CAPÍTULO 4: Mapas Conceituais
4.1 Da análise qualitativa de obras terminográficas digitais à eleição dos termos da amostra
Procurando responder à questão de pesquisa de número 2: ―Dos termos constatados a partir dos programas, quais são os mais conceitual e pragmaticamente relevantes, do ponto de vista do consulente, a serem elencados, analisados e definidos em um glossário, de acordo com os princípios que delineiam as reflexões linguístico-comunicacionais das linguagens de especialidade?‖, procedi a algumas pesquisas via internet com o objetivo de buscar dicionários ou glossários de termos médicos gerais, direcionados à Oncologia e especificamente ao câncer de mama, no intuito de saber até que ponto esses materiais adentravam o universo da (Onco)mastologia.
Considerei, para análise, somente materiais cuja fonte pode-se dizer confiável, como sites de hospitais e de indústrias farmacêuticas ou ainda aqueles que apresentavam a bibliografia consultada. Verifiquei desde glossários de termos médicos gerais até os mais específicos, pois observei que, conforme o tema vai sendo afunilado, a quantidade de termos baixa; ______________
107Refiro-me a uma das possibilidades de mapa conceitual da (Onco)mastologia, pois, além de não se tratar de
uma representação completa em termos de exaustividade, tenho em mente que, conforme defende Barros (2004, p. 112), o mapa conceitual é determinado pelo corpus da pesquisa ―e pela visão ou abordagem do terminólogo em relação ao domínio estudado‖. Logo, outras variações podem ser legítimas.
logo, comparar esses repertórios específicos, que são menores, com a amostra de glossário proposta aqui já demonstraria vantagem significativa, do ponto de vista quantitativo, para o conjunto terminológico que compilei (como reuni mais termos, a probabilidade de a terminologia que acumulei conter os termos de outros glossários é maior).
Com base nesse pressuposto, parti do Livro Branco108, glossário de termos médicos para jornalistas profissionais, estudantes ou pessoas interessadas em temas de saúde, disponível no
site do Hospital Israelita Albert Einstein. Dos 530 termos arrolados para consulta, apenas 8,15% dos 237 encontrados por mim no corpus de estudo integravam a lista. Entre essa porcentagem, prevaleceram termos genéricos (hiperônimos), como ―diagnóstico por imagem‖, ―gene‖, ―punção‖, ―câncer‖, ―mastectomia‖, ―marcadores tumorais‖ etc., o que faz sentido, considerando-se que se trata de um inventário terminológico das ciências médicas como um todo. No entanto, é preciso considerar também a qualidade das informações e a forma como estas são apresentadas, ou seja, se as propriedades fundamentais do objeto descrito foram caracterizadas e se há menção à sinonímia e à variação — aspectos relevantes da terminologia médica segundo Delvízio; Barros (2008), sem contar os contextos de uso, que muito podem ajudar o trabalho de jornalistas profissionais.
Por exemplo, o termo ―diagnóstico por imagem‖, que figura como coocorrente (parassinônimo) do termo ―exame de imagem‖, forma mais frequente no corpus de estudo desta pesquisa, foi definido (descrito, como registraram) no Livro Branco da seguinte maneira:
Figura 60: exemplo de verbete do Livro Branco, dicionário disponível no site do Hospital Israelita Albert Einstein.
Nota-se, pela definição acima, tanto a omissão de informações conceituais que contribuem para caracterização dessa categoria de exame — como ser ou não um procedimento invasivo, o modo através do qual é feita a captação de imagens — quanto a ______________
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ausência do termo que coocorre com ele no discurso da medicina: ―exame de imagem‖. Além disso, há muitos outros exames que se utilizam desse tipo de tecnologia para diagnóstico e rastreamento de várias doenças que não foram citados: ressonância magnética, cintilografia, mamografia, tomossíntese, PET (tomografia por emissão de pósitrons) etc. Outro ponto importante é a densidade lexical com que as informações foram divulgadas em alguns verbetes, tendo em vista o consulente que se pretende atingir: no caso do Livro
Branco, grosso modo, trata-se de um público leigo; em decorrência, há a necessidade de esmiuçar os conceitos a fim de torná-los o mais claro possível, o que não ocorre em grande parte dos casos, como ilustra, abaixo, este outro verbete:
Figura 61: exemplo de verbete com alta densidade lexical, considerando-se o usuário a que se destina.
