• Nenhum resultado encontrado

A Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT)

CAPÍTULO 1: Fundamentação Teórica

1.1 Terminologia

1.1.2 Principais abordagens teóricas: do prescritivismo ao descritivismo

1.1.2.2 Escolas do final do século 20

1.1.2.2.3 A Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT)

Apresentada por Maria Teresa Cabré em 1993 como resposta à TGT, a TCT propiciou uma mudança de paradigma nos estudos terminológicos, a começar pela rota de investigação que propõe: em vez de o conceito ser o fio condutor do processo investigativo, é o termo que deve reger toda a análise. Ou seja, trata-se essencialmente de uma metodologia de foro semasiológico — que parte do termo para chegar ao conceito. A esse aspecto, articulam-se outros de caráter comunicacional, linguístico e conceitual.

Pelo primeiro, como sugere o nome da teoria, entende-se que é o manejo de um item lexical em determinado contexto in vivo que faz dele um termo ou não. Agrega-se a isso o tipo de situação comunicativa em que as linguagens especializadas se realizam.

Dos princípios linguísticos aos quais obedece a TCT, destaca-se a aceitação da variação, já que o termo (unidade composta de forma e conteúdo indissociáveis) é compreendido como parte da linguagem natural e da gramática das línguas em que está inscrito, o que o torna sujeito às flexões que nelas constam, assim como é possível ocorrer com os conceitos aos quais se referem.

Esses, por sua vez, integram a dimensão conceitual da teoria como entidades, operações, propriedades ou relações abstratas, que podem ser amalgamadas em um sistema conceitual de acordo com o domínio e a situação de uso.

Para a TCT, é, pois, o conteúdo veiculado em dado contexto o responsável pela posição que o termo pode ocupar na estrutura. Trata-se, em decorrência, de uma proposta que se encaixa no quadro das teorias de fundamento linguístico-descritivo e que avança sobre o termo poliedricamente (faces comunicativa, linguística e conceitual).

Abaixo, procurarei expressar como a TCT define Terminologia, linguagem de especialidade e unidade terminológica com o objetivo de evidenciar os alicerces sobre os quais se erige.

1.1.2.2.3.1 O que é Terminologia para a TCT?

Para Cabré (1999), a Terminologia é uma matéria interdisciplinar, de alcance transdisciplinar (atua em todas as disciplinas), dotada de princípios teóricos e finalidade aplicada. As bases teóricas encontram-se fincadas na Linguística, nas Ciências Cognitivas e Sociais. De acordo com a autora, tamanha intersecção de saberes a faz encontrar espaço entre os estudos da Linguística Aplicada.

Seu objeto de estudo é o termo14, que deve ser tomado em uma perspectiva não só linguística e conceitual, mas, sobretudo, pragmática, isto é, deve levar em conta os tipos de usuários, as situações em que são utilizados, a temática que veiculam e o tipo de discurso em que podem aparecer. (CABRÉ, 1993, p. 88)

______________

14O carro-chefe da TCT é o termo, mas penso ser conveniente destacar que o objeto de estudo da Terminologia

como ciência vai além, incluindo a definição terminológica e as fraseologias especializadas. (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 75)

A finalidade aplicada da Terminologia diz respeito à busca, seleção e ordenação dos termos próprios dos campos de especialidade — tendo em vista os pressupostos citados acima — a fim de gerar condições para a realização do trabalho terminográfico. Está voltada, portanto, à prática metodológica.

Afunilando um pouco mais o escopo desta macroteoria, sobressaem as linguagens de especialidade, ambiente natural dos termos. É sobre elas que discorrerei na próxima subseção.

1.1.2.2.3.2 As linguagens de especialidade

Ao definir as linguagens de especialidade (ou linguagens especializadas) como subconjuntos da língua geral, a TCT ressalta três variantes que devem ser observadas do ponto de vista pragmático quando de sua caracterização (Cabré, 1993, p. 139): a temática, os usuários e as situações de comunicação.

Por temática especializada, são entendidos conteúdos que não formam parte do conhecimento geral e que, portanto, têm sido objeto de uma aprendizagem especializada.

Os usuários compreendem os produtores da comunicação especializada (especialistas, semiespecialistas) e o público ao qual é dirigido (especialistas ou leigos).

As situações de comunicação permitem que se reconheça o perfil especializado da linguagem na medida em que pese o grau de densidade desta (nível de especialização).

Em consonância com a TCT, com a Norma ISO 1087 e com Kocourek, destacado membro da escola tcheca de Linguística Funcional, Anjos (2003, p. 45), em sua dissertação de mestrado, sintetiza de forma global o que vem a ser uma linguagem de especialidade:

[...] consideramos as linguagens de especialidade como subconjuntos da língua geral que representam uma área de conhecimento especializado e que compartilham aspectos morfológicos e sintáticos com a língua comum, apresentando características lexicais, textuais e pragmáticas próprias que as diferenciam da língua comum, e também aspectos de natureza semiótica, como figuras, gráficos, símbolos, que as permitem constituir sistemas semióticos de especialidade. (destaque da autora)

Como é possível inferir, diversos são os quesitos que envolvem a caracterização das linguagens de especialidade, desde o tema até o léxico, passando por aspectos pragmáticos e semióticos. Elas abrangem o que é, segundo a TCT, a feição comunicacional dos discursos científico e técnico, a partir da qual será demarcada a fronteira entre o que é do domínio geral e o que é próprio de uma especialidade.

