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Obrigação de suportar o controlo da actividade pelo franquiador

6. Conteúdo do contrato de franquia

6.2. Elementos objectivos

6.2.2. Obrigações do franquiado

6.2.2.3. Obrigação de suportar o controlo da actividade pelo franquiador

Constitui elemento essencial de qualquer contrato de franquia a obrigação, imposta ao franquiado, de suportar o controlo por parte do franquiador.

Seja qual for a modalidade de franquia em causa, sempre o franquiador exigirá a inclusão no contrato de uma cláusula que lhe assegure o direito de fiscalizar a utilização que o franquiado faça dos activos que lhe transmitiu.

Tal exigência costuma ser fundamentada na necessidade de preservação da imagem de

marca da rede161 e na utilização adequada do saber-fazer transmitido.

A franquia será um negócio apelativo enquanto a imagem da rede mantiver a notoriedade que lhe permite captar e fidelizar clientela. Se assim for, todos retirarão vantagens da sua prática: o franquiador continuará a retirar proveitos da entrada de novos franquiados e da expansão da rede; os franquiados acedem a um negócio com boas perspectivas de lucro, sem correr os riscos associados ao início de uma actividade comercial tradicional. A tarefa de assegurar a preservação da imagem da rede cabe especialmente ao franquiador. É ele que deve, em primeira linha, promovê-la através de estratégias de marketing e de publicidade, assim como da constante actualização das técnicas que permitiram consolidá-la no mercado.

É, porém, fundamental que seja garantida a repetição dessa imagem de marca em todos

os pontos da rede, isto é, que haja homogeneidade da imagem da rede162. Tal objectivo só

pode ser alcançado se a actividade de cada um dos franquiados for exercida em estreita conformação com os métodos empresariais e comerciais estabelecidos pelo franquiador.

Sucede que o franquiado pode, por vezes, no exercício da sua actividade, optar por tomar decisões, que considera mais vantajosas mas que não respeitam as orientações

161 Como refere CESARE VACCÀ, “Gli Accordi di Franchising, Il controllo sulla formazione del contratto e le

condizioni di fine rapporto”, in Diritto del Commercio Internazionale, cit., pág. 260, a imagem do franquiador é, em grande medida, reflexo do comportamento do franquiado em razão do uso que este último faz da marca da qual o primeiro é titular.

162BESCÓS TORRES, Factoring y Franchising, Nuevas Técnicas de Domínio de los Mercados Exteriores, cit., pág.

176. GIANMARIA GALIMBERTI, Il Franchising, cit., págs. 39 e segs.. Como ensina CANDIDO PAZ-ARES, “La

terminación de los contratos de distribución”, in Advocatus, cit., pág. 39, ao abordar o problema da externalidade, a homogeneidade tem uma importância crucial na medida em que o consumidor confia na qualidade uniforme dos produtos ou serviços que procura em qualquer dos pontos da rede. Quando, porém, ele comprova a variação, no sentido negativo, da qualidade em algum desses estabelecimentos, tende a reportar a toda a rede a sua reprovação por essa baixa de qualidade. Tal reacção, como explica o Autor, não é em absoluto irracional, dado que embora perceba que no caso o problema é daquele estabelecimento e respectivo franquiado, ele tende a reprovar antes o franquiador pelo facto de este não ter exercido em termos adequados o controlo que garantisse a homogeneidade da rede.

prescritas pelo franquiador e que, desse modo, podem desvirtuar o objectivo que presidiu à criação e instalação da rede, acarretando prejuízos não apenas para o franquiador mas também

para todos os franquiados nela integrados163.

Para reduzir ao mínimo a possibilidade de ocorrência de tais situações, é fundamental que a actividade dos franquiados possa ser fiscalizada por quem concebeu e desenvolveu o conceito de negócio em que se traduz a franquia: o franquiador.

O controlo da actividade dos franquiados constitui, de resto, mais do que um direito do franquiador. Trata-se, antes, de um dever funcional, ou seja, de uma tarefa que lhe incumbe desempenhar no interesse próprio, mas também no dos seus franquiados. De facto, ao exercer controlo e fiscalização da rede, no sentido de proteger a integridade da respectiva imagem de marca, ele não tem, apenas, em vista evitar a ocorrência dos prejuízos que para si próprio podem advir dos comportamentos dos franquiados que, de forma negativa, possam afectar essa imagem. Essa tarefa é-lhe também imposta como contrapartida do direito de utilização da imagem de marca, que contratualmente cedeu, no sentido de velar para que não ocorram

comportamentos de alguns dos franquiados da rede que prejudiquem os restantes164.

A fiscalização da actividade dos franquiados é, portanto, essencial para assegurar a manutenção e homogeneidade da imagem de marca da rede e, desse modo, para o sucesso da franquia165.

