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A TRAJETÓRIA DE IRAN: SOBRE QUEM ESTAMOS FALANDO?

Na busca pela compreensão dos sentidos construídos pelo jovem, faz-se necessário contemplar sua trajetória de vida. Apresentamos a seguir um recorte da trajetória de Iran, inicia- da momentos antes de sua entrada no universo de transgressão. Iran nasceu e foi criado em um mesmo bairro na cidade de Salvador e, até os 13 anos de idade, residia com sua mãe “de

criação”, com a qual tinha um bom relacionamento.

– [...] Foi uma infância boa mesmo, que tive carinho, muito amor, tinha o que eu queria, como uma criança normal, gostava

mesmo de estudar, jogar futebol, empinar pipa... Tudo na vida que uma criança gosta aí de fazer.

Iran narra que sua vida começou a mudar quando sua mãe faleceu. As mudanças que ocorreram a partir deste mo- mento, fazem Iran caracterizar este período da seguinte forma.-

[...] Aí foi a morte de minha mãe de criação... aí, mudou tudo, de- sabou. Mais adiante, ele afirma: - [...] Aí tudo foi correndo péssimo.

Com o falecimento da mãe, Iran passou a morar com a irmã e sua família (marido e filhos). O jovem relata que o cunha- do era um importante traficante no bairro e que, certo dia, ao voltar com sua irmã e sobrinhos da Igreja, foram abordados por homens, segundo Iran, policiais. Nesta abordagem, seu cunha- do e o filho que ele carregava no colo foram executados.

– [...] Aí na volta pra casa, véi, um carro preto com quatro homens encapuzados já chegaram atirando, já. Aí, minha irmã conseguiu abraçar minha a sobrinha, aí meu cunhado, véi, abra- çou o meu sobrinho pra proteger ele também, mas eles foram baleados. Meu sobrinho, na cabeça, e meu cunhado foi fuzilado, assim, em várias partes assim do corpo.

Os sentimentos que este fato desperta em Iran são de revolta, sensação de impunidade, ódio em relação aos policiais e culpa. Este último encontra justificativa no fato de que cos- tumava cuidar das crianças na ausência da irmã e do cunhado e, neste dia, havia ido ao treino na escola de futebol obrigando a irmã levar as duas crianças para a igreja.

– [...] Foi uma coisa que revoltou porque era o sobrinho as- sim que eu amava muito, eu ia dar a minha vida... Aí eu penso que se eu tivesse em casa ela podia deixar eles comigo e ia e creio que se eu tivesse em casa meu sobrinho poderia tá vivo hoje.

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A adolescência e o consumo de drogas: uma rede informal de saberes e práticas

Após a morte do cunhado, Iran, a irmã e a sobrinha pas- saram a enfrentar dificuldades financeiras. O pai já não podia ajudá-los e a irmã estava desempregada. Iran narra um período de fome e dificuldades que o impediam de ter coisas como [...]

roupas e sapatos bonitos. A solução encontrada por Iran foi a

inserção no universo da transgressão sociolegal. Assim ele re- sume suas primeiras motivações:

– [...] mas também fui induzido, que era imaturo, ainda não sabia assim muitas coisas da vida... E, também, tinha aí meu cunhado que era traficante e eu via ele com muito dinheiro também, que era dinheiro fácil que ele arrumava, com muita gen- te em cima dele também... Ele era o tal do ‘bam-bam-bam’, que todo mundo gostava dele, né? Aí, foi isso que me levou à vida do crime, também... A necessidade também, que eu já passei fome já e fome é uma coisa horrível que eu não desejo nem para meu pior inimigo.

Diante dessas motivações, Iran aceitou o convite de um colega para realizar um assalto. Foi a sua primeira infração e quando passou a se considerar [...] um ladrão. O jovem narrou este episódio sorrindo: foram assaltar uma banca de apostas utilizando uma arma, que haviam conseguido emprestada, sem balas. Roubaram seiscentos reais.

– [...] a gente foi lá, tinha um cara só, a gente meteu a arma na cara dele, pegamo o dinheiro tudo e depois a gente se saiu. Foi o mais fácil. Um três dois... Um trinta e dois sem bala.

O “dinheiro fácil”, “a adrenalina” e a “fama” fizeram com que ele tomasse “gosto” pelo ato infracional. Iran diz que a este roubo se seguiram muitos outros, de forma rápida. Relata que conseguiu muito dinheiro com assaltos, mas que este tipo de atividade também representava estar exposto a muitos riscos.

Assim, decidiu que o tráfico de drogas seria a melhor so- lução. Sobre sua entrada no tráfico, por considerar uma ativi- dade menos perigosa, Iran afirma:

– [...] É. Porque você ganha dinheiro sentado. Você não vai pá pista... Quando você vai roubar (gagueja) você vai com a in- tenção de trazer o dinheiro. Você sabe que você pode não voltar. Você tá arriscado morrer ou a matar ou ser preso... E o tráfico não. Você tá na favela, você conhece tudo, vem o usuário, você vende a ele, você some de beco em beco, aí fica mais fácil... A população também dá aquela ajuda também, né?

A entrada no tráfico se deu sem o apoio do maior trafi- cante do bairro na época. Figura respeitada, carismática, con- siderada por Iran como um legítimo “representante do crime” e por quem tinha muito afeto. Os conselhos do traficante não foram suficientes para dissuadir Iran do propósito de se tornar também um traficante. Ele, então, passa a vender as drogas e a servir como vigilante, para o grupo.

Iran revela que o envolvimento com o tráfico gerava um dinheiro “fácil” e “maldito”.

– [...] Aí vem aquele dinheiro fácil, fácil, fácil, aí você vai gostando, aí vai gastando com cerveja, se você é usuário e tiver cocaína você vai cheirar, que vai beber também. Fora as mulhe- res, também que cresce o olho, aí sabe que você tá podendo, que você tá com dinheiro, tudo, aí fica na empolgação... Você vai pra festa, curte, usa drogas e aí não pensa no amanhã. Você gasta tudo ne uma noite. Aí quando você não tem mais dinheiro aí vamo sair pra roubar, aí você vai, né?

O tráfico passou a ser intercalado com roubos e foi em decorrência de um desentendimento em um dos roubos que ele cometeu o homicídio, o assassinato de um dos parceiros, ato infracional que o conduziu à privação de liberdade. Segundo

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A adolescência e o consumo de drogas: uma rede informal de saberes e práticas

Iran, após um assalto, houve um desentendimento relaciona- do à divisão do dinheiro entre o mentor do roubo, Iran e outro colega. Diante disto, Iran e o colega passaram a ser ameaçados de morte e, em defesa de suas vidas, praticaram o homicídio.

– [...] A gente foi assim pelos cantinhos, ele não viu a gen- te, aí quando ele observou a gente já tava perto demais. O meu colega defragrou logo um tiro entre o rosto dele e deu mais um no peito dele e eu aí dei o resto. Tinha seis balas no tambor. Eu dei quatro tiros nele na cabeça e o resto falhou. Aí corri.

Iran ficou foragido por cinco dias e se entregou depois que a irmã interveio.