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A transcendência dos interesses subjetivos na Emenda Constitucional nº

REPERCUSSÃO GERAL DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Diante do que foi dito, não é novidade a afirmação de que o Poder Judiciário tem tido sua legitimidade arranhada pela crônica demora e pelos custos elevados, dentre outros problemas que têm gerado uma gama de polêmicas, tanto

no âmbito da dogmática jurídica, como também no que diz respeito aos setores identificados com a crítica do Direito.

Como decorrência, a primeira fase da Reforma do Poder Judiciário, efetuada por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, realizou dezenas de modificações no Texto da Carta Maior. No que concerne ao interesse transindividual dos julgamentos do STF, que transcende, portanto, o interesse subjetivo das partes, as mudanças mais significativas dizem respeito à adoção da súmula vinculante e à inserção do instituto da repercussão geral do recurso extraordinário,

A súmula vinculante, aplicável no âmbito do Supremo Tribunal Federal, afina-se com a tendência, observada em longa linha evolutiva, de se buscar a superação do dissenso jurisprudencial mediante expedientes diversos, dentre eles o instituto dos assentos, as súmulas de jurisprudência dominante e o efeito vinculante conferido às decisões em matéria de controle abstrato de constitucionalidade, por nós já mencionados. Cuida-se, pois, de proposta que, longe de ser apressada, foi-se forjando no calor dos debates entre parlamentares e juristas, que tinham por objetivo harmonizar a jurisprudência constitucional e superar a multiplicação de causas idênticas no Supremo Tribunal Federal. Em verdade, a EC nº 45/2004 não "criou" propriamente a súmula vinculante, mas, ao contrário, a "potencializou" e "sistematizou", uma vez que o efeito vinculante, em especial no sistema de controle de constitucionalidade, já vinha sendo demasiadamente aplicado nas decisões proferidas pelo STF, a despeito de não vir gerando, no plano concreto, o escopo pretendido.

De fato, dentre as causas essenciais que determinaram a instituição da súmula vinculante, está a falta de articulação entre os controles difuso e concentrado de constitucionalidade, verificada, principalmente, nas hipóteses em que o Supremo Tribunal Federal declara a constitucionalidade de uma determinada lei ou indefere o pedido de declaração de inconstitucionalidade. No primeiro caso, a declaração de constitucionalidade proferida através de ação declaratória de constitucionalidade - a despeito de sua eficácia erga omnes e do efeito vinculante - vinha funcionando, efetivamente, apenas como mecanismo de confirmação da funcionalidade da norma já existente no contexto constitucional, haja vista que os tribunais inferiores brasileiros ora decidiam a favor do entendimento da Corte Constitucional, ora pela inconstitucionalidade da norma,

tendo em vista as peculiaridades dos casos concretos. No segundo caso, observa-se que o indeferimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal, vinha dando margem a decisões inconstantes entre as jurisdições inferiores, uma vez que, considerando o princípio da presunção de constitucionalidade das leis, é possível que uma norma permaneça no ordenamento jurídico, mesmo quando houver bons argumentos no sentido de sua incompatibilidade com a Constituição.

Por outro lado, a falta de articulação entre os dois sistemas também podia ser averiguado quando a norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, continuava a ser aplicada pelos tribunais inferiores, mesmo quando da análise de casos concretos absolutamente semelhantes. Isso se dava, pois, nessa situação, a norma declarada inconstitucional em última instância pelo STF só produzirá efeito vinculante em relação aos demais tribunais, caso o Senado Federal opte pela suspensão de sua execução no todo ou em parte. Em não havendo essa suspensão, a decisão da Suprema Corte restringirá seus efeitos às partes integrantes do processo, permanecendo a norma declarada inconstitucional no ordenamento jurídico, de forma impositiva aos demais jurisdicionados.

Portanto, além da transcendência fundada na atribuição de efeito vinculante às súmulas do STF, elaboradas a partir do julgamento repetido de feitos subjetivos idênticos, a Emenda Constitucional nº 45/2004 contribuiu, ainda, para o exercício da função paradigmática do Supremo Tribunal em relação à sociedade brasileira, ao prever um novo “filtro” de análise do recurso extraordinário, que é a repercussão geral.

Deve-se registrar, inicialmente, que após o advento da atual Constituição, e antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, o ordenamento jurídico pátrio já vinha disciplinando situações em que a repercussão geral e a relevância das questões submetidas ao crivo da máquina judiciária constituíam critério decisório de importância. É o que já dispunha o art. 896-A da CLT, a respeito do conhecimento do recurso de revista, inserido pela Media Provisória 2.226/2001, nos seguintes termos: “O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica”.

