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A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: CONSTRUTOS TEÓRICOS

No documento JOSSIANE CARLA BERNAR LUVIZA (páginas 73-80)

1 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

3.2 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: CONSTRUTOS TEÓRICOS

Inspirado pela questão “o que é uma sociedade pensante?” (MOSCOVICI, 2009, p. 48) ressalta quais aspectos humanos procura compreender por meio do estudo das RS,

tendo em vista que, ao observá-las, “nós estudamos o ser humano, enquanto ele faz perguntas e procura respostas ou pensa e não enquanto ele processa informação, ou se comporta.” (MOSCOVICI, 2009, p. 48). Essa posição tomada na elaboração da TRS propôs superar a visão reducionista da Ciência reforçada pela filosofia positivista (ENS; BEHRENS, 2013).

As palavras de Moscovici (2009, p. 45, aspas do autor) ilustram o fundamento central da TRS, ou seja, sua preocupação com o pensamento do senso comum:

O que estamos sugerindo, pois, é que pessoas e grupos, longe de serem receptores passivos, pensam por si mesmos, produzem e comunicam incessantemente suas próprias e específicas representações e soluções às questões que eles mesmos colocam. Nas ruas, bares, escritórios, hospitais, laboratórios, etc. as pessoas analisam, comentam, formulam “filosofias” espontâneas, não oficiais, que têm um impacto decisivo em suas relações sociais, em suas escolhas, na maneira como eles educam seus filhos, como planejam seu futuro, etc. Os acontecimentos, as ciências e as ideologias apenas lhes fornecem o “alimento para o pensamento”.

Embora Moscovici (2009) considere como um fenômeno o que era antes visto como um conceito, a TRS, de acordo com Arruda (2002, p. 129) “operacionalizava um conceito para trabalhar com o pensamento social em sua dinâmica e em sua diversidade.” Neste contexto, o pensamento social é engendrado por maneiras distintas de conhecer que compõem dois universos, o consensual e o reificado, sendo que tais universos anteriormente situavam-se pela distinção entre uma esfera sagrada e uma esfera profana. (MOSCOVICI, 2009).

Para Moscovici (2009, p. 49) “no universo consensual, a sociedade é uma criação visível, contínua, permeada com sentido e finalidade, possuindo uma voz humana, de acordo com a existência humana [...]” e salienta que “a sociedade é vista como um grupo de pessoas que são iguais e livres [..].” (Ibid., p. 50). Por sua vez, no universo reificado, “a sociedade é transformada em um sistema de entidades sólidas, básicas, invariáveis, que são indiferentes à individualidade e não possuem identidade.” (Ibid., p. 50). E acrescenta “é facilmente constatável que as ciências são os meios pelos quais nós compreendemos o universo reificado, enquanto as representações sociais tratam com o universo consensual” (MOSCOVICI, 2009, p. 52).

Quadro 3. Os Universos do Pensamento Social

Universos consensuais Universos reificados Indivíduo, coletividade: opus proprium

NÓS

Sociedade = grupo de iguais, todos podem falar com a mesma competência

Universos consensuais

Sociedade de “amadores”, curiosos: conversação, cumplicidade, impressão de igualdade, de opção e afiliação aos grupos

Conhecimento parece exigência de comunicação → alimentar e consolidar o grupo

- resistência à intrusão Representações Sociais - senso comum, consciência coletiva

- acessível a todos e variável

Opus alienum

ELES

Sociedade = sistema de papéis e classes diferentes → direito à palavra é desigual:

experts

Universos reificados Sociedade de especialistas:

especialidade → grau de participação normas dos grupos → propriedade do discurso e comportamento Unidade do grupo por prescrições Globais, não por entendimentos recíprocos

- divisão por áreas de competência Ciência

- retratar a realidade independente de nossa consciência

- estilo e estrutura frios e abstratos

Fonte: Adaptado Arruda (2002, p. 130).

Moscovici (2009, 2012) ao desenvolver TRS e adequar o conceito de RS à sociedade atual, formula dois conceitos importantes como fundamentos de sua teoria, os quais têm como principal objetivo tornar o não-familiar em familiar denominados objetivação e ancoragem. A teoria moscoviciana postula que a objetivação “é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma imagem. Comparar é já representar, encher o que está naturalmente vazio, com substância.” (MOSCOVICI, 2009, p. 71-72). Ao passo que “a objetivação permite tornar real um esquema conceitual e substituir uma imagem por sua contrapartida material [...].” (Ibid., p. 100). Por sua vez, a ancoragem diz respeito “em classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras.” (Ibid., p. 61). Ressalta ainda que “pelo fato de se dar um nome ao que não tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá- lo.” (Ibid., p. 62). Representação consiste em “um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes.” (Ibid., p. 62).

