do peso de nenhum dos dois pólos” (2006, p. 37), de modo que a tomada de decisão seja realizada mediante a consideração dos estudos de especialistas (meios), a partir dos objetivos e prioridades da população envolvida (fins), por meio do diálogo.

Em segundo lugar, segundo Souza (2006, p. 46) ressalta-se a indispensabilidade de considerar igualmente importante o processo de planejamento e o processo de gestão. Em razão de questões histórico- políticas130, atualmente a gestão tem sido enfatizada no setor público (2006, p. 55), em detrimento do planejamento. Essa predominância se deve à concepção de que aquela – cuja origem remete ao setor privado – seria mais dinâmica, eficiente e, inclusive, democrática que este, que se apresentaria como uma definição estática do futuro, realizada por um Estado controlador dos rumos sociais. Dessa forma, em razão do foco em momentos e aspectos distintos, “longe de serem concorrentes ou

130 A guinada de ênfase do planejamento para a gestão está intimamente ligada com as

demandas decorrentes das transformações operadas pela globalização: a reforma do Estado em busca de maior dinamicidade, menor burocracia, maior competitividade e, ao mesmo tempo, cooperatividade – um Estado mínimo. “Fazia-se necessário, por isso, perseguir um caminho ‘pós-burocrático’, do qual a ‘administração gerencial’ seria a expressão adequada: controlar mais os resultados do que os procedimentos, conceder maior autonomia aos órgãos públicos, descentralizar estruturas e atividades […]”: despolitizar o Estado. Para uma visão crítica e aprofundada desse processo e seus desdobramentos, consultar: NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2005, p. 47.

intercambiáveis, planejamento e gestão são distintos e complementares” (SOUZA, 2006, p. 46) – e é assim que devem ser pensados e trabalhados.

Tendo como balizas tais elementos, Souza diferencia, fundamentalmente, planejamento e gestão: aquele remete ao futuro, enquanto esta se relaciona com o presente. Assim, de maneira simples, “[...] gerir significa administrar uma situação dentro dos marcos dos recursos presentemente disponíveis e tendo em vista as necessidades imediatas” (SOUZA, 2006). Por sua vez, sob o intento de uma perspectiva crítica, planejar significa “[...] tentar simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de melhor precaver-se contra prováveis problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar partido de prováveis benefícios” (SOUZA, 2006, p. 51).

Portanto, conforme se observa pelas anotações apresentadas sobre cada um dos termos, tratando-se de natureza, ser humano e riscos, mostra-se impossível realizar uma adequada administração por meio da exclusão de uma das perspectivas: presente ou futuro.

Dessa maneira, restam claras as razões que exigem, para a preservação do meio – entendido como híbrido entre ser humano e natureza – no presente e para o futuro, a coordenação de instrumentos de planejamento e de gestão sócio-espacial. Na sociedade de risco emergente, considerando a indispensável incorporação de elementos preventivos e precaucionais, prefere-se designá-los por instrumentos de planejamento e gestão do risco ambiental, em conformidade com o sentido em que o termo foi empregado até o momento.

Tratando-se de instrumentos de planejamento e gestão (do risco) ambiental, no Brasil, existe uma longa e detalhada previsão, no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, de ferramentas para garantir a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Conjuntamente, um grande número de legislações infraconstitucionais realiza o trabalho de regulamentar tais preceitos constitucionais – tendo como diretriz a Lei 6938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente.

O artigo 9º da referida lei, elenca os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, dentre os quais, destacam-se essencialmente quatro ferramentas que se mostram diretamente dirigidas à finalidade de planejar e/ou gerir. São elas: zoneamento ambiental131;

131 O zoneamento ambiental apresenta-se como o principal instrumento de planejamento

avaliação de impactos ambientais132; espaços territoriais especialmente protegidos133 e licenciamento ambiental.

Para o presente trabalho, ressalta-se a relevância do licenciamento ambiental, visto que ele é o instrumento da política ambiental brasileira objeto do caso prático analisado. Em razão disso, buscar-se-á apresentar algumas definições essenciais para a caracterização desse instrumento, abstendo-se de aprofundar discussões a respeito delas.

O licenciamento ambiental pode ser entendido como um instrumento principalmente de gestão, porque deve ser realizado em consonância com as diretrizes superiores definidas em planos nacionais e regionais, em zoneamentos ecológico-econômicos, em planos diretores municipais. É identificado com a gestão, essencialmente, pelo fato de que visa organizar o uso e o aproveitamento de recursos disponíveis – sopesando riscos presentes e futuros, na medida em que faz a gestão do risco ambiental.

