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A susceptibilidade de aplicação analógica das normas atributivas da indemnização

3.1. O carácter não excepcional da norma a aplicar

O recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna na lei, ou seja, de que uma concreta situação não está abrangida nem pela letra nem pelo espírito da lei.

Dando como assente que a ‘ratio’ da indemnização de clientela pode abranger o contrato de franquia, na medida em que não é de afastar em absoluto a possibilidade de, em determinadas situações, designadamente no momento da extinção do contrato, serem idênticas as posições relativas entre principal e agente e franquiador e franquiado, poderá concluir-se, então, pela existência de uma lacuna.

A aplicação, por analogia, ao contrato de franquia das regras sobre a indemnização de clientela previstas para o contrato de agência coloca desde logo dois tipos de questões: a de apurar se aquelas normas têm carácter excepcional, circunstância em que a aplicação

analógica está afastada pela lei353; e a de averiguar, através da análise comparativa dos dois

contratos, das semelhanças entre as realidades que em ambos se colocam no momento da cessação do contrato, em termos de se poder afirmar que existe uma “identidade de razão”.

351 Vide, entre muitos outros, os Acs. RL de 23/09/2003, Proc. 5114/03 (Relator: Desembargador Tomé Gomes),

in CJ, 2003, Ano XVIII, tomo IV, pág. 57 e segs, de 08/07/2004, Proc. 4409/2004 (Relator: Desembargador Pimentel Marcos), de 29/03/2007, Proc. 2985/06-6 (Relator: Desembargador Aguiar Pereira) e de 14/02/2006, Proc. 10878/2005 (Relator: Desembargador Pimentel Marcos), da RC de 10/01/2006, Proc. 2659/05 (Relator: Desembargador Nunes Ribeiro) e do STJ de 22/09/2005, Proc. 05B1894 (Relator: Conselheiro Ferreira Girão), de 23/11/2006, Proc.06B2085 (Relator: Conselheiro Bettencourt de Faria), de 13/09/2007, Proc.07B1958 (Relator: Conselheiro Alberto Sobrinho), de 15/11/2007, Proc.07B3933 (Relator: Conselheiro Salvador da Costa), de 05/03/2009, Proc.09B0297 (Relator: Conselheiro Alberto Sobrinho), e de 10/12/2009, Proc. 763/05.7TVLSB.S1 (Relator: Conselheiro Hélder Roque), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/

352 Cfr. Ac. STJ de 09/01/2007, Proc. 06A4416 (Relator: Conselheiro Sebastião Póvoas), disponível em

http://www.dgsi.pt/

353 O art. 11º do Código Civil preceitua que as normas excepcionais não comportam aplicação analógica. Em

sentido contrário, defendendo que “o fundamento normativo da analogia não se suspende perante as normas excepcionais e uma solução contrária […] seria inclusive, não só absurda, como mesmo contra legem”, vide

CASTANHEIRA NEVES, Metodologia Jurídica. Problemas fundamentais, Studia Iuridica, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, págs. 273 e segs.

Normas excepcionais são aquelas que, regulando um sector determinado de relações com uma configuração especial, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele

sector de relações354.

Como refere RUI PINTO DUARTE, a aplicação analógica da figura da indemnização de

clientela a contratos diferentes daquele para o qual a lei a estabelece “é tanto mais sustentável quanto mais se aproxime a sua natureza da figura do enriquecimento sem causa e mais se a

afaste da da responsabilidade civil”355.

Ora, mesmo que se entenda que a natureza da indemnização de clientela não se identifica completamente com a figura do enriquecimento sem causa, tal como ele é regulado no art. 473º e segs. do Código Civil, não pode deixar de se aceitar que a apropriação, pelo principal, no final do contrato, sem qualquer contrapartida, da eventual mais-valia criada pelo agente durante a respectiva execução, configura um enriquecimento injusto do primeiro. Sendo esta uma situação que grande parte da doutrina considera abrangida pelo enriquecimento injustificado, entendido este não como a figura a que atrás se fez referência,

mas antes como um princípio geral do direito356, será de concluir pelo carácter não

excepcional das normas sobre aquela indemnização previstas na lei para o contrato de agência.

É, por outro lado, o próprio legislador que, no preâmbulo do Dec.-Lei nº 178/86, prevê a possibilidade de o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato, ser analogicamente aplicado a outros contratos, nomeadamente ao de concessão comercial, o qual, como vimos já, comunga de grande parte das características da franquia.

3.2. A “identidade de razão”

Segue-se, agora, apurar, comparando as situações que em ambos os contratos se colocam no momento da respectiva cessação, da existência de semelhança entre elas, justificativa de um mesmo tratamento jurídico.

354 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, 1º vol., 6ª edição, Coimbra

Editora, Coimbra, 1973, pág. 76.

355 “A jurisprudência portuguesa sobre a aplicação da indemnização de clientela ao contrato de concessão

comercial – Algumas observações”, in Themis, Ano II, nº 3, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, pág. 319.

Entre os contratos de agência e de franquia é possível vislumbrar alguns traços de semelhança relativamente a determinados aspectos, o que encontra explicação na circunstância, já anteriormente referida, de o contrato de franquia corresponder a uma etapa da evolução dos chamados “contratos de distribuição”, categoria na qual é habitualmente integrado o contrato de agência.