Além disso, Moscovici (2012, p. 158-159) distingue os dois conceitos ao afirmar que:

A objetivação mostra como os elementos representados de uma ciência se integram a uma determinada realidade social, enquanto que a ancoragem permite apreender a maneira como eles contribuem para modelar as relações sociais e como eles as exprimem.

Para Moscovici (2009) ambos os processos, a ancoragem e a objetivação, são maneiras de lidar com a memória e explica “a ancoragem responsável por manter a memória em movimento, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome.” (Ibid., p. 78). Por exemplo, no processo de ancoragem, se um objeto ou ideia é comparado ao paradigma de uma categoria, adquire características dessa categoria e é reajustado para que se enquadre nela. Logo, se a classificação deste objeto ou ideia for aceito, as opiniões que se relacionam com a categoria irão se relacionar também com o objeto ou ideia. Por sua vez, a objetivação, “tira daí conceitos e imagens, para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido.” (MOSCOVICI, 2009, p. 78). Cada universo de opiniões entre diferentes classes, culturas e grupos são compostos por três dimensões que garantem uma visão do conteúdo e sentido das RS, são elas: (a) informação; (b) campo de representação ou imagem; (c) atitude. (MOSCOVICI, 2012).

A dimensão da informação relaciona-se com a organização dos conhecimentos que um grupo possui sobre o objeto social. O campo de representação ou imagem consiste na dimensão que se relaciona com a percepção de “modelo social”, isto é, de “conteúdo concreto e limitado das proposições que expressam um aspecto determinado do objeto da representação.” (Ibid., p. 64). Já a dimensão da atitude diz respeito à “orientação global em relação ao objeto da representação social.” (Ibid., p. 65). É na dimensão da atitude, segundo Moscovici (2009) que após assumirmos determinadas posições (atitudes) podemos informar e representar alguma coisa, em função da posição assumida. Para Abdalla (2013) a dimensão da atitude integra os níveis afetivos e emocionais do sujeito. A informação é uma dimensão variável entre os grupos e que se refere à qualidade e quantidade de informação que determinados grupos possuem. Na dimensão campo de representação ou imagem integram-se todos os elementos que contextualizam o objeto representado, como as coordenadas sociais, o espaço e o tempo.

O que Moscovici (2009, p. 40) procura enfatizar ao apresentar os indivíduos como responsáveis na produção e transformação de RS é que “[...] todas as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações. Na realidade, é isso que as caracteriza. [...].” Assim, nesta pesquisa a análise das RS no ES tem como base as interações humanas, sendo que os participantes formulam e transformam suas próprias representações sobre o objeto de seu estudo, isto é:

[...] Pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação e da cooperação. Representações, obviamente não são criadas por um indivíduo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria , circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem. Como consequência disso, para se compreender e explicar uma representação, é necessário começar com aquela, ou aquelas, das quais ela nasceu [...]. (MOSCOVICI, 2009, p. 41).

Além disso, o ponto de vista epistemológico importa para o estudo das RS, pela,

[...] a análise de todos aqueles modos de pensamento que a vida cotidiana sustenta e que são historicamente mantidos por mais ou menos longos períodos (longues durées); modos de pensamento aplicados a “objetos” diretamente socializados, mas que, de maneira cognitiva e discursiva, as coletividades são continuadamente orientadas a reconstruir nas relações de sentido aplicadas à realidade e a si mesmas. (Moscovici, 2009, p. 218, ênfases do autor).

Ao estudar as RS lidamos com os sistemas de referência utilizados para nomear tanto pessoas quanto grupos e compreender a realidade nas práticas sociais. Nesta direção, observam-se pesquisas no campo de estudo da TRS que contribuem para operacionalizar um conceito de RS advindo da teoria. O próprio idealizador da TRS propõe uma noção para o fenômeno definindo RS como:

Um sistema de valores, ideias e práticas, com uma dupla função: primeiro estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo- lhes um código para nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social. (MOSCOVIVI, 2009, p. 21) Jodelet (2002, p. 22) também propõe uma definição para o termo ao afirmar que:

[...] As representações sociais são uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designado como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, essa forma de conhecimento é diferenciada entre outras do conhecimento científico, entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais.

