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A Tradição Interpretativa e a Pesquisadora

PARTE I – O PRÉ-ESTUDO (PRIMEIRO ESTÁGIO)

4.2 A Tradição Interpretativa e a Pesquisadora

“... elas seguem uma variedade de rótulos diferentes, incluindo os de teoria, método, análise, ontologia, epistemologia e metodologia. Por trás desses termos, está a biografia pessoal do pesquisador, o qual fala a partir de uma determinada perspectiva de classe, de gênero, de raça, de cultura e de comunidade étnica. Este pesquisador marcado pelo gênero, situado em múltiplas culturas, aborda o mundo com um conjunto de idéias, um esquema (teoria, ontologia) que especifica uma série de questões (epistemologia) que ele então examina em aspectos específicos (metodologia, análise).”

Ao redigir a seção anterior explicito a minha preferência e posicionamento dentro da tradição do interacionismo simbólico. Porém, além disso, creio ser necessário um pouco mais da minha biografia pessoal para entender as escolhas feitas quanto ao projeto de pesquisa e também na sua condução e interação com o campo. Nasci em uma família de imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil no início dos anos 30 e se estabeleceram em uma colônia japonesa de base agrícola no norte do Paraná. Neta de japoneses, de uma família tradicional, na qual o japonês ainda é o idioma dominante no ambiente familiar, e que adora a prática de esportes, nos mudamos para São Paulo para ter acesso ao ensino superior. Por ter cursado o ensino fundamental e médio em escola pública, a prática do esporte foi fundamental para receber uma bolsa de estudos e ter feito num cursinho de qualidade, possibilitando o ingresso em uma boa universidade pública. Trabalhei em uma grande empresa nacional e também já tive o meu próprio negócio. Há 10 anos conclui o meu MBA, quando passei um semestre em Chapel Hill (USA), e estou agora no curso do doutorado, tendo passado um ano na Universidade de Warwick (UK) e concluído o programa de doutorado sanduíche. Esse trânsito por diferentes meios, contextos e culturas com certeza influencia na minha construção de mundo.

Jean Bartunek (2007) expõe a reação de uma pessoa do mundo empresarial que ao participar de uma de suas palestras, esperava poder explorar melhor os resultados de uma intervenção de sucesso da qual acabava de participar. As perguntas que a pessoa fazia evidenciavam que identificar a “questão de pesquisa” não era tão trivial e muito menos entender a relevância das variáveis dependentes e de os outros termos usados que não faziam sentido, mesmo sendo ilustrados num diagrama causal, evidenciando a efetividade da sua intervenção. A mesma reação era visível em outros participantes, ou seja, existe um distanciamento entre o mundo acadêmico e o da prática (BARTUNEK, 2008; STARKEY, MADAN, 2001; HATCHUEL, 2001). O meu regresso ao meio acadêmico em 2007 foi

marcado por esta sensação de dissociação. Apesar de a academia pesquisar e estudar temas relevantes, cujo resultado agrega valor às práticas organizacionais, eu tinha que me integrar e ser treinada num novo contexto, o da academia.

Há uma corrente acadêmica que prega a necessidade da academia-praticante aumentar a colaboração e integração dos esforços, uma vez que o conhecimento que é valioso para as organizações é em última instância aquela que melhora a habilidade de tomar decisões e definir ações. Ou seja, caso a produção científica em administração não estiver apta a agregar conhecimento à realidade vigente, seria hora de mudar (BARTUNEK, 2007; STARKEY, MADAN, 2001; HATCHUEL, 2001). Entre as ações para reduzir a distância entre a academia e o contexto prático empresarial, os autores sugerem (1) o uso de abordagens colaborativas de pesquisa; (2) a criação de Fóruns de Pesquisas com espaço para (a): modelar e desenvolver uma dinâmica interdisciplinar no campo da gestão; (b) facilitar o desenvolvimento de um método ótimo que sirva de interface para questões teóricas e práticas; (c) melhorar estratégias de comunicação e distribuição de conhecimento, de acordo com os contextos organizacionais e as diferentes lógicas de ação institucional; e (3) novos meios de avaliar a aplicabilidade do conhecimento para as necessidades de práticas de curto prazo e as necessidades de longo prazo do desenvolvimento teórico (STARKEY, MADAN, 2001; BARTUNEK, 2007; PASMORE et al.,2008).

Hatchuel (2001) argumenta que para possibilitar a aproximação eficiente da academia com o ambiente organizacional, uma rede colaborativa deve ser estabelecida entre elas, e para tal é essencial que o objeto de pesquisa científica esteja claro e que sejam estabelecidas parcerias orientadas ao design. O autor aponta a relevância da identidade da questão de pesquisa com a administração, e não com a economia ou a sociologia. Para ele, o objeto das ciências administrativas são os modelos de ação coletiva, em que a pesquisa consiste em compreendê-los, inventá-los e criticá-los. Quanto à pesquisa propriamente dita, Hatchuel

afirma que a cooperação com as empresas devem ser um pré-requisito para a produção de conhecimento prático, interativo e passível de ação (actionable).

Eu acredito na possibilidade de uma maior integração academia-empresa, com o objetivo de que ambas as partes gerem valor a partir de tal relacionamento, ou seja, as empresas melhorariam seu desempenho e a academia teria uma melhoria na sua produção acadêmica. Logo, esta pesquisa se enquadra dentro da tradição do interacionismo simbólico e com a escolha de uma metodologia que possibilite de interação da pesquisadora com o campo de forma colaborativa como preconizado por Bartunek (2008). Partington (2000) ressalta a congruência do uso da Grounded Theory com a produção de conhecimento gerada num contexto colaborativo, ou seja, que alinhe o interesse do lado „fornecedor‟ do conhecimento (academia) com o lado „demandante‟ (empresas). Este método favorece a abordagem transdisciplinar ao não partir de um escopo teórico pré-definido para abordar o fenômeno. Na próxima seção, sintetizo a base conceitual da Grounded Theory, sua evolução e apresento a vertente escolhida para conduzir a análise dos dados desta pesquisa.