Observe-se, ainda, que a hipótese de cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental constante do inciso I do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.882/1999, dispõe caber, também, argüição de descumprimento de preceito fundamental: “quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”.

Assim, percebe-se que, mesmo antes de 2004, o ordenamento jurídico brasileiro havia voltado a lidar com o conceito de relevância, o que, por outro lado, também foi determinante para o coroamento da súmula vinculante, que já vinha se manifestando no sistema jurídico brasileiro, por meio de outros institutos semelhantes. De fato, ao tratar dos objetivos da súmula vinculante (isto é, das razões de fato que podem ensejar a elaboração de uma súmula vinculante), o art.

103-A, § 1º, da Constituição Federal, acrescentado pela EC nº 45/2004, deixa evidente o critério da relevância, ao dispor que “a súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”.

Desta feita, pode observar-se que a introdução da súmula vinculante, juntamente com o critério da repercussão geral para admissão do recurso extraordinário, têm duplo objetivo, quais sejam: uniformização das decisões emitidas pelo Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional; e diminuição do volume de processos que chegam à Suprema Corte. No dois objetivos é possível visualizar que o critério da transcendência se faz presente. De um lado, porque, quando se busca a uniformização da jurisprudência, se busca evitar que a Corte Suprema seja avaliadora das questões de fato que envolvem a demanda, dedicando-se, exclusivamente, à análise do cumprimento da correta interpretação das normas constitucionais. De outro lado, porque, quando visa à diminuição de feitos, não o faz de maneira genérica e discricionária, mas, ao contrário, de forma a separar e se concentrar apenas naquelas questões que merecem destaque no âmbito da sociedade brasileira, influenciando e determinando os seus rumos.

Analisando a função da súmula vinculante em nosso atual ordenamento jurídico, afirma Encarnacion Alfonso Lor:

“Nesse contexto, parece claro que a súmula vinculante veio para atender aos processos de causas coletivas, tais como as previdenciárias, as tributárias, as ações interpostas pelos credores de expurgos inflacionários de planos econômicos relativos às cadernetas de poupança e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e aquelas concernentes a pendências salariais entre o Governo e os servidores públicos. Tais assuntos envolvem processos repetitivos, dos quais normalmente é parte o Poder Público, e que, individualmente apresentados, atraem milhares de ações ao Judiciário. Para confirmar esse entendimento, basta verificar o teor das três primeiras súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal:

Súmula vinculante n. 1 – Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar 110/2001.

Súmula vinculante n. 2 – É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

Súmula vinculante n. 3 – Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão” (LOR, 2009, p. 99).

Nessa situação, é certo que a incorporação simultânea de ambos os institutos em nosso sistema jurídico deverá contribuir, a longo prazo, não só para a diminuição dos trabalhos do STF - permitindo que este Órgão atue com maior dedicação às causas encaminhadas para sua apreciação -, como também para a criação de novas súmulas vinculantes, as quais, por outro lado, servirão de parâmetro para frear a insurgida de novos recursos extraordinários na Suprema Corte, exatamente por já condensarem as anteriores manifestações deste Órgão sobre as causas mais relevantes e mais consideráveis para a sociedade.

3.4. A “OBJETIVAÇÃO” DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM RELAÇÃO AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E O ART.

52, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Por tudo quanto relatado, verifica-se que, em relação ao controle de constitucionalidade pela via concentrada e ao efeito vinculante, poucas foram as novidades trazidas pela EC nº 45/2004, salvo pelo fato de que, agora,

determinados temas ganharam sede constitucional, como é o caso do efeito vinculante nas decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade.

Parece claro, portanto, que o cerne da controvérsia sobre o efeito vinculante não envolve as ações processadas via controle concentrado de constitucionalidade, nem será esse o sistema mais beneficiado pelo instituto.

Primeiro, porque, nesse sistema, o efeito vinculante das decisões já estava previsto; segundo, porque a declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado torna os atos inconstitucionais nulos e, por conseguinte, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica; por fim, mas não menos importante, porque as estatísticas do Supremo Tribunal Federal apontam que o número de ações declaratórias de constitucionalidade distribuídas ao Supremo Tribunal Federal no período de 1993 até janeiro de 2009 não passou de 22; e as ações diretas de inconstitucionalidade distribuídas entre 1988 e janeiro de 2009 somaram, somente, 4.180 processos.

Enquanto isso, no interregno de 1990 a janeiro de 2009, os recursos extraordinários distribuídos, típicos do controle difuso de constitucionalidade, totalizaram 469.242 processos, representando cerca de 45% dos processos distribuídos.

