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Algumas Inter-Relações

No documento JOSSIANE CARLA BERNAR LUVIZA (páginas 57-60)

1 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

2.2 CULTURA(S) E ENSINO DE LÍNGUAS

2.2.1 Algumas Inter-Relações

No que tange a essa pesquisa e concordando com Almeida (2011, p. 32) “tecer considerações sobre a relação entre língua e cultura, elementos indissociáveis no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira, é uma relação a ser trabalhada na formação de professores de línguas.” A partir dessa visão, consideramos fundamental compreender como o APLI concebe língua(s) e cultura(s) relacionadas à LI e quais são as representações destes elementos que constituem o contexto de ensino e aprendizagem da formação. Diante disso, a relação entre língua(s) e cultura(s) se constitui uma realidade cada vez mais urgente nos cursos de formação de professores de línguas, visto que nas sociedades se

evidenciam os diversos grupos e suas intrínsecas características interculturais, múltiplas, desconexas, não lineares e híbridas. Como nos lembra Bhabha (1998, p. 102, itálico do autor) no capítulo Interrogando a Identidade:

[...] uma série de grupos cultural e racialmente marginalizados assume prontamente a máscara do negro, ou a posição da minoria, não para negar sua diversidade, mas para com audácia, anunciar o importante artifício da identidade cultural e de sua diferença [...].

Para Kramsch32 (1998, p. 3, tradução nossa33) as questões da cultura e identidade relacionam-se diretamente com a língua(gem) “os falantes identificam-se uns aos outros pelo uso da linguagem; eles concebem a sua língua como um símbolo de sua identidade social.” Ao construir sentidos às nossas experiências por meio da(s) língua(s), ressignificamos nossa visão em relação à realidade que nos cerca, em relação aos outros e em relação a nós mesmos. Esta construção complexa entre como observamos a realidade e a manifestamos por meio da língua(gem) não ocorre no vazio e sim em contextos culturais. Nas palavras de Kramsch34 (2014, p. 3, itálicos da autora) “por meio de todos os seus aspectos verbais e não-verbais, a língua incorpora a realidade cultural.”

Ressaltamos também a importância para esse estudo que focaliza a(s) cultura(s) como objeto de RS, da contextualização do conceito de cultura(s) desenvolvido pelos especialistas dos campos externos ao do ensino de línguas e de LI, sendo que tais estudos científicos podem influenciar ou determinar as RS sobre cultura(s) dos APLIs no ES. Além disso, diferentes áreas do conhecimento construíram definições e maneiras de concebê-la, do que resulta em uma complexidade de significados para o termo em diferentes perspectivas teóricas.

O conceito de cultura é abrangente (HALL, 1997, 2006; GEERTZ, 1989; CUCHE, 1999; e outros). Para Hall (1997) a cultura se relaciona com o processo de produção de significados que determinado grupo compartilha, bem como enfatiza que o entendimento que um grupo de pessoas confere ao mundo não ocorre de forma homogênea, pois em uma dada cultura as significações e interpretações são múltiplas como são os objetos a elas relacionados. De acordo com Cuche (1999, p. 15) “a cultura não se decreta; ela não pode ser manipulada como um instrumento vulgar, pois ela está relacionada a processos extremamente complexos e, na maior parte das vezes, inconscientes.” O conceito de

32 Do original: “Speakers identify themselves and others through their use of language; they view their language as a symbol of their social identity.” (KRAMSCH, 2014, p. 3).

33 Ano de edição da obra consultada. 34

Do original: “Through all its verbal and non-verbal aspects, language embodies cultural reality.” (KRAMSCH, 2014, p. 3).

cultura foi associado ao progresso e consequentemente à noção de civilização. Assim, os progressos individuais e os progressos coletivos se referiam respectivamente à “Cultura” e “civilização”. (CUCHE, 1999, aspas do autor). A primeira definição etnológica de cultura advém do antropólogo britânico Edward Burnett Tylor, ainda no século XIX:

Cultura e civilização, tomadas em seu sentido etnológico mais vasto, são um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade. (TYLOR, 1871 apud CUCHE, 1999, p. 35). Outro estudioso da área, o antropólogo Franz Boas (1940) fundamenta-se em pensar que “a diferença fundamental entre os grupos humanos é de ordem cultural e não racial.” (BOAS, 1940 apud CUCHE, 1999, p. 40). Não existe diferença de “natureza” biológica, a não ser diferenças de cultura, e estas são adquiridas e não inatas. (CUCHE, 1999, aspas do autor).