Assim, para além das afinidades ao nível da respectiva estrutura (são ambos contratos onerosos) e natureza jurídica (qualquer deles é um contrato comercial), quer o agente quer o franquiado promovem, em resultado da sua actividade, os produtos e a marca e outros sinais distintivos das respectivas contrapartes. Aliás, relativamente a qualquer dos contratos em causa vimos, oportunamente, que se caracterizam pelo estabelecimento de uma relação estável e duradoura, que exige de ambos os contraentes uma estreita colaboração no decorrer da respectiva execução, assim como a obrigação de obediência, por parte de um deles, às directrizes e instruções do outro.

Além disso, pode dizer-se que é comum aos contratos em causa a existência da obrigação de uma das partes zelar pelos interesses da outra. Assim como comum será a sujeição de ambos os distribuidores ao controlo exercido pelo dono do negócio, muito embora

ele revista bastante menor intensidade no caso da agência.357

Mas é fundamentalmente pela integração do franquiado na rede de distribuição do franquiador, com todas as consequências daí decorrentes em termos de colaboração entre as partes e de promoção dos produtos deste último, que é possível descortinar uma aproximação entre os contratos de franquia e de agência, em termos de justificar a aplicação ao primeiro

deles o regime prevista para o último.358

357PINTO MONTEIRO, Contratos de Distribuição Comercial, cit., pág. 66 e segs.; ECHEBARRÍA SÁENZ, El Contrato de Franquicia, Definición Y conflitos em las relaciones internas, cit., pág. 546 e segs.. JAVIER FONTCUBERTA LLANES, El contrato de distribución de bienes de consumo y la lhamada indemnización por clientela, cit., pág. 237 e segs..

358 Neste sentido, vide PINTO MONTEIRO, “Denúncia de um contrato de concessão comercial - anotação ao

Acórdão do STJ de 27/06/1995”, in RLJ, cit., pág. 157, nota 94 e ECHEBARRÍA SÁENZ, El Contrato de

Franquicia, Definición Y conflitos em las relaciones internas, cit., págs.. 546, para quem não é difícil sustentar

que o franquiado se encontra fortemente integrado na organização económica comercial do franquiador em termos semelhantes ao agente, compartilhando com ele o dever de promoção empresarial e dedicação ao sistema, que no caso de ser requisito para a extensão analógica, está inequivocamente presente no contrato de franquia, no qual a integração de funções empresariais é direccionada à promoção do fundo comum do sistema de franquia. Vide também, do mesmo Autor, Contratos de Distribuição Comercial, cit., págs. 163, nota 307, onde se explica a circunstância de a maior integração do franquiado na organização do franquiador facilitar a “manutenção” da clientela eventualmente angariada pelo primeiro na disponibilidade deste último, sendo também a situação em que a posição do franquiado mais se aproximará do agente.

É também por essa razão que a circunstância de o franquiado exercer a sua actividade por conta e em nome próprio, ao contrário do que sucede com o agente, não representa um obstáculo à extensão analógica, pois a verificar-se a transferência de valor de clientela fundamentadora da atribuição da indemnização, essa compensação a favor do franquiado justificar-se-á por uma razão acrescida, já que ele goza de um melhor título para o desfrute do

activo comum que se desfaz com a cessação do contrato.359

E se a indemnização de clientela, visa, como já se referiu, compensar o agente pelos benefícios que o principal continua a poder auferir com a clientela por ele angariada ou desenvolvida, repartindo entre o franquiador e o franquiado os benefícios que se projectam após a cessação do contrato em consequência da actividade desenvolvida por este último, nas situações em que ao franquiado seja reconhecido ter contribuído com a sua actividade para a criação de clientela ou o aumento substancial do volume de negócios do franquiador, a sua situação no momento da cessação do contrato, com a perda, não retribuída, dessa mais-valia criada em favor da contraparte, será passível de se assemelhar à do agente.

Pelo que é possível admitir - ou, pelo menos, não será de afastar liminar e

absolutamente360 – o reconhecimento ao franquiado do direito à indemnização de clientela,

sempre que as circunstâncias do caso concreto sejam de molde a preencher os requisitos previstos na lei para a sua atribuição ao agente.

Não nos parece, portanto, na linha do que defende a grande maioria da doutrina361, que

seja possível afirmar a aplicação, de plano, do regime previsto para a cessação do contrato de agência ao contrato de franquia.

359ECHEBARRÍA SÁENZ, El Contrato de Franquicia, Definición Y conflitos em las relaciones internas, cit., págs..

545 e segs.

360 MARTÍNEZ SANZ, “En torno a las consecuencias patrimoniales de la extinción del contrato de distribución

comercial (A propósito de la STS [Sala 1ª] de 27 de Mayo de 1993), in Cuadernos de Derecho y Comercio, cit., págs. 232; AURORA HERNANDO GIMÉNEZ, El Contrato de Franquicia de Empresa, cit., pág. 460, nota 163.

361PINTO MONTEIRO, Contratos de Distribuição Comercial, cit., pág. 165 e segs.; PESTANA DE VASCONCELOS, O Contrato de Franquia (Franchising), cit., pág. 95; ISABEL ALEXANDRE, “O Contrato de Franquia (Franchising)”,

in O Direito, cit., pág. 369; LUÍS MENEZES LEITÃO, A indemnização de clientela no contrato de agência, cit., pág. 89.