Nos termos do artigo 1º, I, da Resolução 237/97 – CONAMA (BRASIL, 1997), o licenciamento ambiental constitui-se como um procedimento administrativo134, conduzido pelo órgão ambiental competente, que visa licenciar a localização, instalação, ampliação e operação de atividades que utilizem recursos ambientais e sejam consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou degradadoras (BRASIL, CONAMA, 1986).

previsões específicas na Constituição Federal de 1988 que prevêem diferentes “espécies” de zoneamento. Pode-se elencar o artigo 21, inciso IX, que define como competência da União a elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, o qual mediante uma interpretação em conjunto com o artigo 170, possibilita o entendimento no sentido da indispensabilidade da consideração da proteção ambiental. Também, dentre outras, elenca-se o artigo 182, que estabelece os princípios da política urbana, o qual é regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) e Decreto 5790/2006, que apontam o Plano Diretor como instrumento de planejamento da cidade. Em especial, o Decreto 4297/02 regulamenta o art. 9º, II, da Lei 6938/81, estabelecendo o zoneamento ecológico-econômico, o qual constitui instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, a fim de garantir o desenvolvimento sustentável, devendo ser elaborado mediante a participação da população envolvida.

132 O tema será abordado genericamente ao tratar do Estudo de Impacto Ambiental, que é uma

espécie de avaliação de impactos ambientais.

133 O tema será abordado genericamente ao tratar das unidades de conservação federais, as

quais se apresentam como espécie de espaço especialmente protegido.

134

Conceitua-se procedimento como “[...] uma sucessão de atos preparatórios que devem obrigatoriamente preceder a prática do ato final [...]”, nos termos previstos em lei. DI PIETRO, 2008, p. 589, grifos da autora.

Trata-se, portanto, segundo Fink, Alonso e Dawalibi (2002), de um procedimento que é realizado no âmbito do Poder Executivo como expressão do exercício do poder de polícia. Este, segundo Di Pietro (2008, p. 108) é constituído tendo em vista a necessidade de o poder público regulamentar requisitos e condições limitativas ao desempenho de atividades pelos particulares, a fim de proteger o interesse público. Nesse sentido, a exigência do licenciamento ambiental demonstra, eminentemente, o intuito de efetivação do princípio da ordem econômica constitucional, segundo o qual a atividade econômica, deverá considerar o dever de proteção do meio ambiente.

Como procedimento administrativo, o licenciamento ambiental possui uma série de fases diferenciadas, com requisitos próprios, nas quais devem ser cumpridas diferentes etapas, para ao final culminar na efetiva exploração da atividade econômica visada pelo requerente. É possível identificar, nessa perspectiva, a existência de três fases, geralmente135 sucessivas e cumulativas, a serem percorridas para que seja atingido o momento final: obtenção da licença prévia, obtenção da licença de instalação e obtenção da licença de operação.

Nos termos do previsto no artigo 8º da Resolução 237/97 – CONAMA, a licença prévia (LP) é a primeira fase de um procedimento de licenciamento ambiental complexo. Constitui-se como o ato administrativo136 que é realizado mediante a verificação da viabilidade ambiental do empreendimento, mediante Estudo Prévio de Impacto Ambiental ou outra avaliação de impacto ambiental mais simplificada.

Na análise, é considerada a concepção do projeto, o local escolhido para a instalação e são definidos os critérios para as próximas fases. Aprovado o projeto de concepção do empreendimento, assim como sua localização, e verificada a sua viabilidade em termos ambientais e sociais, tem-se como próxima fase a emissão da licença de instalação (LI), que é concedida após a análise e aprovação das medidas de controle ambiental e demais condições essenciais, constantes nos planos e programas apresentados.

135Podem ser exigidas nessa sequência, todas elas, ou somente alguma, dependendo da

complexidade da atividade. FINK, 2002.

136 O tema da natureza jurídica da licença ambiental é bastante controverso entre os autores da

área. Alguns entendem que se trata de autorização, outros de verdadeira licença e, por fim, há aqueles que identificam uma natureza jurídica híbrida, uma licença sui generis. Acompanha-se o entendimento que afirma que se trata de licença sui generis, conforme ANTUNES, 1998.

Ao final, verificado o cumprimento das condições definidas pelas licenças anteriores, mostrando-se o empreendimento em condições de operar, concede-se a licença de operação (LO). Essa, por sua vez, permite o perfeito funcionamento das atividades e define critérios a serem mantidos a fim de que a licença não seja cancelada.

Destaca-se que, ao analisar atividades que geram significativa degradação ambiental, impõe-se para seu prosseguimento a realização do Estudo de Impacto Ambiental, contexto em que se possibilita a participação oficial da população mediante a realização de audiências públicas, nos termos da Resolução 09/87 – CONAMA. Dessa forma, nesses termos, o licenciamento ambiental apresenta-se como um instrumento de gestão do risco ambiental por excelência, visto que – ao menos teoricamente – mostra-se aberto para um debate entre diferentes racionalidades no processo de construção social do risco.