(Livro Branco, Hospital Israelita Albert Einstein). Essas constatações foram importantes no sentido de evitar o descarte de termos genéricos
encontrados no corpus só porque já estavam disponíveis em sites de cuja confiabilidade não se duvida e também para orientar a redação das definições dos termos que compõem a amostra de glossário da (Onco)mastologia que esta pesquisa apresenta.
A fim de investigar se todos os pontos por mim levantados até agora não eram restritos ao
Livro Branco, decidi checar um outro dicionário digital de termos médicos, o Dicionário
Digital de Termos Médicos 2007, organizado por Érida Maria Diniz Leite, enfermeira do Hospital Universitário Onofre Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)109.
Trata-se de uma compilação muito maior que anterior, cuja totalidade de termos ultrapassa 600 entradas. Nela, há ocorrências de termos mais específicos, como ―anticorpos monoclonais‖, biópsia cirúrgica‖, ―brca1‖, ―brca2‖, ―carcinoma in situ‖, entre outras, ______________
perfazendo aproximadamente 30% do conjunto terminológico a que cheguei. Mais uma vez, entretanto, os problemas relacionados a um padrão de qualidade terminográfico foram significativos. O exemplo abaixo mostra por quê:
1. Dicionário Digital de Termos Médicos 1.01824. ANTICORPOS MONOCLONAIS
Anticorpos produzidos por clones de células como as que são isoladas após hibridização de linfócitos B ativados com células neoplásicas. Estes híbridos
são freqüentemente chamados de hibridomas.
A linguagem empregada é predominantemente científica, o que não a torna esclarecedora a leigos. Da mesma forma, não é elucidado ao consulente o público a que a obra se destina. Tampouco é feita menção a sinônimos ou a contextos de uso. Ao término da leitura do verbete, o usuário fica sem saber a que se presta o termo em questão, informação que me parece necessária uma vez que, pelo o que foi possível depreender da definição, trata-se de um elemento produzido; portanto, cabe a ele uma finalidade.
Confirmada, assim, a minha hipótese de que o Livro Branco não se tratava de um caso isolado, o próximo passo foi verificar a quantidade e a qualidade dos termos encontrados em um glossário online sobre Oncologia. A Faculdade de Medicina da USP, através do site do Hospital das Clínicas de São Paulo, disponibiliza ao público um glossário com apenas 14 termos110. Dado esse número reduzido, elegi para cotejamento o material disponibilizado pelo Hospital do Câncer de Uberlândia (MG)111.
O glossário da instituição conta com 79 termos, entre os quais estão presentes termos genéricos: ―biópsia‖; específicos (em menor proporção), como ―câncer de mama‖, e termos que cabem a outras especialidades: Ginecologia, Urologia e Proctologia e que não parecem possuir um valor singular no discurso da Oncologia — pelo menos essa relação não fica clara na definição, como mostra o exemplo abaixo:
Condiloma
Lesões verrucosas genitais benígnas causadas pelo Papiloma vírus Humano (HPV).
