• Nenhum resultado encontrado

A teologia da negação e do inimigo: uma posição assumida pelas

No documento Download/Open (páginas 102-105)

Capítulo II – A RELAÇÃO DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS E A

5. A teologia da negação e do inimigo: uma posição assumida pelas

Como já frisado anteriormente, em evidência aos caminhos comunicacionais observados dentro da cultura nacional e do imaginário instaurado como uma comunidade assembleiana imaginada, fica indicado que os resultados foram a produção de embates, padrões de negação e a eleição sistematizada de inimigos, que se caracterizavam como contraventores de seus padrões doutrinários. Aqui, buscaremos traçar este arcabouço de eleição de inimigos, quais os padrões legitimadores desta prática tão corriqueira e inconsciente dentro da “nação” chamada Assembleia de Deus.

Através desta imaginação monárquica ativa entre os assembleianos, um tecido fora construído de forma coletiva. A figura do inimigo, necessariamente, faria parte de toda esta trama originada por raízes efetivada pela aceitação mútua, que engendraria uma caraterística peculiar do que é ser assembleiano.

Em suma, é a instituição da sociedade que determina o que é e o que não é real, o que tem um sentido e o que é desprovido dele. Sua própria identidade nada mais é

23 Bacharel em Filosofia pela UECE, mestre em Ciências da Religião pela UMESP e doutor em Ciência da

Religião pela PUC-SP. É professor e diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos (ICEC). Disponível em: http://www.novosdialogos.com/articulista.asp?id=22

que esse sistema de interpretação, esse mundo que ela cria. É por isso que (da mesma forma que qualquer indivíduo) ela percebe como um perigo mortal qualquer ataque a esse sistema de intepretação; ela o percebe como um ataque contra sua identidade, contra ela mesma (CASTORIADIS, 1987, p. 241).

Segundo Bronislaw Baczko, é “pelo imaginário que se podem atingir as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades esboçam suas identidades e objetivos e detectam seus inimigos” (apud MORAES, 2013, p.1). Para Baczko, explicar uma identidade coletiva é:

delimitar o seu “território” e as suas relações com o meio ambiente e, designadamente, com os “outros”; e corresponde ainda a formar as imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados, etc. O imaginário social elaborado e consolidado por uma coletividade é uma das respostas que esta dá aos seus conflitos, divisões e violências reais ou potenciais. Todas as coletividades têm os seus modos de funcionamento específicos a este tipo de representações (BACZKO, 1985, p. 309).

Para Magali do Nascimento Cunha, é exatamente nesta linha de pensamento que podemos identificar a criação imaginária do inimigo.

É nessa corrente de pensamento que podemos identificar a criação imaginária do inimigo, da negação do outro, um arquétipo derivado da oposição arquetípica bem- mal. Para Jung o arquétipo da sombra é relacionado à falha pessoal (“gafe, deslize”), sendo atribuída à personalidade consciente como um defeito; é uma imagem que “personifica tudo o que o sujeito não reconhece em si e sempre o importuna, direta ou indiretamente, como por exemplo traços inferiores de caráter e outras tendências incompatíveis” (CUNHA, 2013, p. 58).

É a partir deste entendimento que começam a surgir as lendas, os contos revestidos de expressões imaginárias.

[...] narrativas mitológicas, as lendas, os contos de fadas, os romances revestem-se de expressões imaginárias nas quais a imagem do inimigo e a do diabo e do diabólico são fartamente desenvolvidas. [...] É assim que surgem as figuras dos vilões, como das bruxas, das madrastas (o lugar da mulher tem ampla reflexão), dos gênios, dos piratas, também associados a governantes e outras lideranças. As narrativas históricas e noticiosas, construídas a partir dos imaginários coletivos e da memória resultante de processos hegemônicos, também serão permeadas por estas imagens arquetípicas (CUNHA, 2013, p. 58).

Como uma religião belicosa, inimigos são eleito se combatidos. É notória, com base na dificuldade de aceitar o novo, a demonização destes opositorese a apresentação deles como

inimigos em voga. Nas ADs, a cada tempo um novo inimigo tem surgido, uma vez que há a compreensão de que um grande exército está sempre à disposição para a batalha.

A teologia de um Deus guerreiro e belicoso sempre esteve presente na formação fundamentalista dos evangélicos brasileiros, compondo o seu imaginário e criando a necessidade da identificação de inimigos a serem combatidos. Historicamente, a Igreja Católica Romana sempre foi identificada como tal e sempre foi combatida não só no campo simbólico, mas também no físico-geográfico (CUNHA, 2013, p. 66).

A partir de 1950, a televisão encaixava-se nos moldes, do que seria mais um inimigo a ser vencido. Para isso, representantes que estivessem à frente desta batalha foram aceitos e seguidos, e consequentemente, estratégias “de guerra” foram rascunhadas e postas em execução para a eliminação daquilo que seria um mal eminente, ou seja, um instrumento do diabo para destruição dos lares evangélicos. O Mensageiro da Paz, de 1969 publica a entrevista do Pastor Joaquim Marcelino da Silva, mostrando uma fala que evidenciava o pensamento da liderança assembleiana, desde a chegada da TV no Brasil, em 1950

– Que pensa o irmão do mundanismo? E quanto ao uso da televisão? – Acho-o perigoso e ameaçador da doutrina. Uma vitória que tenho tido é que os irmãos têm reduzido o uso da televisão. Estive 3 anos orando ao Senhor para saber a vontade dÊle sobre o uso da televisão e o Senhor respondeu, porque entre 70 famílias que possuíam televisão atenderam aos nossos rogos e hoje apenas 3 famílias ainda resistem ao Senhor, apesar de terem sido grandemente castigadas. Quando comecei a agir o povo começou a vender seus televisores com a maior das facilidades e alegria (GOMES, 1969 p. 2).

Esta entrevista, além de confirmar o apego dos fiéis ao aparelho, mostra que houve castigos aos que possuíam TV. Guardiões sagrados, como o Pastor Joaquim, foram protagonistas, por diversas vezes, no processo de legitimidade da proibição da TV como marca tradicional de identidade da igreja. Sobre estes representantes, fala Baczko:

Ao produzir um sistema de representações que simultaneamente traduz e legitima a sua ordem, qualquer sociedade instala também “guardiões” do sistema que dispõem de certa técnica de manejo das representações e símbolos. Do mesmo modo os guardiões do imaginário social são, simultaneamente, guardiões do sagrado (BACZKO, 1985, p. 299).

A partir deste contexto, é possível observar a necessidade de representatividade tangível e palpável que esta igreja possui, em se ter alguém que represente os ideais denominacionais, assim como um Rei que representa uma sociedade monárquica em seus

empreendimentos de guerra. Pastores midiáticos e com destaques nacionais acabaram sendo os eleitos para a nova frente da batalha.

No documento Download/Open (páginas 102-105)