Ainda, de acordo com Jodelet (1986) no processo de reconstrução do objeto da representação, ocorre a formação de um novo objeto que tem certa independência do original, pois geralmente as Representações Sociais dão-se já, sobre ou acerca de outras representações sociais. Sob esta ótica, torna-se oportuno pensar o ES como um espaço em potencial de encontro de representações e para reconstrução de novas representações que os APLIs formulam acerca do objeto com que lidam em suas práticas docentes. Jodelet (1989, p. 4) também salienta que na construção representativa “as instâncias e ligações

institucionais, as redes de comunicação mediáticas ou informais intervêm em sua elaboração, abrindo a via dos processos de influência, às vezes de manipulação social.”

Sob esta ótica, Moscovici (2009, 2012) descreve o papel fundamental da comunicação social na emergência do universo consensual na sociedade, a influência da comunicação é analisada em três níveis: a) no nível da emergência das representações destacando-se a dispersão e a distorção das informações sobre o objeto representado, sendo que não é igualmente acessível aos diferentes grupos sociais. Neste caso, os sujeitos focalizam certos aspectos do objeto em função dos seus interesses e implicações, ocorre pressão à inferência pela necessidade de agir, tomar posição ou conseguir o reconhecimento ou adesão de outros; b) no nível dos processos de formação das representações, a objetivação e a ancoragem consideram a interdependência entre a atividade cognitiva e os aspectos sociais; e c) no nível das dimensões das representações que influenciam a elaboração da opinião, atitude e estereótipo, nos quais agem os sistemas de comunicação midiática, e que delineiam as propriedades da difusão que se relaciona com a formação das opiniões, a propagação voltada para as atitudes e a propaganda ligada aos estereótipos (JODELET, 1989, negritos da autora). Estes processos constituem- se expressivos para analisar as RS de língua(s) e cultura(s) relacionadas à LI que o grupo de APLIs elabora no campo do ES, visto que a intensa troca de informações e acesso aos meios de comunicação pode influenciar o pensamento dos futuros professores de LI sobre o objeto de estudo da sua formação, ou seja, “a comunicação concorre para forjar representações que, apoiadas numa energética social, são pertinentes à vida prática e afetiva dos grupos.” (JODELET, 1989, p. 13).

Vale ressaltar que o estudo ancorado na TRS permite observar o ES enquanto propulsor de RS. Estudar como as representações emergem e como são constituídas nas relações sociais possibilita-nos compreender o sentido das práticas e dos sistemas de referência que cada pessoa ou grupo de pessoas desenvolvem em seu cotidiano. Assim se constituem socialmente e interagem com a realidade do mundo que os cerca, o que significa “observar os fenômenos de adesão às formas de pensamento da classe, do meio ou do grupo de pertencimento.” (Ibid., p. 14). Nessa direção, os construtos língua(s) e cultura(s) são, além disso, o partilhar das representações de objetos socialmente valorizados em que, “partilhar uma ideia, uma língua, também é afirmar um liame social e uma identidade. [...] O partilhar serve à afirmação simbólica de uma unidade e de um pertencimento.” (JODELET, 1989, p.14-15).

Assim, os grupos sociais partilham a(s) cultura(s) que na perspectiva da TRS se compreende “como um sistema de representações, entendida como uma totalidade organizada pela comunidade” (CASTORINA, 2013, p. 49) e, ao mesmo tempo, para Moscovici (2009, p. 219) “não há representações sociais sem linguagem, do mesmo modo que sem elas não há sociedade. O lugar do linguístico na análise das representações sociais não pode, por conseguinte, ser evitado [...].” Diante disso, e a partir do que nos apresenta a TRS, o que os APLIs pensam sobre o objeto que circunscreve o ensino de LI, ou seja, a(s) língua(s) e a(s) cultura(s) na relação com suas práticas no ES pode revelar um compartilhar, no qual “implica uma dinâmica social que considera a especificidade das representações.” (JODELET, 1989, p. 14-15). Sendo assim apresentamos, no próximo capítulo, o caminho metodológico percorrido nessa pesquisa.

CAPÍTULO IV

“Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.” Paulo Freire “É pouco tempo que você tem pra conseguir chegar numa questão muito maior que seria conseguir ligar a língua e a cultura.” APLI Ruth “Cultura é uma coisa menos estudada, porque lógico gramática que mais vai ser estudada mesmo que não deveria ser.” APLI Maria

4 DIMENSÃO METODOLÓGICA

Nesse capítulo apresentamos o percurso metodológico que orienta esta pesquisa. A organização do mesmo estrutura-se em quatro partes. A primeira parte discorre sobre a pesquisa de base qualitativa interpretativista. Na segunda descrevemos o contexto da pesquisa e os participantes. Na terceira são apresentados os instrumentos de coleta de dados e na última descrevemos sobre a análise de dados e os procedimentos na sua elaboração.

No documento JOSSIANE CARLA BERNAR LUVIZA (páginas 73-80)