Pelo verbete, fica evidente que ―condiloma‖ é uma doença benigna, portanto, não parece ______________
110Disponível em <http://www.hcnet.usp.br/dicionario/oncologia.htm>. 111 Disponível em <http://www.hospitaldocancer.org.br/wikcms/glossario>.
estar relacionada ao câncer, que é classificado como doença de natureza maligna. Por que, então, integra um repertório voltado à Oncologia? Essa é a pergunta que me fiz ao terminar a leitura da definição. É claro que deve haver (e há de fato) uma relação entre essa doença benigna e o câncer, mas ela não foi explicitada ao leitor, justificando, assim, sua posição de entrada e de verbete no glossário: segundo consta no blog de um especialista da área, Fernando Valério, pacientes que apresentam infecção persistente têm mais probabilidade de desenvolver câncer de ânus ou de colo uterino do que os que mantêm sob controle a infecção. Além disso, trata-se de uma doença sexualmente transmissível, dado que parece pertinente, visto que implica as formas de contágio, e que foi omitido da definição.
Quanto aos termos comuns com o glossário proposto por esta pesquisa, apenas 4,7% destes foram localizados no site e, mais uma vez, os problemas de qualidade mantiveram-se e até se acentuaram, conforme foi possível inferir da definição de ―condiloma‖, na página anterior. O próximo e último glossário a ser alvo de inspeção é o disponibilizado em língua portuguesa pela indústria farmacêutica inglesa GlaxoSmithKline112: Glossário de termos
sobre câncer de mama. Ele possui 35 entradas, das quais somente 3% encontram-se na amostra de glossário que esta pesquisa traz à tona. Entre essa porcentagem, encontra-se o termo ―Her-2‖:
HER2: Receptor presente em quantidades muito pequenas na superfície externa das células normais da mama. Cerca de 25% a 30% dos cânceres de mama têm muito desse receptor. Cânceres que têm muito desse receptor tendem a ser mais agressivos. Também chamado de ErbB2.
O que chama a atenção nesse verbete é o fato de ele ter sido o único a trazer um sinônimo. Contudo, não registrou as variantes gráficas correspondentes ao termo nem fez alusão ao caráter polissêmico desse termo, que pode ser entendido tanto como oncogene quanto funcionar como marcador tumoral.
Para além dessas questões de ordem linguística, há a defasagem conceitual que fica evidente na definição acima: receptor de quê? Não há no glossário uma definição prévia de ―receptor‖ para situar o consulente. Além disso, há menção à quantidade habitual desse ―receptor‖ na superfície de células normais, mas não o que faz com que ele aumente de quantidade e provoque o câncer de mama, o que fundamentaria seu estatuto de entrada. ______________
Frente a esse panorama, decidi eleger como amostra para esta pesquisa termos genéricos e específicos que mais caracterizam a especialidade — com seus respectivos sinônimos e variantes (vide Apêndice C) — e que, ao serem definidos, poderiam dirimir as dúvidas tanto conceituais quanto comunicacionais (de uso) dos usuários que precisam se valer da linguagem de especialidade em pauta no meio profissional em que atuam (jornalismo científico).
Optar pela definição de termos que não constam dos outros materiais online poderia ser um critério a adotar, não fossem os diversos problemas encontrados só nos quesitos a que me ative: falta de informação, de contexto, de registro de sinonímia e de variantes, linguagem densa etc. Por isso, alguns desses também foram repertoriados por mim.
Além disso, optei por deixar de fora da amostra, nesta pesquisa, termos que se referem à anatomia, uma vez que consta na internet diversos sites de especialistas com figuras e
explicações sobre a composição da mama, como em:
<http://www.centrodemama.com.br/paginas/ pacientes_e_publico/anatomia_da_mama>. Sendo assim, abaixo, apresento-os organizados em ordem alfabética. Entretanto, é somente adiante, onde estão estruturados nos mapas conceituais, que o critério de relevância pragmática acima exposto ficará mais visível, pois, por meio das representações, é possível visualizar os termos nos subcampos que conformam a (Onco)mastologia como um domínio especializado pertencente às ciências médicas.