Relembre-se que, no sistema difuso, a competência para fiscalizar a constitucionalidade pertence a qualquer juiz ou Tribunal, podendo o incidente de inconstitucionalidade chegar ao Supremo Tribunal Federal por meio do recurso extraordinário, já que é a este Órgão que caberá emitir o último pronunciamento sobre o assunto. Importante observar, outrossim, que, até a entrada em vigor da EC nº 45/2004, o efeito de tal decisão refletia-se exclusivamente no caso concreto, sem eficácia erga omnes - como se dava nas ações de controle abstrato de constitucionalidade -, a menos que o Senado Federal, mediante comunicação do próprio Presidente do Pretório Excelso, decidisse por suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional (art. 52, X, da CRFB). A decisão teria eficácia ex tunc em relação às partes originárias da relação processual, e eficácia ex nunc em relação aos demais cidadãos, a partir da aludida suspensão.

Sendo assim, declarada a inconstitucionalidade da lei pelo Supremo Tribunal Federal, no controle difuso, isto é, via recurso extraordinário, e desde

que ela seja deliberada pela maioria absoluta do Plenário, o art. 178 do Regimento Interno do Supremo estabelece que, após o trânsito em julgado, a decisão será comunicada ao Senado Federal.

Por sua vez, os artigos 386 e 388 do Regimento Interno do Senado determinam:

“Art. 386. O Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade total ou parcial de lei mediante:

I- comunicação do Presidente do Tribunal;

II – representação do Procurador-Geral da República;

III – projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

[...]

Art. 388. Lida em plenário, a comunicação ou representação será encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que formulará projeto de resolução, suspendendo a execução da lei, no todo ou em parte”.

A exigência de comunicação para suspensão é oriunda da Constituição de 1934, cujo legislador procurou inserir o balizamento entre os Poderes do Estado.

Contudo, o papel do Senado tem sofrido grande mutação em vista do atual perfil conferido ao STF, sobretudo após a atual Constituição de 1988, quando várias normas ampliaram as suas competências e, conseqüentemente, o seu grau de importância, no que tange ao controle repressivo de constitucionalidade. Com efeito, a jurisprudência do Supremo vem atribuindo, cada vez mais, transcendência ao decisum proferido em sede de controle difuso, fixando em seus entendimentos que os Tribunais não teriam a necessidade de encaminhar a questão constitucional para análise do Pleno, em cumprimento ao disposto pelo art. 97 da CRFB (princípio da reserva do plenário), quando o Supremo já tivesse se manifestado sobre a questão em controle difuso. A decisão proferida pelo STF seria transcendente, o que tornaria dispensável a convocação do Pleno perante os tribunais inferiores. Esta solução acabou sendo consagrada no Código de Processo Civil, pelo parágrafo único do art. 481, in verbis:

“Art. 481. [...]

Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento

destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”.

O atual posicionamento do STF, portanto, demonstra claramente uma tendência inelutável marcada pela objetivação do processo constitucional, o que provocará, a longo prazo, uma aproximação das eficácias sentenciais no controle difuso e concentrado, que até então estavam carentes de uma maior articulação entre si. Esta tendência veio a ser consolidada com a exigência da repercussão geral da questão constitucional, que traçou um novo perfil para o controle de constitucionalidade e, em especial, para o recurso extraordinário. É o que nos descreve Encarnacion Alfonso Lor:

“Ora, se em sede de recurso extraordinário (controle difuso), o requisito da repercussão geral, veio conforme demonstrado, para diminuir a carga de trabalho do Supremo e prestar uniformidade à inteligência da Constituição, qual o propósito de se manter em vigor, da forma como regulamentado, o art.

52, X, do Texto Maior?

Outra questão; se o Supremo Tribunal Federal agrega as funções de órgão de cúpula do Poder Judiciário e, cada vez mais, de Corte Constitucional, por que, então submeter suas decisões a uma posterior convalidação do Senado Federal, cuja competência, aliás, é residual, poste que não lhe é permitido questionar as decisões de mérito do Supremo?

[...]

Em suma, o art. 52, X, do Texto Maior parece superado – ou, ao menos, de parca utilidade -, mormente com as inovações introduzidas pela Emenda Constitucional 45/2004. Essa inteligência não é nova. Já em 1990, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes propunha a supressão do dispositivo, com a conseqüente atribuição de eficácia erga omnes e efeito vinculante às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, ‘também no caso concreto’” (LOR, 2009, p. 109-111).

3.5. INFLUÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL NO CONTROLE DE