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objeções ao sistema acima exposto. Este é um controle racional a que subme- temos os produtos da intuição ou da visão. Por um momento, proponhamo-nos rejeitar esta teoria, que podemos denominar simplesmente teoria do desmoro- namento, como explicação de nosso universo.

Devendo axiomaticamente admitir que Deus não pode ser imperfeito e mau, mas sempre perfeito e bom, e que, por conseguinte, criou por amor, e não por ódio, como se pode explicar a presença do mal e da dor em nosso universo? E, uma vez que não se pode atribuir, em absoluto, ao Deus-Criador estas realida- des, impõe-se procurar-lhes uma outra causa que não pode ser Deus. Mas aqui o dilema é fatal: ou essas tristes verdades são devidas à criatura, sendo forçoso admitir a teoria da queda, ou, se Deus-Criador foi causa de tudo, Ele é imper- feito e mau.

Uma bem triste cadeia de males pesa sobre o mundo. Este fato é indiscutível. Queremos buscar-lhe a causa, o responsável. Podemos até chegar à monstruosi- dade de nos tornarmos acusadores de Deus, como causa de todos os nossos ma- les, e nos sentirmos autorizados a amaldiçoá-Lo, como inconsciente e mau. Mas isto só poderá fazer quem segue Satanás, imerso no polo negativo, na ignorância e no mal. Jamais o fará uma mente iluminada, que sentiu a sabedoria, a perfei- ção e a bondade que reinam no funcionamento orgânico do universo.

Mas, ainda que a teoria do desmoronamento fosse errada, que significação possui a lenda, tão difundida no mundo, da queda dos anjos? Poderá ter ela nascido do nada? E, com a Sua paixão, que poderia redimir Cristo, se a culpa era mais de Deus do que do homem? Por essa paixão a humanidade se redi- miu, então, mais da falha de Deus do que das suas próprias. Isto sim nos pare- ce verdadeiramente um esboroamento do bom senso, ao ter que admitir que a humanidade deva sofrer tanto, em virtude da insciência ou maldade de um Criador irresponsável ou perverso. Este seria o mais escandaloso triunfo da injustiça. Mas, desta forma, colocamos um conceito negativo no centro do sistema positivo do ser; dessa maneira tudo se subverte: a vinda de Cristo à Terra carece de qualquer sentido, e, onde tudo é ordem, estabelecemos o caos de um universo em delírio. Então, o primeiro pecado original teria sido de Deus, e não do homem, e a rebelião contra um Deus imperfeito, injusto e mal- vado seria mérito, e não culpa. E a redenção, que é a retificação de uma posi-

ção invertida, que teria retificado? Talvez a justa revolta de Adão contra um Deus criador do mal e da dor? Como se vê, cai-se em um redemoinho de ab- surdos, em que tudo se subverte em uma horrenda concepção satânica.

Devemos axiomaticamente admitir em Deus também a unidade. Ora, o uni- verso é inegavelmente dualístico. Como se pode explicar essa estrutura dualís- tica em um universo cuja base deve ser unitária, se não com a teoria do desmo- ronamento? Quem despedaçou o uno, como e por quê? É absurdo um universo dualístico desde a sua primeira essência, em seu centro. Se assim fosse, pelo menos os dois termos do dualismo – bem e mal – deveriam ser iguais. Como se explica que, ao contrário, o bem é mais forte e acaba vencendo e que o Se- nhor é um só – Deus? Também aqui, se excluirmos a queda, tudo se confunde no caos. Então Deus se transforma em artífice de uma obra diabólica, e con- funde-se Satanás com Deus.

Abolindo a teoria do desmoronamento, não se sabe mais justificar a origem e a presença de Satanás. Quem é ele então? Que significa no sistema do todo? De que nasceu, para o que tende e como acabará? Em um sistema lógico, co- mo pode manter-se esse anti-Deus? Em uma construção equilibrada, que signi- fica a hostilidade desse contínuo atrito demolidor? E que imperfeito universo seria este, sempre sujeito aos assaltos de um princípio destruidor que se aninha em seu seio! Certamente o Sistema, concebido desta forma, deve parecer bem pobre e mal feito! No entanto ele é pleno de obras que revelam uma sabedoria tão grande, que nem podemos compreendê-la no seu todo.