Ressalta-se que, considerando-se que o caso prático escolhido para a pesquisa se trata de um procedimento de licenciamento ambiental, a partir desse momento, simplificadamente, designar-se-á a administração dos riscos ambientais – que compreendem planejamento e gestão nos termos abordados – como gestão do risco ambiental.

Com base nos aspectos teóricos traçados, passa-se a delimitar alguns elementos do caso prático escolhido para compreensão. Assim, a partir do Formulário de Caracterização do Empreendimento – Integrado (FCEI), fornecido pela Fundação de Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA/SC) (2010), pode-se obter os caracteres básicos deste requerimento de licença ambiental. Tratou-se do procedimento de licenciamento ambiental para obtenção de uma licença prévia (fase do objeto do requerimento assinalada como projeto), cujo empreendimento consiste em fabricação e reparos de embarcações e estruturas flutuantes (indústria de material de transporte).

A atividade a ser realizada está definida pela Resolução 237/97 – CONAMA, em seu Anexo I, como atividade sujeita ao licenciamento ambiental. Igualmente, é enquadrada pela Resolução 01/06 – CONSEMA/SC (SANTA CATARINA, 2006), sob o código 14.30.00, em seu Anexo I, como atividade considerada potencialmente causadora de degradação ambiental: 14 - Indústria de material de transporte: 14.30.00 - Fabricação e ou montagem de veículos rodoviários, aeroviários e navais, peças e acessórios. Ainda, tal atividade é definida pela Resolução 01/06 – CONSEMA/SC, atualizada pela Resolução 03/08 – CONSEMA/SC (SANTA CATARINA, 2008), como produtora

de potencial poluidor/degradador: grande, para o ar; grande, para a água; médio, para o solo e, portanto, grande em termos gerais. Considerando- se o porte do projeto137, tem-se sua classificação como grande, exigindo a realização de Estudo de Impacto Ambiental, na medida em que possui como área útil (AU138) mais de 1 ha: especificamente, 155,33 ha.

O requerimento foi apresentado pela sociedade empresária cuja denominação (nome empresarial) é OSX ESTALEIROS S.A, com demais informações de identificação constantes do Formulário de Caracterização do Empreendimento – Integrado (Identificação do Empreendedor/Requerente). O empreendimento que seria realizado, nos termos antes descritos, identificava-se como OSX ESTALEIROS S.A. – Fabricação e ou Montagem de Veículos Rodoviários, Aeroviários e Navais, com endereço na BR 101, sentido norte, Km 185 SN, no bairro de Tijuquinhas, no Município de Biguaçu/SC.

Mais especificamente, a sua localização se daria na praia de Tijuquinhas, sendo que o canal de navegação iniciaria na baía de São Miguel em direção norte, cruzando a entrada da Baía Norte da ilha de Santa Catarina, onde há o estreitamento de mar entre os municípios de Governador Celso Ramos e Florianópolis. O mapa (CARUSO Jr, 2009 p. 7) abaixo permite melhor compreender a localização do empreendimento:

137Parâmetros estabelecidos para a atividade em questão, pela Resolução 01/06 –

CONSEMA/SC.

138

Considera-se área útil (AU), em hectares (ha), a área total usada pelo empreendimento, incluindo-se a área construída e a não construída, porém com utilização (por exemplo: estocagem, depósito, energia, etc).

Figura 1 - Mapa ilustrativo de localização do OSX-Estaleiro/SC em Biguaçu

Conforme consta no RIMA, “estaleiros são locais onde se constroem, guardam e reparam embarcações e outros aparatos náuticos, para todos os fins: transporte, comércio, lazer, pesca, extração de petróleo, razões militares, etc” (CARUSO Jr., 2011 p. 05).

O presente requerimento de licenciamento ambiental, em conformidade com os requisitos estabelecidos no respectivo termo de referência139, foi recebido e protocolado pela FATMA em vinte e um de dezembro de 2009 (SANTA CATARINA. 2006, fl. 06). Nesse momento, dentre outros documentos exigidos para comprovação de identificação do empreendedor requerente, foi entregue o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e o citado FCEI. Assim, nos termos do artigo 11 da Resolução 01/06 – CONAMA, entre os dias 23 e 25 de dezembro140 foram

139Termo de referência é o documento elaborado pelo órgão de licenciamento ambiental que

estabelece todos os elementos que devem constar no Estudo de Impacto Ambiental. Trata-se, portanto, de um conjunto de requisitos definidos particularmente para o empreendimento em questão.

140 Ressalta-se, como observação pessoal, que a publicação de editais no contexto da semana de

publicados editais em jornais de circulação local e regional para informar a população de que o RIMA a respeito desse procedimento de licenciamento estava disponível para consulta e comentários na sede da FATMA (SANTA CATARINA, 2006).