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SUMÁRIO

4 A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO OSX-ESTALEIRO/SC

4.1 O PROJETO DO OSX-ESTALEIRO EM BIGUAÇU/SC

4.1.2 Competência para licenciar: FATMA ou IBAMA?

Segundo aspecto a ser considerado de forma teórica, com suas implicações no caso prático desta pesquisa, refere-se ao tema da competência administrativa para realizar licenciamento ambiental.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 23, VI, determina ser de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. Em complementação, o parágrafo único estabelece que a cooperação na atuação conjunta dos entes federativos deverá ser definida por meio de lei complementar, a fim de operacionalizar o cumprimento das obrigações definidas nos incisos do referido artigo.

Durante o período em que esse procedimento de licenciamento ambiental ocorreu, não havia lei complementar editada cujo objeto fosse a regulamentação das relações entre entes federados decorrentes da competência comum. Por essa razão, os comentários aqui realizados abordarão a questão com base nessa circunstância, visto que a Lei Complementar n° 140, de 08 de dezembro de 2011, editada para regulamentar a matéria, ainda não constava do ordenamento jurídico. Nessa circunstância, com base em Ferreira, considerando o artigo 23 como dotado de eficácia plena, conclui-se que “[...] a atuação conjunta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é possível em qualquer hipótese, desde que respeitados seus limites territoriais” (2007, p. 216), tendo em vista uma interpretação que vise à máxima eficácia do dever de proteção do meio ambiente.

Especialmente no que se refere ao licenciamento ambiental, uma grande celeuma a respeito do tema se instalou, na medida em que, "considerando a necessidade de ser estabelecido critério para exercício da competência para o licenciamento a que se refere o art. 10 da Lei 6938, de 31 de agosto de 1981” (BRASIL, 1998), o CONAMA publicou a Resolução 237/97, criando critérios para definir a competência de cada

envolvidas com preparativos para a ceia e viagens, pode não se constituir como um meio eficaz para a concretização do princípio da publicidade, que rege a atuação do poder público.

um dos entes federativos para efetuar licenciamento ambiental. Em especial, a polêmica se referia ao determinado no seu artigo 7º, que estabelece a realização do licenciamento ambiental de um empreendimento em um “único nível de competência”, excluindo os demais entes federados, em contradição com a Constituição Federal – visto que não se tratava de lei complementar, mas de uma resolução emitida pelo poder executivo federal, conforme sustenta Machado (2007, p. 275).

Para além dos questionamentos referentes à constitucionalidade desta resolução, restavam dúvidas decorrentes do entendimento a respeito da aplicação dos critérios que a mesma estabelece: como interpretar o conteúdo de cada um deles e uns em relação aos outros; como estabelecer (ou não) supremacia de um critério em situações em que mais de um critério está presente; como coordenar a consideração que um ente federado deve ter pelos estudos realizados por outro ente federado. Nesse cenário, embora a existência de uma resolução que estabelecesse regulamentação a respeito da competência para licenciar, ambiguidades e conflitos de competência permaneceram presentes.

Em poucas palavras, nos termos do artigo 4° da resolução em vigor à época do procedimento, pode-se afirmar que caberia ao IBAMA, órgão ambiental de âmbito federal, licenciar atividades de impacto ambiental nacional ou regional, que sejam desenvolvidas (geograficamente) em áreas limítrofes com outro país; em bens da União; em mais de um Estado; atividades cujos efeitos diretos ultrapassem o país ou atinjam mais de um Estado e atividades que envolvam energia nuclear e bases/empreendimentos militares. Aos órgãos ambientais estaduais, por sua vez, cabe o licenciamento ambiental de atividades localizadas ou cujos efeitos diretos ultrapassem os limites de 1 (um) Município;localizadas em unidades de conservação estaduais ou em áreas de florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771/65; cujo licenciamento tenha sido delegado pela União, através de convênio ou instrumento legal. Em ambos os casos, os órgãos ambientais deveriam considerar, para sua decisão, os estudos realizados pelos demais entes federativos.

Nesses termos, pode-se observar, segundo Trennepohl (2008, p. 29), a existência de vários critérios diferentes para a definição de competência do IBAMA, convivendo aspectos geográficos, de abrangência do impacto ambiental, com referência a bens de domínio da

União e de temas específicos ou que configuram questões de segurança nacional. A coexistência de critérios díspares, entrelaçados com os critérios definidos para competência estadual, implica a permanência de conflitos de competência negativa (quando nenhum deles se entende competente) e positiva (quando ambos se entendem competentes).

Frente a isso, Trennepohl (2008, p. 24) afirma que “uma das correntes doutrinárias mais difundida defende a tese que a competência para o licenciamento decorre da predominância dos interesses (ambientais) envolvidos”. Entretanto, ainda que esse seja o elemento mais relevante a ser considerado, a previsão constitucional constante no art. 225, §4º, estabelecendo alguns biomas brasileiros – dentre eles, a Zona Costeira – como patrimônio nacional, não pode ser ignorada e, portanto, o tema não dispensa reflexões.