No âmbito da sociologia, Hall (2006) salienta que as culturas nacionais das quais somos parte nos definem como brasileiros, ingleses, indianos ou chineses e pensamos nessas identidades nacionais enquanto parte da nossa natureza. Desse modo, Hall (2006, p. 48) afirma que “[...] as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”, ou seja:

[...] Nós só sabemos o que significa ser “inglês” devido ao modo como a “inglesidade” (Englishness) veio a ser representada como um conjunto de significados pela cultura nacional inglesa. Segue-se a nação, não é apenas uma entidade política mas algo que produz sentidos um sistema de representação cultural. [...]. (HALL, 2006, p. 49, ênfases do autor).

Por sua vez, para o crítico pós-colonial Bhabha (1998) os conceitos de hibridismo e tradução cultural rompem com os conceitos tradicionais para o termo. Este estudioso propõe que a cultura deve ser entendida como uma construção híbrida. Os contextos de problematizações para a cultura, nos quais se inspira, são das culturas pós-coloniais marcadas por histórias do deslocamento de espaços e origens, da escravidão, das diásporas migratórias entre metrópoles e colônias. Este fluxo de deslocamentos conferiu visibilidade às diferenças culturais desmontando o que antes era visto como cenário de culturas monolíticas e estáticas e emergiu o que Bhabha denomina de terceiro espaço. (MENEZES DE SOUZA, 2004).

Bhabha (1998, p. 241) observa que nas sociedades pós-coloniais o conceito hegemônico de cultura estática e homogênea cede ao conceito de cultura como manifestação híbrida. A tradução cultural nas culturas atuais passa a ser uma “estratégia de

sobrevivência, que é tanto transnacional quanto tradutória.” Nestes termos, a naturalização e homogeneização de nações, de povos ou da tradição popular autêntica têm suas referências culturais desestabilizadas e esta experiência nos torna conscientes que a cultura é uma construção e a tradição é uma invenção. (BHABHA, 1998).

De volta ao campo do ensino de línguas, a abordagem de Kramsch (2014) refere-se a duas definições de cultura: uma que corresponde ao modo como os grupos sociais estão representados na arte, na literatura, artefatos, instituições. E a outra que se relaciona com as atitudes, crenças, valores, modos de pensar e viver das pessoas em sociedade. Dessa forma, os aspectos da cultura podem ser concebidos em três contextos: o contexto diacrônico do tempo; sincrônico do espaço; metafórico da imaginação. E esclarece que “estas duas camadas da cultura combinadas, o social (sincrônico) e o histórico (diacrônico), tem sido com frequência chamado de contexto sociocultural de estudos da linguagem.” (KRAMSCH,35 p. 8, negrito da autora) em que o contexto metafórico da imaginação diz respeito à imaginação mediada pela língua(gem). Motta-Roth (2006) ao relacionar cultura(s) e linguagem, adverte que é difícil pensar em um conceito monolítico de cultura, como um só discurso coeso e coerente. A linguagem é o ponto central de todo esse processo de mundialização das trocas culturais, pois em todas as atividades humanas, ocorre uma relação dialética entre linguagem e cultura.

Sendo assim, no próximo tópico descrevemos como estas duas realidades são abordadas no âmbito do ensino de LI, os aspectos culturais no ensino da mesma, a LI e a(s) cultura(s) nos estudos da área. Por fim, tratamos das características da AI.

No documento JOSSIANE CARLA BERNAR LUVIZA (páginas 57-60)