Repugna, de maneira absoluta, a um instinto fundamentalmente peculiar a todo ser de mente sã, admitir em Deus a criação do mal. Este só pode ter sur- gido depois, por outras razões. Não se podendo conceber duas criações e, as- sim, tendo que aceitar um única, como explicar que não encontremos tudo em perfeição e bem ou, então, em imperfeição e mal, mas sim perfeição e bem misturados com imperfeição e mal? É evidente essa duplicidade de princípios exatamente opostos. Isto não se pode explicar a não ser como a inversão de uma parte do Sistema. E como, no fundo da imperfeição, encontramos a per- feição, isto é, uma sabedoria que possui a força de salvar a imperfeição da au- todestruição e de purificá-la, reconduzindo-a ao estado de perfeição?

Evidentemente, deve ter ocorrido que Deus haja criado os espíritos puros, tirando-os de Si (a técnica da criação será progressivamente exposta neste vo- lume e, depois, definitivamente precisada no início do Cap. XX – “Visão- Síntese”). Este era o sistema perfeito. Mas uma parte, como vimos, rebelou-se,

formando o anti-sistema do dualismo. Ora, a parte incorrupta ficou a mais for- te, porque com ela permaneceu Deus, a Quem ela ficou aderente. A outra parte não tem Deus consigo, no sentido de que a sua transcendência não pode funci- onar, já que o ser o renegou. Por isto o mal não pode vencer. A vitória final, é lógico, não pode deixar de caber ao único senhor do Sistema: Deus. Não im- porta que no Todo se agitem forças opostas! O Sistema tornou-se inquinado de culpa, sofre para restabelecer-se, mas continua Sistema. Ele não desmoronou no seu conjunto. Apenas uma parte dele, em seu seio, decaiu.

Mas pode-se, então, objetar por que Deus, se é sempre o mais forte, o Se- nhor do Sistema, não sana de vez o mal, anulando-o? Não basta uma coisa ser cômoda para se tornar lógica e justa. Há necessidade de que seja compreendi- da por quem a criou. Nenhuma força pode ser destruída, mas apenas corrigida. Subsiste a lei de equilíbrio e justiça, na qual se baseia o Sistema, que exige a sua reconstrução. Não é com a psicologia da própria vantagem imediata, rela- tiva e utilitária, que se pode resolver tais problemas. Recordemos que nós não somos punidos pelas nossas culpas por um Deus vingativo, mas sim, automati- camente, por essas mesmas culpas, isto é, pelas forças por nós movidas e pelas posições que quisermos assumir no Sistema. O mal não se pode extinguir por um ato arbitrário, pois que a onipotência divina não é jamais arbitrária, mas sempre segundo a Sua própria lei. O mal só se pode extinguir por reabsorção, isto é, por retificação, pela reconstrução daquilo que ruiu. Só assim se explica como a dor pode redimir. Trata-se de um processo de cura. Eis por que a luta contra o mal é virtude, ou seja, é qualidade reconstrutora de bem. Se o nosso universo fosse, no estado atual, consequência pura do primeiro ato criador de Deus, ele deveria ser perfeito. Não o é porque a criatura introduziu nele outras forças. É da lógica, justiça e equilíbrio do Sistema que a correção seja operada nas próprias criaturas que representam tais forças. Assim como delas foi a re- volta à ordem, é justo que o labor da reconstrução lhes caiba. Somente assim elas poderão verdadeiramente aprender a conhecer a Lei, cuja compreensão já revelaram não ter desejado. Como se vê, tudo se desenvolve com cabal lógica. Muitos desejariam Deus como seu servo e se lamentam porque Ele não lhes poupa o incômodo de trabalhar, lutar e sofrer, por isso O acusam. Mas é fácil compreender quanto é absurdo colocar as nossas pobres comodidades como centro do Sistema. Não é com tais medidas que se pode medir, nem com seme- lhante psicologia que se pode compreender.

Prossigamos no controle racional, que nós mesmos estamos fazendo, dos produtos da intuição ou visão.