No contexto dessas explicações, impõe-se situar a questão da competência para licenciar o empreendimento alvo do procedimento de licenciamento ambiental em estudo.

Aprofundando-se o processo de apresentação do projeto submetido à apreciação pela FATMA, ressalta-se que se mostrava indispensável ao empreendimento a realização de um canal marítimo para acesso ao local pelos navios. Nesses termos, segundo o RIMA, seria obtido esse canal por meio da “[...] realização de uma dragagem com cerca de 12,3 km de comprimento, 160 metros de largura e profundidade de 9 metros, o que implica em obras de dragagem de um volume da ordem de 8.750.000 m³” (CARUSO, 2009, p. 7). Dragagem é o processo de retirada, por meio de sucção, do material constante no solo submarino, a fim de obter maior profundidade para a passagem de navios – o que resulta na retirada de toda vida submarina que utilize essa região como habitat141.

Nota-se, portanto, que o projeto abarcava sérias intervenções diretas em uma grande porção do mar territorial brasileiro, na medida em que esse canal se projeta 12,3 km de cumprimento para além da superfície terrestre. Considerando que, conforme estabelece a Lei 8617/1993, em seu art. 1º, o mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental, o que equivale, aproximadamente, a 22 (vinte e dois) quilômetros, tem-se que o projeto era desenvolvido, ao menos parcialmente, em área que se configurava: a) como de domínio

141 As consequências da dragagem serão abordadas, em conjunto com outros elementos de

da União, conforme artigo 20, VI, da Constituição Federal de 1988 e b) como critério explícito de definição de competência do IBAMA para realizar licenciamento ambiental (art. 4º, I, Resolução 237/97).

Diante disso, observa-se que havia um conflito de competência entre nível estadual e federal; ainda que fosse possível estabelecer como critério definidor o impacto ambiental a ser causado, mostra-se inviável entender que o impacto seria apenas estadual. Nesse sentido, ainda, tem- se que o empreendimento localizava-se próximo de três unidades de conservação federais142: Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, Estação Ecológica Carijós e Área de Proteção Ambiental Anhatomirim. Tal fato implica a exigência, como requisito para a concessão da licença, de parecer de aprovação pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, conforme artigo 36,§3° da Lein° 9.985 (BRASIL, 2000), o que demonstra a existência de muitos elementos indicando que se tratava de competência federal143.

A celeuma gerou questionamentos por parte de entidade (SANTA CATARINA, FATMA, 2010, fls.871-874) que reúne associações de moradores de Florianópolis e de ONG ambientalista (SANTA CATARINA, FATMA, 2010, fls. 857-868), que questionaram a validade do procedimento de licenciamento ambiental realizado sob condução da FATMA, levantando argumentos relacionados ao mar territorial e às unidades de conservação federais, apontando a competência do IBAMA como adequada ao caso. Coincidentemente ou não, após esses questionamentos, em 09 de agosto de 2010, a imprensa noticiou a realização de um Acordo de Cooperação Técnica entre o IBAMA e a FATMA (LOPES, 2010), definindo competências para a condução do licenciamento do OSX-Estaleiro, em Biguaçu/SC.

Conforme constou da notícia, ficou firmado que “caberá à Fatma realizar o licenciamento integral do estaleiro do grupo do empresário Eike Batista, pois já iniciou o procedimento” (LOPES, 2010). Ficou definido que o IBAMA auxiliaria na análise de estudos ambientais e na sugestão de condicionantes para a emissão das licenças, dentre outras obrigações. Ainda, ficou estabelecida a obrigação à FATMA de fornecer relatórios do desenvolvimento do procedimento ao IBAMA, assim como de considerar as recomendações do mesmo na possível emissão da licença.

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A questão das unidades de conservação federais será melhor abordada no tópico subsequente.

Diante do exposto, interpreta-se que o Acordo de Cooperação Técnica buscou conferir aparência de legalidade a um procedimento de licenciamento ambiental que vinha sendo realizado por órgão incompetente, na medida em que se afirmou a realização do mesmo pela FATMA não porque era de sua competência, mas porque ela já havia iniciado o procedimento. Destaca-se, entretanto, que esse acordo ocorreu após a realização das audiências públicas ambientais144 que, nesse sentido, foram conduzidas exclusivamente pela FATMA. Assim, pode-se concluir pela viabilidade de ação judicial que questionasse a validade de referidas audiências públicas, realizadas por órgão ambiental incompetente, caso a licença ambiental viesse a ser concedida.

4.1.3. Estudo de Impacto Ambiental: alguns impactos ambientais e