Não obstante, o controlo é também um meio especialmente apto a proporcionar a obtenção de informações relativas à actividade do franquiado, cujo conhecimento é importante para o franquiador, nomeadamente quando elas possam revelar condutas desleais deste último. É assim com, entre outras, as informações sobre o volume de facturação, que permitem não só avaliar o desempenho do franquiado, como ainda a existência de eventuais

163 Por esse motivo considera MARTIN MENDELSOHN,(The Guide to Franchising) Guia Prática de La Franquicia,

cit., pág. 107, que ainda que, basicamente, o contrato de franquia consista numa relação contratual entre franquiador e franquiado, afecta terceiros, designadamente e ”em primeiro lugar, todos os outros franquiados dentro da cadeia…” .

164 No mesmo sentido vide ALFARO ÁGUILA-REAL, “Franchising”, in Enciclopedia Jurídica Básica, cit., pág.

3155.

165 O Regulamento (CEE) nº 4087/88, da Comissão, de 30 de Novembro, ao reputar como bens dignos de tutela a

homogeneidade da rede e a reputação da sua imagem, bem como ao considerar não abrangidas pelo nº 1 do art. 85º do Tratado da União Europeia, respeitante às regras da concorrência, entre outras a capacidade do franquiador para fiscalizar os negócios e a contabilidade do franquiado, legitimou claramente o poder de direcção do franquiador. Cfr. ECHEBARRÍA SÁENZ, El Contrato de Franquicia, Definición Y conflitos em las

relaciones internas, cit., pág. 377. Vide ainda FABIO BORTOLOTTI, “Concessione di vendita, franchising e altri contratti di distribuzione. Normativa antitrust. Contratti internazionali di distribuzione”, in Manuale di Diritto

manobras de subvalorização da facturação real e consequente redução do valor dos royalties a pagar e com as que permitam constatar a existência de risco para a confidencialidade do saber-fazer transmitido.

O controlo da actividade dos franquiados pelo franquiador pode assumir várias formas, especificadas no contrato. O manual operativo, que fixa o conjunto dos comportamentos que devem ser observados por todos os franquiados que integram a rede no exercício da respectiva actividade, constitui uma delas, talvez a mais importante. A prestação da assistência técnica especializada permite, por seu lado, controlar a margem de liberdade dos franquiados no que respeita, principalmente, à redução da sua criatividade. De entre as outras formas utilizadas, destacam-se as visitas de controlo periódico, com carácter aleatório, que podem ser efectuadas pelo franquiador ou por um seu representante, com conhecimento do franquiado, ou por “cliente incógnito” (mistery shopper), ou seja, por alguém que adoptando um comportamento típico de mero cliente realize o controlo para o franquiador sem que o franquiado disso tenha conhecimento. Também é habitual o controlo através da avaliação da relação do franquiado com a clientela, recorrendo o franquiador a métodos como a criação de uma linha telefónica directa, comum a toda a rede, para o atendimento a clientes, ou a promoção de inquéritos de

satisfação aos clientes que integram a base de dados da rede166.

Se a independência jurídica e a autonomia económica não podem prejudicar a integração do franquiado numa estrutura empresarial disciplinada como é uma rede de franquia, não é, no entanto, aceitável que o controlo pelo franquiador seja efectuado à revelia de quaisquer limitações. O controlo não pode, pela sua excessividade, converter-se numa intolerável intromissão nos assuntos do franquiado.

Importante é que se proceda, no contrato, a uma rigorosa delimitação das faculdades de intervenção do franquiador sobre o franquiado, nada autorizando que se conclua que se o contrato não prevê uma específica faculdade de controlo, esta haja sido objecto querido da

relação contratual167.

166PAULO LOPES PORTO e SANTIAGO BARBADILLO DE MARIA, Franchising, Passo a Passo, cit., pág. 45 segs.. 167 Cfr. ECHEBARRÍA SÁENZ, El Contrato de Franquicia, Definición Y conflitos em las relaciones internas, cit.,

pág. 378, para quem independentemente da formulação negocial concreta, o franquiador possui um poder de decisão empresarial, cujo limite são os “fins de optimização empresarial que constituem interesse convergente dos contraentes”.

Fundamentalmente deve ser respeitada a independência dos contraentes,

designadamente do franquiado, pois é ela que representa o “limite natural”168 do controlo, o

ponto a partir do qual o seu exercício tende a confundir-se com o poder de direcção da entidade patronal e, portanto, a revelar que estaremos perante um contrato de trabalho e não um contrato de franquia.

Por outro lado, como refere GALLEGO SÁNCHEZ, embora se reconheça a necessidade de

um certo controlo como essencial para o sucesso do contrato, ele não deve ser demasiado rígido, por não ser justo que a capacidade de decisão venha a ser concedida a quem, “em

definitivo, não vai assumir os riscos derivados de uma actuação conforme”169.

Aliás, o abuso no exercício do poder de controlo tem até consequências ao nível do direito da concorrência, uma vez que, a verificar-se, poderá constituir motivo de revogação da isenção, nos termos do disposto no art. 29º do Regulamento (CE) nº 1/2003 do Conselho, de

16 de Dezembro de 2002170.

Após a análise daquelas que são geralmente referidas como as obrigações essenciais do franquiado, debruçar-nos-emos, de seguida (a exemplo do que fizemos relativamente ao franquiador), sobre algumas das suas várias obrigações eventuais, nomeadamente sobre as que mais recorrentemente são pactuadas.