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A TMC e a Teoria de Piaget

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.8 Hipercultura

2.8.1 A TMC e a Teoria de Piaget

Em relação à teoria piagetiana, a TMC considerou a abordagem central da Epistemologia Genética de Jean Piaget, a qual aponta para o conceito de Equilibração, envolvendo os componentes de Assimilação e Acomodação. Enquanto o primeiro trata sobre a internalização de uma ordem, padrão ou regularidade presentes em determinado objeto ou sistema sob forma de esquemas (lógicas que estruturam o pensamento), a Acomodação considera a transformação de um conjunto previamente existente de lógicas do pensamento

em razão da assimilação seguinte à uma nova lógica (Piaget, 1983; Souza, 2004). A teoria piagetiana propõe ainda que as pessoas nascem providas de um sistema nervoso com reflexos e instintos responsáveis por movimentos iniciais, apresentar respostas a estímulos físicos e experimentar sensações. Além disso, propõe a produção de uma interação ocasionada pela relação dinâmica do recém-nascido com elementos do meio. Essa interação do bebê com o mundo resulta em uma assimilação, em forma de lógica, da ordem presente nos objetos e sistemas envolvidos na interação. Sucessivas assimilações conduzem ao processo de

acomodação. O processo entre assimilação e acomodação leva a um salto cognitivo mediante transformações significativas nos processos mentais.

Os processos apresentados por Piaget (1983) são divididos em estágios explicados através do desenvolvimento cognitivo do ser humanos. Assim, são representados por estágios: o primeiro estágio é identificado como sensório-motor (zero a dois anos): os atos de

inteligência consistem apenas na coordenação entre si de percepções sucessivas e movimentos reais, reduzindo-se a sucessões de estados, unidos por curtas previsões e reconstituições, mas sem atingir uma representação de conjunto, que só poderia se constituir na condição da representação pelo pensamento. A partir do aparecimento da linguagem (ou da função

simbólica que torna possível sua aquisição), inicia-se um período o qual será estendido até por volta dos quatro anos, quando se vê o desenvolvimento do pensamento simbólico. Dos quatro aos sete anos, constitui-se um pensamento intuitivo com articulações progressivas que

conduzem ao limiar da operação. Dos sete aos doze anos de idade, surgem as operações concretas, ou os grupamentos operatórios do pensamento atuando sobre objetos manipuláveis ou suscetíveis de serem intuídos. Por fim, a partir dos doze anos e durante a adolescência, surge o pensamento formal, cujos grupamentos estão relacionados à inteligência reflexiva acabada.

Ao considerar a teoria piagetiana, a TMC exorta a Assimilação, reconhecendo que se trata do principal componente dinâmico da cognição humana, importante forma para o

indivíduo lidar da melhor maneira com os objetos e sistemas ao seu redor. A TMC acrescenta que tal objetivo da Assimilação envolve não apenas a melhora da relação com o objeto ou sistemas, mas também seu uso para finalidades computacionais envolvendo outros objetos ou sistemas. Além disso, na teoria de Piaget, a Assimilação representa a construção de uma lógica com tendência à aproximação progressiva da ordem dos objetos ou sistemas com os quais o indivíduo interage, conduzindo a uma equivalência entre a lógica e a ordem (Souza, 2004). A TMC amplia essa consideração ao dizer que a lógica é também uma flexível possibilidade de atribuição de significados e de relações entre eles.

Outro ponto que a TMC considera é a respeito do conceito de Acomodação, que para Piaget é o processo pelo qual a Assimilação provoca profundas mudanças no funcionamento cognitivo, elaborando estruturas lógicas e conceituais complexas. Tal fenômeno explica o aparecimento de saltos qualitativos da cognição em virtude de novas aquisições lógicas. Para a TMC, a Acomodação é identificada como o processo pelo qual o acúmulo de mecanismos internos e externos de mediação conduz a uma estrutura cognitiva coesa, integrada e

expandida, e não apenas a produção de um aglomerado de lógicas e conceitos (Souza, 2004).

Sobre Fases e Estágios da teoria de Piaget, a TMC identifica na Epistemologia Genética de Jean Piaget a previsão de que a reestruturação cognitiva produzida pela Acomodação leva a um processo de desenvolvimento cognitivo caracterizado por fases ou estágios muito bem delineados. De modo parecido, a TMC faz previsão da ocorrência de um desenvolvimento individual através de etapas sucessivas. No entanto, enquanto Piaget considera os estágios do desenvolvimento definidos a partir da organização hierarquizada de lógicas em consonância com sua complexidade e necessidades específicas, a TMC considera

uma classificação de estágios baseada no tipo de mediação utilizada (psicofísica, social, cultural e hipercultural).

Outro aspecto considerado na TMC em relação à contribuição da teoria de Piaget é a respeito do papel do ambiente. O Construtivismo de Piaget identifica o ambiente como responsável pelo fornecimento de experiências caracterizadas por uma ordem, o que torna possível a assimilação de uma lógica atribuída a essa ordem. Na TMC o ambiente é considerado como um espaço de experiências, mas acrescenta que o espaço no qual o indivíduo vivencia suas interações com o mundo é visto como cheio de elementos cujas interações dinâmicas, oferecem possibilidades para o uso como dispositivos computacionais ou redes de comunicação (Souza, 2004). A partir do estabelecimento de tais mecanismos de mediação, tais porções do ambiente são incorporadas ao indivíduo como extensões da sua mente. Em suma, a TMC propõe ao ambiente um papel cognitivo mais ativo e participativo do que a teoria piagetiana.

Considerando os impactos da Revolução Digital, conforme a Epistemologia Genética de Piaget, o auge do desenvolvimento cognitivo ocorre no estágio Operacional Formal

(Piaget, 1983). A partir daí, há possibilidade para o indivíduo adquirir novos conhecimentos e habilidades mentais, entretanto sem alterar a lógica subjacente aos mesmos porque a mesma atingiu seu limite (Souza, 2004). No entanto, a TMC propõe a ausência de um patamar máximo para a lógica. Assim, os computadores e a internet seriam sistemas que apresentam regras de funcionamento constituintes de inovações representativas em relação ao conjunto das leis naturais, inclusive as dinâmicas dos grupos sociais. De modo conclusivo, a TMC considera que as novas tecnologias da informação e comunicação introduzem um novo tipo de ordem no campo das experiências dos indivíduos, o qual será assimilado sob forma de um tipo emergente de lógica, levando a novos tipos de acomodação, levando as pessoas a um tipo de desenvolvimento com maior complexidade.