TERMOS ELEITOS PARA ENCABEÇAR OS VERBETES DO GLOSSÁRIO
anticorpos monoclonais biópsia incisional
ATM braquiterapia
autoexame BRCA-1
BCL2 BRCA-2
biópsia CA 15-3
biópsia cirúrgica CA 27-29
biópsia de congelação câncer de mama
biópsia estereotáxica carcinoma adenoide-cístico
biópsia excisional carcinoma apócrino
TERMOS ELEITOS PARA ENCABEÇAR OS VERBETES DO GLOSSÁRIO
carcinoma ductal in situ linfadenectomia axilar total
carcinoma ductal infiltrante linfedema
carcinoma in situ linfocintilografia
carcinoma invasivo linfonodo sentinela
carcinoma lobular in situ mamografia
carcinoma medular mamografia digital
carcinoma metaplásico mamotomia
carcinoma mucinoso marcadores tumorais
carcinoma papilífero linfedema
carcinoma secretório mastectomia
carcinoma tubular mastectomia profilática
catepsina D mastectomia radical a Halsted
CEA mastectomia radical modificada
c-erbB-2 mastectomia radical modificada a Madden
CHEK2 mastectomia radical modificada a Patey
cintilografia mastectomia simples
cirurgia conservadora mastectomia poupadora de pele
core biopsy mastectomia subcutânea
doença de Paget MBI
doppler colorido membrana basal
exame citológico metástase
exame clínico metástase a distância
exame de imagem metástase axilar
exame histopatológico oncogene
gene ooforectomia
gene supressor de tumor PALB2
HMMR PET
hormonioterapia PTEN
hormonioterapia adjuvante PAAF
hormonioterapia neoadjuvante quadrantectomia
imunoterapia quimioterapia
inativadores de aromatase quimioterapia adjuvante
inibidores de aromatase quimioterapia neoadjuvante
Ki-67 RAD51
linfadenectomia axilar radiografia
linfadenectomia axilar seletiva radioterapia
TERMOS ELEITOS PARA ENCABEÇAR OS VERBETES DO GLOSSÁRIO
radioterapia externa ressonância magnética
radioterapia intraoperatória tamoxifeno
receptor de estrogênio tomossíntese
receptor de progesterona tomografia computadorizada
receptores hormonais TP53
reconstrução mamária tumor filoide maligno
ressecção segmentar ultrassonografia
Tabela 9: relação com os 104 termos eleitos para encabeçar os verbetes que compõem a amostra de glossário de (Onco)mastologia.
Adiante, disponho-os nos mapas conceituais, cuja definição e relevância são retratadas abaixo.
4.2 O que é mapa conceitual e para que serve?
O mapa conceitual, ou árvore de domínio, consiste em um constructo teórico no qual os termos são posicionados de acordo com a significação conceitual que carregam e conforme a relação interconceitual que mantêm entre si em um determinado domínio. Para Cabré (2003, p. 184), do ponto de vista cognitivo, as unidades terminológicas ―[...] estão submetidas a um contexto temático; ocupam um lugar preciso na estrutura conceitual; o significado específico que possuem é determinado pelo lugar que ocupam nessa estrutura.‖ (tradução minha) 113 Segundo Barros (2004, p. 115-6), as relações conceituais podem ser divididas em dois grandes grupos: hierárquicas e não-hierárquicas.
Pela primeira, entendem-se as relações partitiva — holonímia ou noção integrante (mama)/ meronímia ou noção partitiva (lobos) — e genéricas — hiperônimo ou conceito superordenado (biópsia)/hipônimo ou conceito subordinado (biópsia cirúrgica).
As relações não-hierárquicas, por sua vez, são mais numerosas e subdividem-se, basicamente, em sequencial e pragmática.
Na sequencial, estabelece-se entre os conceitos uma relação de dependência baseada em uma contiguidade espácio-temporal (ISO 1087, 1990 apud BARROS, 2007, 115), como causa-efeito (oncogenes → câncer de mama → metástase), produtor-produto ou de etapas de ______________
113 ―[...]―depend on a thematic context; occupy a precise place in a conceptual structure; their specific meaning