A seguir, focarei no termo, eixo principal em torno do qual gravita a TCT. 1.1.2.2.3.3 A unidade terminológica

Novamente, serão os vieses pragmáticos e comunicativos que mais diferenciarão termos de itens lexicais comuns, conforme a TCT: posto que estão submetidos ao sistema fonético, morfológico e sintático do idioma que os subjaz, serão considerados termos aqueles conceitualmente acionados pelo contexto. O que, nas palavras de Cabré (1999) apud Barros (2004, p. 57), implica dizer que ―[...] essa ativação consiste em uma seleção dos módulos de traços apropriados, que incluem os traços morfossintáticos gerais da unidade e uma série de traços semânticos e pragmáticos específicos que descrevem seu caráter de termo dentro de um determinado domínio.‖

No que concerne aos traços semânticos, a TCT destaca a questão da variação no processo comunicativo das linguagens especializadas, sobretudo na consideração da sinonímia (denominações distintas para um mesmo conceito) e da polissemia (conceitualizações distintas para uma mesma denominação). Sales (2007), baseado em Cabré (1999), explica bem como a TCT compreende esses fenômenos linguísticos:

O que comumente é entendido por sinônimo (mais de uma palavra designando o mesmo significado), em Terminologia se considera que diferentes termos estão em relação de sinonímia, assim como, o que frequentemente é entendido por polissemia (uma palavra possuir mais de um significado), em Terminologia se entende que diferentes termos estão em relação de homonímia. Tais afirmações se devem ao fato de que para a terminologia um termo é uma unidade composta por um único conceito e uma única designação lexical, portanto, se uma mesma designação lexical possuir dois ou mais conceitos distintos, trata-se de dois ou mais termos em relação de homonímia. O mesmo se aplica para o caso de um único conceito

que apresenta mais de uma designação lexical, trata-se de mais de um termo em relação de sinonímia.

Em resumo, pode-se dizer que a postura adotada pela TCT abrange (Cabré, 1999): uma teoria da Terminologia de foro interdisciplinar, ancorada em um tripé linguístico, cognitivo e comunicacional; da mesma forma, tanto o termo quanto o conceito devem ser concebidos interdisciplinarmente, uma vez que é em relação ao todo do texto, mediante determinada situação de comunicação, que se constituirão como tais (terminologização); a variação é respaldada no fato de que os termos integram a língua geral e, por isso, estão subordinados às flexões que dela decorrem.

1.1.2.2.3.4 Terminografia

Compreendida como a face aplicada da Terminologia, a Terminografia volta-se a produção de obras de referência, como glossários, dicionários e bancos de dados especializados. Por especializado, entende-se que a Terminografia ―toma o termo, e não a palavra, como faz a Lexicografia, como seu objeto de descrição e aplicação, definindo-lhe o conteúdo e considerando ainda seu uso profissional.‖ (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 50)

Para que fique clara a diferença entre compilar palavras (propósito da Lexicografia) e termos (objetivo da Terminografia), julgo importante explicar que, se todo termo é, grosso modo, palavra, nem toda palavra é (no sentido de estar na função de) termo. Quer dizer, à Terminografia cabe a descrição daquelas palavras que possuam uma face especializada (ou cognitiva) do ponto de vista pragmático dentro de um domínio, segundo Cabré (1993, p. 88), o que, num primeiro momento, faz com que qualquer item lexical possa ser um termo desde que povoe uma área de conhecimento técnico ou científico e, nesse contexto, cumpra a função de comunicação de um conceito que lhe é pertinente.

Isso não impede, todavia, que obras lexicográficas tragam em suas entradas (e com certeza em seus verbetes), alguns termos genéricos e já cristalizados da Medicina, por exemplo, como ―biópsia‖ e ―mamografia‖ (AURÉLIO ONLINE), sempre lematizados.

Contrapondo-se a essa característica, em obras de referência terminológica o termo é registrado ―em sua forma plena, conforme utilizado nas comunicações profissionais, [...] não sofrendo redução a uma forma canônica‖, podendo (e comumente o são) as entradas de verbetes serem sintagmas. (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 52). Além disso, a Terminografia

caracteriza-se pelo registro específico dos conceitos de um saber (e muitas vezes de áreas conexas, como ocorreu nesta pesquisa), ao trazer à baila as denominações e as definições que os identificam.

Deslocando-me da perspectiva micro (item lexical) para a macro (textual) passo, na seção seguinte, a expor alguns dos pilares teóricos da Análise do Discurso de linha francesa sobre os quais se ergue a noção de gênero do discurso. Visto que os termos não constituem o todo, mas parte (caracterizadora) das linguagens de especialidade, utilizo-me dessa teoria para explorar, ainda que incipientemente, o que subjaz os gêneros aninhados no corpus de estudo desta pesquisa.

1.2 Os gêneros de discurso do corpus de estudo: categorizações à luz da