Alguma vez perguntamos a nós mesmos por que o estado primordial do universo é o caos? Se tivesse sido obra de Deus, deveria ser obra perfeita, e não caos. E, pela evolução, esse caos é o ponto de partida de um longo cami- nho que avança para a ordem. Somente com a teoria do desmoronamento, tudo isto se torna compreensível. Satanás está nos antípodas de Deus, assim como o caos está nos antípodas da ordem. O universo atual vai do primeiro ao segun- do, os dois polos do ser. Só com a precedência de um desmoronamento, isto é, com a existência da outra metade do ciclo, inverso e complementar, pode-se compreender tudo. Isto implica que apenas uma parte ruiu, e não todo o Siste- ma, e que, no fundo do caos, Deus – a única força capaz de reconduzir a de- sordem novamente à ordem – continua a estar presente. A reconstrução, ainda que seja operada de fato pela dor purificadora da criatura, é dirigida por Deus, o que é provado pela descida de Cristo à Terra. Unicamente assim se explica o porquê da evolução e sua direção, bem como a grande equação da substância (A Grande Síntese, Cap. IX).

Agora podemos compreender melhor a fig. 4 de A Grande Síntese, que in- dica o desenvolvimento da trajetória típica dos movimentos fenomênicos. Esse diagrama sintetiza também o atual caminho da evolução, para reconquistar, entre dores e provas, o paraíso perdido. Este é o diagrama da ascensão. O desmoronamento ocorreu de +–. A reconstrução aqui sintetizada é de – +, ainda que, para o nosso concebível, ela agora seja limitada ao trajeto γ. Na fig. 4, o desmoronamento das dimensões reduziu o Todo ao na- da, ao ponto, sem dimensão. É este – (infinito negativo), o ponto de partida da evolução, a segunda metade do ciclo, que vivemos atualmente. O ponto de chegada é + (infinito positivo), sendo todo o processo dado pela dilatação do ponto, não dimensão, na dimensão máxima, o infinito. Eis o mais profundo significado da abertura da espiral.

Mas a maneira como se processa o seu desenvolvimento nos diz algo mais. Na sua tendência periódica para volver sobre si mesma em direção ao centro (v. a mencionada fig. 4 – A Grande Síntese), expressa também na fig. 2 pela descida da linha quebrada, vemos um rítmico, ainda que parcial, retorno ao desmoronamento, como que uma recordação sua ou tendência a repetir-se, que no-lo revela em ação, imiscuído no funcionamento do universo, desde a pri- meira revolta e desmoronamento. Essa característica, impressa indelevelmente,

nos fala como uma testemunha. Todavia o movimento retoma sua direção e, no conjunto, consegue subir, sempre contrastado e em luta com a descida. A subida prossegue, isto é, a evolução vence, ganhando terreno em cada ciclo, ainda que, em todos os ciclos, o primeiro desmoronamento volte a se fazer sentir como um assalto do mal, que é, porém, depois vencido e superado. As- sim é porque o Sistema, no seu conjunto, não é o sistema de Satanás, mas sim o sistema de Deus. Deus, como vimos, permaneceu centro de tudo, enquanto o sistema de Satanás tem por centro o –, o nada, o ponto não dimensão, razão por que, para ele, a existência só pode significar anulação. O sistema positivo de Deus, embora contendo o sistema negativo de Satanás, é mais forte do que ele. O outro sistema está contido e é mais fraco, irremediavelmente minado pelo seu negativismo. Por isso se pode dizer que o bem deve vencer e: “Portae inferi non prevalebunt”.

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O motivo do desmoronamento imprimiu-se, assim, tão profundamente no Sistema, que o vemos ressurgir em todo lugar, a cada momento. Um estigma dualístico inquina e fragmenta toda a nossa vida. A vida una íntegra, esboroou- se no ritmo alternado de vida-morte; ao dia se contrapõe a noite; à luz, as tre- vas; a cada afirmação, a sua negação. A vida não se pode prolongar no tempo senão continuamente invertendo-se no negativo, que a mata; senão continua- mente se despedaçando, por efeito da queda. Bastaria apenas isto para provar a reencarnação. Mas, no fundo da morte (Satanás), está sempre Deus, que é a vida, o princípio pelo qual ela jamais se extingue. Assim como o imutável ab- soluto desmoronou no mutável contingente – que justamente por isso faz pre- sumir a existência do primeiro – a existência eterna também se corrompeu na existência no tempo, que a mede e a pulveriza em um ritmo interrompido por pausas opostas.

Eis, porém, que Deus, a força restauradora presente na evolução, tende para a correção do desmoronamento. A vida, evolvendo, transfere-se cada vez mais do plano físico para o espiritual. Desta forma, há também cada vez mais ten- dência ao desaparecimento do seu lado negativo – morte – e igualmente do mal e da dor, com o retorno a Deus, na reconstituída unidade íntegra da vida, que não tem mais morte.

Mas tudo rui por terra. Cada alegria ameaça inverter-se em dor, parecendo ter nascido envenenada pela recordação do primeiro desmoronamento. Para continuar, a vida deve refazer-se desde o começo, na semente, no filho. Tudo

nos dá ideia de alguém que, subindo uma encosta em terreno resvaladiço a cada três passos para diante, dá dois passos para trás. Recua, mas ganha sem- pre um passo, e assim a evolução avança, avizinhando-se cada vez mais, ainda que lenta e fadigosamente, da libertação. É longa e dolorosa a elaboração evo- lutiva. Mas é verdade também que o elemento negativo está submetido a um atrito contínuo, em face da resistência que opõe à força de Deus, mais podero- sa, motora da ascensão. O elemento negativo, assim, desgasta-se, autodestru- indo-se e cedendo, como já vimos, da sua substância à parte positiva. A sensa- ção desse atrito de forças opostas chama-se dor. Mas, por isto, ela redime, ma- ta o mal, ilumina as trevas, reconduz à alegria, à unidade, findando o dualismo, retificando o negativo em positivo. É este atrito que se chama dor, que recons- trói o lado desmoronado do Sistema e, por isso, constitui a base da evolução, ascensão para a felicidade.

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Tudo isto evidencia a necessidade de aceitar a teoria do desmoronamento. Só ela pode explicar o dualismo dá árvore do bem e do mal; o pecado original, continuação da revolta dos anjos e consequente queda; o pecado cometido por Caim contra Abel, primeira personificação da cisão e da luta. Só assim pode- mos compreender Cristo e a Sua obra de redenção, destinada a sanar este dua- lismo, e entender a inversão operada pelo Evangelho, que é uma retificação dos valores. Só assim é possível explicar por que a Terra é o reino em que o mal triunfa e os bons sofrem; por que a seleção é nela operada pelo critério selvagem do mais forte. Sem a teoria do desmoronamento nada se explica, tudo é caos e mistério.

Todavia, ainda pode-se levantar uma objeção. Pretendemos complementar aqui os conceitos expostos no fim do Cap. VII – “A perfeição do Sistema”.

Admitida a liberdade individual e a revolta, deve-se admitir também que um espírito possa conservar-se eternamente rebelde. Ele teria, então, o poder de macular definitivamente o Sistema, frustrando-lhe o restabelecimento e toda a obra de salvação de Deus e dos redentores por Ele enviados. A obra de Deus não seria, então, sanável e, em última análise, estaria falida. Tudo isso é lógico. Bastaria que se verificasse o caso para uma só criatura, e o mal, em definitivo aninhado no sistema de Deus, não seria vencido, tornando-se parci- almente vencedor. Conclusão absurda. A solução do dualismo deve, pois, ser completa e, por conseguinte, para que todo o Sistema seja reconstruído e tudo

retorne ao Uno, impõe-se a destruição final do mal. A anulação é a única ex- pulsão possível de um sistema que é o Todo e, fora do qual, nada pode existir.

Agora, surge a objeção da impossibilidade de admitir-se a destruição ou anulação do espírito rebelde. A isto respondemos que, como já vimos (Cap. VII), a mecânica dessa destruição se realiza por um processo de choques e atritos de forças, em que perece não a substância divina, indestrutível, que forma o espírito, mas apenas a sua forma de individualização como “eu” dis- tinto, e isto em favor do sistema do bem, que se enriquece dessa substância. O que se anula é a individualização, a personalidade rebelde, o tipo de forma revestida pela substância, e não propriamente a substância que a constitui. Tra- ta-se, pois, apenas de uma destruição relativa ao indivíduo, e não em sentido absoluto. Destruição como sua individualização, e não como substância. Isto torna possível a anulação no caso extremo de uma revolta indefinidamente prolongada.

A esta altura, podemos perguntar qual poderá ser a sorte de Satanás e seus demônios. Após haver tratado do problema do fim do mal no Cap. X do volu- me A Nova Civilização do Terceiro Milênio, lançando ali a semente dos pri- meiros conceitos, desenvolvidos melhor no presente volume; e após haver precisado a técnica da destruição do mal em geral no Cap. VII – “A perfeição do Sistema”, deste volume, podemos propor-nos agora o problema específico da sorte de Satanás, a propósito da anulação dos espíritos rebeldes.

No Cap. II do presente tomo – “ ‘O eu sou’, esquema do ser”, acenamos pa- ra Satanás como personificação das forças do mal. Mas será ele apenas uma individualização fenomênica qualquer em tudo que é personalizado, ou Sata- nás é uma verdadeira personalidade? Como personalidade queremos significar o que ela expressa para o ser humano. O leitor que compreendeu os elementos constitutivos de nosso sistema, de onde a lógica não nos permite sair, pode responder por si. Nós simplesmente lhe propomos o problema. A única e ver- dadeira criação foi a dos espíritos puros, que Deus realizou em Seu seio, dis- tinguindo-se interiormente em muitos “eu sou”, feitos à Sua imagem e seme- lhança. O nosso universo físico não foi uma criação, mas sim um desmorona- mento da criação. Os espíritos puros eram outros tantos “eu sou”, semelhantes ao tipo originário – Deus – isto é, individualizações pessoais, como é o próprio homem. Todos os espíritos eram assim, e não há razão para que fossem dife- rentes os que depois decaíram com a revolta. O próprio homem atual estava entre eles e, tendo uma personalidade própria, distinta, mostra-nos o que signi-

fica personalidade. O tipo fundamental do ser, como “eu sou”, não podia mu- dar apenas pela queda, como de fato não mudou para o homem, que é justa- mente um espírito decaído e, algumas vezes, chegou até ao grau de demônio. O desmoronamento do Sistema podia alterar a disposição e posição dos ele- mentos do edifício, mas não o material, que permaneceu o mesmo, pois, se assim não fosse, o edifício não poderia ser reconstruído; podia ofuscar, mas não alterar a essência individual do ser, porque isto teria significado destruir o tipo modelo, fato fundamental da criação. Não é concebível que a queda possa ter produzido uma despersonalização, pois isto significaria uma anulação da personalidade, isto é, da individualização “eu sou”, o que só pode ser o último resultado para um rebelde indefinidamente em estado de revolta, com sua li- quidação final. Não se pode antecipar a sua destruição, sem comprometer todo o processo de reconstrução e redenção. É absurdo, exceto no caso de tal liqui- dação final, a dissolução desse núcleo “eu sou”, desse centro em torno do qual se desenvolve todo o processo do desmoronamento e da reconstrução. Somen- te um “eu” pessoal, definido nos seus atributos, pode involuir e depois evoluir; pode reconstruir-se, se quiser, ou então ser reabsorvido no Sistema, pelo seu progressivo desgaste no atrito do Anti-Sistema com o Sistema, consoante ex- pusemos no citado Cap. VII deste volume. Unicamente um “eu” pessoal pode ser objeto de salvação ou instrumento da necessária anulação do mal, sem o que Deus seria vencido; sem um centro pessoal, um “eu”, não pode haver mé- rito ou demérito, culpa, responsabilidade, experiência, evolução e retorno a Deus, ou, no caso contrário, anulação. Sem um “eu”, tudo se dissolve no vago e nebuloso.

Considerando tudo isto, o leitor poderá agora responder por si à questão acima proposta. Mas é evidente que a solução cabal de qualquer problema não pode ser obtida encarando-o isoladamente, mas somente quando ele tenha sido enquadrado em todo um sistema de que venha a fazer parte e em que todos os outros problemas do ser sejam harmonicamente resolvidos.

Procuremos, todavia, precisar os elementos do problema.

Assim como, em um espelho partido, cada fragmento reproduz a natureza do espelho inteiro, trazendo também em si os indícios do estilhaçamento, cada